Um levantamento inédito, feito pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), com base em dados do Ministério da Saúde, revela que 863.086 pessoas no Brasil apresentam obesidade grave (popularmente conhecida como obesidade mórbida, com índice de massa corporal acima de 40 kg/m²).
O número do levantamento, que representa o universo das pessoas com obesidade mórbida afetadas em 2022 no País, chama a atenção para o problema às vésperas do Dia Mundial da Obesidade (4 de março).
Não há mais dúvidas de que a obesidade, por si só, independentemente de resultados de exames, é uma ameaça para o desenvolvimento de doenças que prejudicam a qualidade de vida e aumentam a mortalidade da população.
Ou seja, mesmo as pessoas com obesidade e exames normais (HDL, triglicérides, glicemia e pressão arterial sem alteração), têm um risco maior de ter a saúde debilitada, com o aparecimento de doenças debilitantes, como infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral e vários tipos de câncer.
Dessa maneira, especialistas não têm mais dúvidas: não existe obesidade saudável.
"A obesidade é uma doença crônica, progressiva, recorrente e recidivante (o que explica o efeito sanfona)", destacou o cardiologista Antônio Carlos de Souza Spinelli, que participou de live da 3ª temporada de #AUDES7H15.
O bate-papo ocorreu na quarta-feira (1º) e foi mediado pelo cardiologista Audes Feitosa, em sua página no Instagram.
"Lógico que a gente não pode fazer tipo de preconceito algum com quem está obeso, mas é importante que a pessoa com obesidade entenda que não existe uma obesidade saudável. Ela tem que se tratar", disse Audes.
Considerada uma doença inflamatória crônica, a obesidade produz citocinas, que são proteínas que regulam o crescimento e atividade de células imunes responsáveis pela inflamação.
Esse estado inflamatório, isoladamente, eleva o risco de desenvolvimento de outras doenças.
Durante a live, Spinelli ressaltou que a temática precisa ser muito abordada, a fim de aumentar a conscientização sobre os efeitos graves da obesidade.
"Não existe obesidade saudável. Em 2022, uma metanálise (estudo que combina resultados de pesquisas relevantes) muito importante mostrou que uma pessoa com índice de massa corporal (IMC) normal tem uma probabilidade de 80% de chegar aos 70 anos", informou Spinelli, que é professor de cardiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Já nos casos de quem tem IMC acima de 40, essa expectativa de vida de chegar até os 70 anos cai para 50%.
"Então, não existe a obesidade saudável. Nessa metanálise, as pessoas com aumento de massa corporal não tinham alterações de lipídeos (de colesterol e triglicérides), de pressão arterial. Eram indivíduos obesos saudáveis "entre aspas". E o estudo mostra que, ainda assim, eles perdem expectativa de vida."
Durante a live, os médicos também destacaram a necessidade de o tema ser abordado de forma séria e ética com os pacientes.
"A gente tem que ver uma forma de abordagem, porque a obesidade, ao longo do tempo, sofreu um estigma. Até pouco tempo, se achava que a pessoa tinha excesso de peso porque queria, porque não tinha força de vontade. E não é assim. Já se foi o tempo em que se acredita que a questão da obesidade era culpa do indivíduo", salientou Spinelli.
Com esse raciocínio, o cardiologista frisou que a obesidade é uma doença que envolve vários fatores. Segundo ele, há a questão do próprio sistema nervoso central, a área do hipotálamo responsável pela saciedade ou pelo excesso de fome, e também alterações na própria microbiota intestinal.
"Então, não é simplesmente dizer olhar e dizer: 'Você é obeso'; 'Você está com excesso de peso porque você quer ou porque você não tem vontade de corrigir isso'. Muitas vezes o paciente não chega para o médico já falando do incômodo que é ter excesso de peso, mas ele adoraria ser abordado nesse aspecto."
Essa abordagem, de acordo com Spinelli, tem que ser feita precocemente, a fim de corrigir as alterações, retardar o aparecimento de patologias e aumentar a expectativa de vida do paciente.
O tratamento da obesidade precisa ser feito de forma contínua.
"Pacientes se queixam do efeito sanfona. Eles dizem que tratam o excesso de peso e depois voltam a engordar. Mas é importante explicar que isso (efeito sanfona) é a característica da doença crônica obesidade", disse o cardiologista Audes Feitosa.
O cardiologista frisou que a obesidade tem que ser encarada como outras doenças crônicas, a exemplo da diabetes ou hipertensão. Não adianta tratar por um tempo, depois parar o remédio e querer que a pressão e glicose fiquem controladas. Então, o tratamento tem que ser contínuo.
"Depois de diagnosticado e acompanhado, o indivíduo terá controlado a obesidade com dieta e exercício. Mas sabe que, se parar dieta e exercício, vai engordar novamente. E uma parte vai precisar até de medicação a longo prazo, inclusive pelo resto da sua vida, em alguns casos."
Sobre as opções para tratamento farmacológico da obesidade, os cardiologistas comentaram sobre as "canetas emagrecedoras" - medicamentos análogos de GLP-1 (como a semaglutida, com os nomes comerciais Ozempic e Rybelsus) prescritos em caráter off label (fora de bula) para tratar a obesidade.
"Na verdade, essas canetas emagrecedoras vieram para facilitar a aplicação de substâncias. Mas há algo além: os análogos do GLP-1, como são conhecidas as canetas emagrecedoras, efetivamente reduzem peso e com proteção cardiovascular, diferentemente das opções que se tinha antes. Ou seja, o uso é seguro e tem realmente o efeito que a gente quer na perda de peso", explica Spinelli.
O cardiologista, contudo, ressalta que a resposta dessas medicações não é igual para todos os pacientes. "O resultado depende da característica do indivíduo: se ele é respondedor ou não."
Ao encerrar a participação na live, Spinelli destacou que os médicos e a população não percam a chance de falar, nas consultas, sobre a obesidade e os caminhos para tratá-la.
"Todos temos que ter a consciência de que a obesidade é uma doença, tem que ser tratada. E isso tem que ser em comum acordo entre médico e paciente", disse.
Ele ainda reforçou a necessidade de acompanhamento precoce e contínuo.
"É essencial para aumentar a expectativa de vida, diminuir a possibilidade de doenças cardiovasculares, diminuir a chance de diabetes e outras patologias como a esteatose hepática não alcoólica e a osteoartrose. Além disso, o tratamento traz o bem-estar individual: a pessoa volta a se sentir bem consigo mesma", finalizou o cardiologista.