A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e o Instituto Questão de Ciência (IQC) apresentam conclusões da pesquisa Hesitação vacinal: por que estamos recuando em conquistas tão importantes?, realizada com a intenção de reforçar junto à população e aos pediatras a importância das vacinas para prevenir ou impedir o agravamento de doenças.
O estudo, inédito no País, tem como um dos pesquisadores o médico Eduardo Jorge da Fonseca Lima, pesquisador do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip) e conselheiro do Conselho Regional de Medicina do Estado de Pernambuco (Cremepe).
O levantamento colheu informações de mil pediatras brasileiros para compreender a visão dos especialistas sobre a vacinação e descobrir dúvidas mais comuns sobre o tema, relatadas pelas famílias durante as rotinas de atendimento pediátrico.
Dados preliminares já indicam uma relevante influência de "informações não confiáveis" sobre o comportamento das famílias.
A íntegra da pesquisa será conhecida no fim deste mês de maio.
Segundo a percepção dos especialistas, esse conteúdo é veiculado especialmente em redes sociais (30,95% deram essa resposta).
Aplicativos de mensagens, como o WhatsApp (8,43%), e a internet como um todo (13,60%) aparecem com um poder de influência superior ao da televisão (3,34%).
"Há décadas as vacinas previnem ou impedem o agravamento de doenças. E é isso que nós, da SBP, queremos deixar muito claro à população e aos pediatras", diz o presidente da SBP, Clóvis Francisco Constantino.
"O médico mantém um contato bastante próximo junto às famílias. Isso o coloca num lugar privilegiado para entender as dinâmicas que têm levado o Brasil a regredir em termos de coberturas vacinais. A partir da análise dessas informações trazidas pelos pediatras, nossa intenção é propor novas estratégias de enfrentamento contra a desinformação e, consequentemente, a hesitação vacinal", completa Clóvis.
De acordo com a presidente do IQC, Natalia Pasternak, a hesitação vacinal no Brasil não pode ser entendida como uma tendência natural ou espontânea.
Essa recusa surge a partir da coordenação de movimentos antivacinas e é fruto de interesses financeiros, ideológicos ou políticos.
"A desinformação não é uma mentira ‘inocente’, mas pode ser combatida por meio de estratégias baseadas na ciência e no melhor conhecimento atual sobre o assunto", diz Natalia.
Os números da pesquisa também apontam que o medo de possíveis eventos adversos (19,76%) e a falta de confiança nas vacinas (19,27%) são atualmente os principais motivos que levam pais e responsáveis a negligenciar a vacinação de crianças e adolescentes.
Outras alegações comumente ouvidas em consultório são o "esquecimento" (17,98%); a falta de vacinas no serviço público (17,58%); e o preço das vacinas nos serviços privados (10,69%).
Muitas dúvidas e afirmações falsas baseadas em desinformação têm chegado até os pediatras.
Entre as principais, estão frases como "Minha filha não precisa da vacina para HPV, pois ainda não iniciou a vida sexual"; "Vacina para HPV pode gerar efeitos neurológicos graves"; e ainda "A doença por rotavírus é leve em crianças".
Segundo 81,29% dos pediatras entrevistados, a vacina contra a covid-19 é a que tem gerado maior apreensão nas famílias, seguida pelas vacinas contra o vírus influenza (6,7%) e a febre amarela (6,09%), doenças mais conhecidas pela população.
Os principais motivos alegados pelas famílias nos consultórios para preterirem a vacina contra o coronavírus são: "a vacina da covid-19 com tecnologia RNA pode trazer riscos à saúde das crianças" (18,09%); "não aceitar correr riscos, uma vez que imunizações podem causar doenças como miocardite e trombose" (16,58%); "as vacinas de RNA não são seguras no longo prazo" (13,07%); "crianças não têm covid grave" (12,84%); e "não conheço nenhuma criança que morreu de covid" (8,80%).
Na avaliação do pesquisador e coordenador do estudo, o professor de psicologia social da Universidade de Brasília (UnB) Ronaldo Pilati, colaborador do IQC, estudos como esse são de fundamental importância para a compreensão dos fatores sociais e comportamentais que estão por trás da hesitação vacinal.
"O emprego de técnicas científicas, neste tipo de levantamento, permite elaborar ações para combater este perverso movimento de questionamento da vacinação, por meio de ações para preparar os atores da saúde pública, bem como pela elaboração de políticas públicas baseadas em evidências para a promoção da vacinação populacional", afirmou.
"É preciso deixar claro que as vacinas são seguras! O péssimo hábito de compartilhar informações sem verificar a procedência da fonte tem levado as pessoas, inclusive parte dos profissionais de saúde, a conclusões equivocadas", ressalta o presidente do Departamento de Imunizações da SBP, Renato Kfouri.
"O movimento antivacina vem atuando há anos para descredibilizar a importância das imunizações em todo o mundo. Para reverter esse cenário, é fundamental restaurar a cultura brasileira da vacinação. É preciso trabalhar insistentemente na conscientização da população, com o auxílio do Estado e da sociedade civil organizada, passando inclusive pela atuação da própria comunidade científica", acrescenta Kfouri.