Nem mesmo as provas robustas colhidas pela Polícia Civil e pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE) nas investigações da chacina de Camaragibe, no Grande Recife, foram suficientes para a cúpula da Secretaria de Defesa Social (SDS) decidir pelo afastamento do tenente-coronel Fábio Roberto Rufino da Silva das atividades. Réu por triplo homicídio duplamente qualificado, ele segue no comando do 12º Batalhão da Polícia Militar, com sede no bairro da Várzea, Zona Oeste do Recife.
Documentos obtidos pelo JC, que fazem parte do primeiro processo do caso, apontam que o nome do tenente-coronel já circulava na lista de investigados pelo Grupo de Operações Especiais (GOE), da Polícia Civil, nas semanas seguintes aos crimes, ocorridos em 14 e 15 de setembro de 2023.
Mesmo assim, o tenente-coronel foi mantido no comando do 20º Batalhão, em Camaragibe. Em dezembro do mesmo ano, a pedido do MPPE, a Justiça decidiu que ele deveria ser afastado do cargo para não atrapalhar as investigações. Na ocasião, inclusive, outros cinco policiais, de outras patentes, foram presos. O então comandante geral da PMPE, Tibério César dos Santos, no entanto, apenas trocou Rufino para o 12º Batalhão.
TENENTES-CORONÉIS NO COMANDO
As investigações conduzidas pelo MPPE e pelo GOE identificaram que Fábio Roberto Rufino teve papel de destaque no comando da sequência de assassinatos ocorridos após as mortes de dois PMs em Camaragibe, na noite de 14 de setembro. Ele e o também tenente-coronel Marcos Túlio Gonçalves Martins Pacheco, que ocupava o segundo posto de comando da inteligência da PM, teriam acionado vários PMs para dar início à perseguição do suspeito, Alex da Silva Barbosa, e de familiares dele.
O relatório da investigação do MPPE aponta que os tenentes-coronéis "participaram intensamente das trocas de mensagens entre os policiais, em que eram passadas informações a respeito dos familiares de Alex, bem como dele próprio". Diz ainda que "em nenhum momento, antes ou depois dos bárbaros homicídios praticados, os denunciados Marcos Túlio e Fábio Rufino expressaram desacordo ou contrariedade com as ilegalidades praticadas durante a preparação das execuções".
"Em verdade, tinham plena consciência do que estava acontecendo. E mais, após os crimes, o que se viu foram ações tendentes ao acobertamento dos delitos ou proteção aos executores", pontua o MPPE, que destacou que a quebra de sigilo telefônico e telemático foram fundamentais no esclarecimento dos fatos.
POLICIAIS VIRARAM RÉUS
Na última quinta-feira (7), a Justiça aceitou a primeira denúncia do MPPE contra 12 PMs, incluindo três oficiais. O grupo se tornou réu pelo crime de triplo homicídio duplamente qualificado (motivo torpe e sem chance de defesa das vítimas).
O processo é referente aos assassinatos de três irmãos de Alex: identificados como Ágata Ayanne da Silva, 30, Amerson Juliano da Silva e Apuynã Lucas da Silva, ambos de 25. Ágata chegou a transmitir ao vivo, por meio do Instagram, o crime. Ela e Amerson morreram na hora. Apuynã faleceu após ser socorrido e encaminhado para o Hospital da Restauração, no Recife.
A 1ª Vara Criminal da Comarca de Camaragibe expediu intimações para todos eles, para que ofereçam defesa por escrito. Após o prazo, será feito o agendamento da primeira audiência de instrução do processo.
Além dos dois tenentes-coronéis citados na reportagem, também viraram réus:
João Thiago Aureliano Pedrosa Soares, 1º tenente;
Paulo Henrique Ferreira Dias, soldado;
Leilane Barbosa Albuquerque, soldado;
Emanuel de Souza Rocha Júnior, soldado;
Dorival Alves Cabral Filho, cabo;
Fábio Júnior de Oliveira Borba, cabo;
Diego Galdino Gomes, soldado;
Janecleia Izabel Barbosa da Silva, cabo;
Eduardo de Araújo Silva, 2º sargento;
Cesar Augusto da Silva Roseno, 3º sargento.
Cinco desses policiais estão presos preventivamente: Paulo Henrique, Dorival Alves, Leilane Barbosa, Emanuel e Fábio Júnior. Os outros foram afastados dos cargos que ocupavam na época do crime, mas seguem trabalhando na PM.
Em nota, na última sexta-feira (8), a assessoria da SDS argumentou que aguarda a notificação da Justiça sobre o processo para que todos os envolvidos sejam afastados.
As defesas dos réus ainda não se pronunciaram sobre a denúncia do MPPE.
INVESTIGAÇÕES EM ANDAMENTO
O MPPE e a Polícia Civil seguem investigando o caso, porque Alex e outros familiares também foram assassinados.
Por volta das 9h de 15 de setembro, os corpos da mãe de Alex, Maria José Pereira da Silva, e da esposa dele, Maria Nathalia Campelo do Nascimento, 27, foram achados num canavial na cidade de Paudalho, Mata Norte do Estado.
Duas horas depois, Alex foi morto em Tabatinga. A PM alegou que houve uma abordagem e que ele teria reagido, resultando na troca de tiros.
A Polícia Civil e o MPPE também precisam esclarecer como foi a dinâmica das mortes dos PMs. Havia uma suspeita de que Alex poderia ter contado com ajuda de outra pessoa.
Não há prazo para conclusão das investigações e para o envio de novas denúncias à Justiça.
CORREGEDORIA DA SDS
Além das investigações criminais, os 12 réus no processo respondem a processos administrativos disciplinares na Corregedoria da SDS. Mas ainda não há prazo para conclusão dessas análises. O assunto, inclusive, é mantido com total sigilo.