Em meio à discussão sobre a sobrecarga de trabalho dos policiais militares de Pernambuco, principalmente por causa dos plantões extras em dias de folga, a necessidade de um concurso público para diminuir o déficit histórico de profissionais de segurança está sendo discutido pela gestão da governadora Raquel Lyra.
Segundo dados da Lei de Acesso à Informação atualizados em julho do ano passado, havia 16.722 policiais militares na ativa no Estado. O número mínimo ideal seria de 27.672, ou seja, faltam cerca de 11 mil PMs nas ruas para garantir, de forma mais eficaz, a segurança da população.
O assunto já foi levado à mesa da governadora Raquel Lyra, que decidirá se autoriza ou não os concursos. Além de vagas para a Polícia Militar de Pernambuco, a promessa do governo anterior era de que editais para as polícias Civil e Científica e para o Corpo de Bombeiros Militar também seriam lançados no segundo semestre de 2022, mas isso não ocorreu.
Há déficit em todas as áreas da segurança pública de Pernambuco. Questionada pela Coluna Segurança, na última terça-feira, a secretária de Defesa Social, Carla Patrícia Cunha, confirmou que a governadora está ciente da necessidade dos concursos. E que uma decisão deve sair nos próximos 100 dias.
O governo Paulo Câmara chegou a anunciar os números de vagas que seriam abertas em cada corporação:
2.400 praças e 180 oficiais para a Polícia Militar;
400 praças para o Corpo de Bombeiros;
1.200 agentes da Polícia Civil;
300 escrivães;
50 peritos papiloscopistas;
47 delegados para Polícia Civil;
50 peritos criminais;
50 médicos legistas;
60 agentes de medicina legal;
4 agentes de perícia criminal para a polícia científica.
Como o martelo ainda não foi batido pela governadora Raquel Lyra, o número de vagas ainda poderá variar. O que se sabe é que são grandes as chances da gestão lançar editais até o final do semestre, visto a necessidade urgente de mais profissionais de segurança.
Ao mesmo tempo em que mais casos de policiais militares com problemas de saúde mental são revelados, a insatisfação nos batalhões de Pernambuco também cresce. PMs relatam uma rotina de pressão por metas, exigência de participação em plantões extras nos dias de folga e até ameaças de transferência para outras cidades.
Vários depoimentos, da capital ao interior, foram colhidos nas últimas semanas pela Coluna Segurança. E, em todos, os militares afirmam que estão esgotados de tantos dias consecutivos trabalhados e sem intervalo para descanso. Por causa disso, segundo eles, os casos de ansiedade, depressão e afastamentos para tratamento de saúde se multiplicam nos batalhões.
A pedido dos entrevistados, com medo de retaliações, seus nomes serão preservados.
"Estamos exaustos, desmotivados. O governo diz que os PJES (Programa de Jornada Extra de Segurança) é voluntário. Mas, na prática, somos obrigados a dar 10, 12 plantões extras por mês. A gente quer ter um fim de semana descansando com a família, com nossos filhos, mas somos surpreendidos com mais trabalho", conta um policial militar do Batalhão de Choque, cuja sede fica no Recife.
"Os comandantes só estão preocupados com metas, porque querem ser promovidos com merecimento. Mas a sobrecarga para o policial é muito grande. Se a gente se nega a fazer um plantão extra ou não atinge o resultado esperado, somos ameaçados de transferência para um batalhão mais distante da nossa casa. É por isso que há cada vez mais policiais doentes", disse o mesmo PM.
No interior, segundo os relatos dos policiais, a rotina de pressão é a mesma. No 9º Batalhão, que é responsável pela segurança de municípios como Garanhuns e São João (onde ocorreu uma chacina com cinco mortos na semana passada), no Agreste do Estado, a insatisfação é grande.
"Policiais estão sem gozo de folga em decorrência da Operação Pernambuco Seguro. Eles trabalham a pulso. Os policiais que não aceitam trabalhar no (plantão) extraordinário são ameaçados de transferência para outras unidades. Boa parte dos maus resultados do Batalhão é fruto dessa insatisfação", afirmou outro militar.
A Operação Pernambuco Seguro foi anunciada no dia 12 de janeiro, com a promessa de mais policiais militares nas ruas. Como há um déficit de mais de 10.950 profissionais na corporação, a alternativa foi o lançamento de mais plantões extras, aumentando a insatisfação da categoria.
Os policiais reforçam que, mesmo antes da operação criada pela gestão da governador Raquel Lyra, já havia um excesso de plantões extras na tentativa de garantir a segurança das ruas, em meio à falta de efetivo.
Para cada plantão, o PM recebe R$ 180 de diária.
Os policiais ouvidos pela coluna dizem que os recentes episódios envolvendo militares - ameaça a uma subcomandante do 16º Batalhão e o ataque a tiros contra PMs do 19º Batalhão, ambos com sedes na capital,- são consequência dos problemas mentais gerados pela sobrecarga de trabalho.
No dia 15 de janeiro, um tenente que estava de plantão no 16º Batalhão, no bairro de São José, informou ao seu superior que havia encontrado na parede do auditório a seguinte mensagem: "Cuidado Maj para não ser a próxima". O nome da major, que é subcomandante do batalhão, foi escrito na parede.
A suspeita é de que a mensagem tenha sido escrita por um policial militar lotado no batalhão, visto que o acesso ao imóvel é bastante restrito. O caso está sendo investigado.
Em 20 de dezembro de 2022, o soldado Guilherme Santana Ramos de Barros, de 27 anos, matou a esposa grávida no Cabo de Santo Agostinho e seguiu até o 19º Batalhão, onde atirou em colegas de farda.
Dois militares morreram (incluindo a subcomandante, major Aline Maria Lopes dos Prazeres Luna, 42) e outros dois ficaram feridos. O soldado teria tirado a própria vida em seguida.
Após mais de 40 dias, o inquérito policial militar que pretende esclarecer a motivação do ataque ainda está em aberto.
Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, sete policiais militares da ativa cometeram suicídio em Pernambuco em 2021. Já em 2020, foram quatro óbitos.
Na semana passada, o novo comandante-geral da Polícia Militar, coronel Tibério César dos Santos, esteve em uma reunião no Ministério Público de Pernambuco (MPPE) e o problema da saúde mental dos policiais foi abordado.
"O comandante da Polícia Militar externou essa preocupação, esse olhar especial que eles (governo) estão pretendendo ter com relação à questão da saúde mental dos policiais. Também há ciência da sobrecarga que existe. Muitos precisando é abusar, digamos assim, da jornada extra", disse a promotora de Justiça Helena Martins, coordenadora do Centro de Apoio Operacional de Defesa Social e Controle Externo da Atividade Policial.
"Há necessidade do comando ter esse controle de não possibilitar que esses policiais exaustos estejam nas ruas. O Ministério Público está querendo também, junto com a Promotoria da Saúde, estabelecer critérios e isso será através de um procedimento em conjunto", completou a promotora.
Em entrevista à coluna, no mês passado, o coronel Tibério César dos Santos disse que está em análise a contratação de mais psicólogos para atendimento ao efetivo policial.
"O objetivo é lutar para que cada batalhão tenha um psicólogo no seu quadro para dar prevenção, orientação e identificar possíveis comportamentos que precisam de atenção", explicou.
A PM de Pernambuco conta, atualmente, com pouco mais de 16 mil militares na ativa. Os profissionais estão divididos em 26 batalhões - sem contar as outras 14 unidades especializadas (a exemplo do Batalhão de Polícia de Radiopatrulha e Batalhão de Operações Especiais).
A corporação conta com centros de assistência nos municípios do Recife, Palmares, Caruaru, Petrolina e Serra Talhada.