O fim da emergência sanitária por covid-19 no Brasil, anunciado pelo ministro Marcelo Queiroga, deve modificar medidas adotadas para o enfrentamento à pandemia, como o uso de máscaras, a compra de medicamentos e a vacinação.
E se houver nova onda de casos, sem o status de emergência de saúde pública, o País passará a ter dificuldade para adotar novas medidas, como compras de insumos e medicamentos sem licitação. "São 170 atos (para enfrentar a pandemia) que foram tomadas em cima da Espin (Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional). Com o fim dela, todas estas 170 regras caem, o que causa um grande impacto", diz o médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto, fundador e ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
O médico cita como exemplo a autorização do uso emergencial de vacinas. "Com essa medida do Ministério da Saúde, a CoronaVac, que continua tão importante para a imunização dos brasileiros, pode perder o registro", acrescenta.
Durante a coletiva realizada nesta segunda-feira (18), o ministro Marcelo Queiroga detalhou os motivos para decretar o fim da emergência sanitária. Na ocasião, autoridades do Ministério da Saúde esclareceram que a pasta já pediu à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que mantenha por até 365 dias a autorização de uso emergencial de insumos usados no enfrentamento à covid, como a vacina CoronaVac.
Em nota, a Anvisa diz que está revisando a vigência dos atos editados pela agência em resposta à pandemia de covid-19. Estão incluídos, entre essas regras, as resoluções que tratam do uso emergencial de vacinas e medicamentos. Segundo o órgão, diversos atos editados de forma excepcional, em resposta à covid-19, previam inicialmente o encerramento de sua vigência a partir do fim da Espin.
"A solicitação, feita pelo Ministério da Saúde, é que a vigência das normas da Anvisa para a pandemia seja mantida por um ano a partir do momento da retirada do estado de Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional. A prorrogação do prazo de vigência das normas ainda depende de aprovação da Diretoria Colegiada da Anvisa e, se aprovada, deve permitir que vacinas e medicamentos em uso emergencial continuem em uso por um ano", informa a Anvisa.
A agência destaca que a vacinação contra covid-19 deve continuar em andamento e que a dose de reforço deve ser aplicada nos públicos indicados.
"É necessário também que a vigilância epidemiológica sobre a doença continue por meio dos programas de testagem e mapeamento genômico do vírus em circulação no Brasil. A medida é necessária diante da possibilidade de surgimento de novas variantes. Cada pessoa deve continuar atenta às medidas de higienização das mãos e uso de máscara em ambientes de maior risco, com aglomerações. Vale ressaltar que, apesar dos avanços alcançados no Brasil, muitos países ainda continuam em estado de pandemia e com índices de vacinação ainda baixos, necessitando imunizar suas populações", acrescenta, em nota, a Anvisa.
A CoronaVac está sendo utilizada no Brasil desde janeiro de 2021, quando a Anvisa aprovou o uso emergencial do imunizante.
Um estudo de mundo real realizado no Brasil com cerca de 20 mil pessoas voltou a comprovar a efetividade da CoronaVac contra casos graves e hospitalizações por covid-19. A análise mostrou que mais de 80% dos indivíduos reinfectados pelo coronavírus que haviam tomado a CoronaVac se recuperaram da doença sem necessidade de hospitalização.
Publicado na The Lancet Infectious Diseases, o trabalho foi feito por cientistas do Brasil e do exterior, de instituições como Universidade de São Paulo e Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz), além de universidades americanas como Yale e Stanford.
Entre fevereiro de 2020 e novembro de 2021, foram identificados 213 mil brasileiros (vacinados e não vacinados) que tiveram covid-19 sintomática após o início do programa de vacinação. Para comparar a efetividade dos imunizantes CoronaVac, AstraZeneca, Pfizer e Janssen, os cientistas selecionaram 22,5 mil casos de todo o País que testaram positivo para a reinfecção pelo coronavírus, sendo que 1.545 acabaram sendo hospitalizados e 290 morreram.
Segundo publicou o portal do Butantan, em colaboração com o jornalista científico Peter Moon, dos 22,5 mil casos analisados, 8 mil foram imunizados – 42,8% haviam tomado a CoronaVac, 40% receberam a AstraZeneca, 14,9% a Pfizer e 2,2% a Janssen.
Entre os vacinados com CoronaVac, a efetividade contra hospitalização e morte foi de 81,3%. O percentual foi similar ao das vacinas AstraZeneca (89,9%) e Pfizer (89,7%), e superior aos resultados da Janssen (57,7%). Vale ressaltar que a imunização com CoronaVac no Brasil começou primeiro, tendo envolvido, em maioria, idosos acima de 60 anos, um público mais vulnerável ao agravamento dos casos de covid-19.
De acordo com os pesquisadores, as análises foram concentradas em indivíduos que foram previamente infectados pelo coronavírus para responder se e até que ponto as vacinas conferem proteção adicional contra infecção sintomática e desfechos graves.
“Preocupações têm sido levantadas sobre respostas de anticorpos neutralizantes menos robustas e duráveis em indivíduos que receberam a CoronaVac em comparação com outras vacinas. Nós mostramos que a CoronaVac fornece altos níveis de proteção contra desfechos graves da doença”, reforçam os cientistas no artigo.