COMBATE AOS CRIMES

Crise na segurança pública: o que fazer para reduzir a violência em Pernambuco?

Trocas de comandante da PM e da chefa da Polícia Civil no Estado ocorreram em meio ao aumento dos assassinatos no ano de 2023

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Raphael Guerra

Publicado em 23/01/2024 às 15:05 | Atualizado em 23/01/2024 às 15:43
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A mudança no comando geral da Polícia Militar e da chefia da Polícia Civil em Pernambuco, anunciada na segunda-feira (22), chega cercada de expectativas. Enquanto em uma breve nota o governo estadual destacou que as trocas vão ajudar o Estado a se tornar mais seguro, a sociedade segue preocupada com o avanço da criminalidade e o aumento no número de mortes violentas intencionais. 

Segundo a Secretaria de Defesa Social (SDS), 3.632 pessoas foram assassinadas no Estado no ano passado. O crescimento foi de 5,98% em relação a 2022, quando 3.427 vidas foram perdidas. O resultado vai na contramão da média nacional. O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) divulgou, no final de dezembro de 2023, que o País atingiu uma queda preliminar de cerca de 5% nos homicídios. 

Para especialistas ouvidos pelo JC, o aumento da violência em Pernambuco pode ser resultado de mudanças implementadas após o início da gestão Raquel Lyra. Ao mesmo tempo, é preciso um trabalho de integração, com o MJSP à frente, para compartilhamento de informações e estratégias entre os Estados, visto que Pernambuco não é o único a apresentar crescimento dos indicadores da criminalidade. 

AVALIAÇÃO

"Esse dado de aumento das mortes violentas intencionais em Pernambuco destoa do que acontece no Brasil, é preocupante e revela que algo vai mal na política de segurança. Talvez pela descontinuidade do modelo de gestão anterior, o Pacto pela Vida, que funcionava relativamente bem. Essa perda de modelo de governança acontece em vários Estados quando há uma mudança de governo", avaliou o sociólogo Luiz Flávio Sapori, um dos colaboradores na criação do Pacto pela Vida.

"Em curtíssimo prazo, para reduzir a violência, o Estado precisa aumentar a capacidade de apuração dos homicídios e diminuir o grau de impunidade. Isso é possível, por exemplo, fortalecendo as ações de inteligência para identificação dos grupos criminosos, que estão crescendo em todo o Nordeste", completou.

A diminuição do déficit de profissionais da segurança pública se torna ainda mais fundamental. Mais policiais militares precisam estar nas ruas, diminuindo a insegurança, e mais civis precisam estar à frente das investigações dos crimes. O trabalho do Judiciário, no julgamento de processos criminais travados, também merece olhar especial quando se fala em punição. 

O Juntos pela Segurança, lançado por Raquel Lyra em novembro de 2023, tem como meta uma queda de 30% nos índices de violência até o final de 2026, tendo como base os resultados de 2022

Quatro indicadores serão avaliados: mortes violentas, violência contra a mulher, crimes violentos patrimoniais e roubos e furtos de veículos. 

INTEGRAÇÃO NACIONAL

Para Sapori, o trabalho de integração do Ministério da Justiça e Segurança Pública com os Estados é fundamental no enfrentamento às organizações criminosas, por isso a nomeação do novo ministro, Ricardo Lewandowski (ex-integrante do Supremo Tribunal Federal), é vista com expectativa. 

"É preciso que o ministro coloque em prática o Susp, Sistema Único de Segurança Pública, que foi criado, mas ainda não foi implementado. Essa é a maneira mais prática de articular esforços entre o governo federal e os Estados para que haja uma colaboração mútua. O governo federal precisa criar forças-tarefas e realizar um trabalho intenso para desmontar as redes de tráfico internacional de cocaína", avaliou.

O pensamento é compartilhado pela cientista social e coordenadora executiva do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop), Edna Jatobá.

"O Sistema Único de Segurança Pública é fundamental para que o governo federal assuma um papel de liderança e, de maneira colaborativa, ajude os Estados a atuarem juntos, com cooperação, com compartilhamento os bancos de dados e reconhecimento de armas. Também cabe ao governo federal apoiar os Estados nos projetos de segurança", pontuou.

Edna Jatobá, que integra o Conselho Estadual de Segurança Pública, reforçou que os municípios também têm papel no combate aos crimes. "O papel é preponderante na prevenção primária, no cuidado com os territórios."

"TROCA DE COMANDANTES NÃO FOI ESCLARECIDA"

Gabriel Ferreira/JC Imagem e Bruno Campos / Acervo JC Imagem
Simone Aguiar e Tibério César Santos estavam à frente da Polícia Civil e Polícia Militar, respectivamente, desde janeiro de 2023 - Gabriel Ferreira/JC Imagem e Bruno Campos / Acervo JC Imagem

Ao JC, Edna Jatobá afirmou que faltou ao governo de Pernambuco apresentar esclarecimentos sobre a mudança no comando da Polícia Militar e na chefia da Polícia Civil.

"A troca de comandantes não foi esclarecida. É preciso que o governo informe se essa alteração está vinculada ao novo modelo de segurança para que a sociedade entenda a troca. O novo plano (Juntos pela Segurança) foi submetido á sociedade tardiamente. Ao mesmo tempo, a violência letal cresceu quase 6% em 2023. Precisamos entender quem vai monitorar e executar o plano que está sendo colocado em prática", disse. 

O coronel Tibério César dos Santos foi substituído por Ivanildo Cesar Torres no comando da PM. Já a delegada delegada Simone Aguiar foi trocada pelo também delegado Renato Márcio Rocha Leite. Os ex-titulares das polícias estavam no cargo desde janeiro de 2023, quando Raquel Lyra assumiu o Executivo Estadual. 

Os novos nomes foram sugeridos à governadora pelo secretário de Defesa Social, Alessandro Carvalho, à frente da pasta desde setembro, quando a delegada federal Carla Patrícia Cunha foi exonerada

BASTIDORES DA QUEDA

Em relação à saída de Simone Aguiar da chefia da Polícia Civil, as informações de bastidores são de que, apesar da boa relação, o secretário de Defesa Social preferiu um delegado que tivesse mais proximidade com ele.

Já em relação à Polícia Militar, além dos índices elevados de violência, pesou contra Tibério César dos Santos o aumento das mortes por intervenções policiais e a falta de liderança para cobrar dos comandantes de batalhões a redução dos casos. 

Em 2023, foram somados 120 óbitos, um crescimento de 30,43% em relação a 2022, quando 92 pessoas foram mortas.

O caso mais chocante aconteceu no começo de setembro, quando dois PMs foram mortos no bairro de Tabatinga, em Camaragibe, no Grande Recife. Logo após os óbitos, cinco familiares do suspeito de atirar os militares foram executados. 

Na manhã do dia seguinte, o suspeito também foi morto a tiros. O caso está sob investigação na Polícia Civil e no Ministério Público. Em dezembro, cinco PMs foram presos por suspeita de participação na chacina, outros sete foram afastados das funções que exerciam - incluindo o comandante do batalhão da área. 

Em 20 de novembro de 2023, uma ação de policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) resultou nas mortes de dois homens em uma casa na na comunidade do Detran, na Iputinga, Zona Oeste do Recife.

Imagens de câmeras de segurança indicaram que os PMs invadiram o imóvel e atiraram contra as vítimas, que não teriam reagido. Os militares acabaram autuados em flagrante e seguem sob investigação. 

CÂMERAS CORPORAIS

"O governo federal precisa ser vigilante na implementação das câmeras corporais nos policiais em serviço para garantia dos direitos humanos. Isso precisa estar muito alinhado com os Estados para garantir que aconteça uma redução da letalidade nas intervenções policiais", citou Edna Jatobá. 

Em Pernambuco, apenas 187 câmeras foram adquiridas e seguem em fase de testes no 17º Batalhão (Paulista e Abreu e Lima). O efetivo atual da PM é de cerca de 16 mil profissionais. 

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