Um latido alto e intimidador com um tom de desafio. É isto que se tem a impressão de escutar quando se avista os imponentes 520 metros de altura da Pedra do Cachorro, localizada em São Caetano, no Agreste, a 153 quilômetros da capital. A altitude de 1.146 metros acima do nível do mar a coloca como um dos picos mais elevados de Pernambuco. Já o relevo e a vegetação fazem da trilha até o seu topo uma das mais difíceis e recompensadoras do Estado.
O formato dá a impressão de um cachorro gigante de pedra que se levanta em meio à densa caatinga. O homem, por sua vez, tenta adestrá-lo em uma grande aventura que envolve trekking, escalaminhada, rapel e camping. Um "desafio do cão", como brincam. Afinal, são quase 5 horas de trilha pesada de nível 5 (máximo) em um percurso cheio de obstáculos naturais de 2,5 quilômetros. As temperaturas variam de 35 graus em média durante o dia ao longo da caminhada até uns 15 graus à noite no topo da monte, com sensação térmica ainda menor devido aos fortes ventos e neblina. E aí você atenderia ao chamado deste cachorro? O JC aceitou o convite da Vértice Aventura e foi lá "domesticar" este animal que desperta ao mesmo tempo tanto amor e medo.
A agência de esportes de aventura promove mensalmente há quatro anos trilhas com camping na Pedra do Cachorro que fica em uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), unidade de conservação protegida pela Agência Estadual de Meio Ambiente desde 2002. Ou seja, para explorar a área, a empresa (e qualquer pessoa) entra em contato e pede autorização para o proprietário dela, Guaraci Cardoso. Natural do Pará, o militar veio fazer um passeio no lugar e se apaixonou. Ao saber que na época, há mais de 20 anos, a área estava à venda resolveu adquirí-la e transformá-la em um centro de preservação ambiental.
"A Pedra do Cachorro atrai pelo turismo de aventura, de contemplação e o pedagógico, recebemos aqui diversas escolas. Mas eu decidi agregar também o de pesquisa científica para que a caatinga tenha o devido reconhecimento. Trabalhamos com universidades de todo o Brasil e tivemos pesquisas publicadas em revistas internacionais. A Pedra do Cachorro foi eleita o primeiro Monumento Natural de Pernambuco e já ganhou dois Prêmios Vasconcelos Sobrinho da Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH). Por isso que nós pedimos para quem vier aqui nos ajudar a preservar, este é a principal lição que queremos deixar", afirmou Guaraci.
Voltando ao desafio da trilha, ele começa dias antes da viagem em si. Sim, o primeiro é organizar a mochila. É preciso levar somente o essencial para não pesar muito ao longo do (igualmente longo) caminho. Basicamente, além da barraca, poucas roupas, alimentos e garrafas d’água. Depois é só fechar a mochila e se abrir para a aventura que começa cedinho. Por volta das 7 horas, o ônibus deixa o Recife e umas 11 horas chega no ponto de apoio próximo à Pedra do Cachorro. Pra amaciar os pés é feita uma caminhada de meia hora até a casa base da propriedade, localizada próxima ao pé formação rochosa. Hora de fazer um lanche leve para encarar o desafio de verdade.
A “trilha do cão” tem início por volta das 12h30 com uma subida em uma região de mata bem fechada. Você literalmente adentra a caatinga. Claro que há algumas pausas neste imersão para descansar as pernas.
Depois é alcançada a base da montanha, onde é feita a escalaminhada (mistura de escalada com caminhada) com o auxílio de cordas. Quando a tarde vai chegando ao fim é que se chega na tão falada fenda, o último e mais difícil estágio para se atingir o cume.
Trata-se de uma passagem bem estreita na pedra na qual você sobe se imprensando agarrado a uma corda. Tanto esforço é recompensado quando finalmente é dada a primeira pisada no topo, iluminada pelos raios alaranjados do crepúsculo, com um visual único do Agreste do Estado.
"Chegar finalmente aqui no topo é uma sensação incrível de 'eu consegui', um alívio misturado com deslumbramento, vendo este pôr-do-sol inesquecível. Faz também refletir sobre a vida, sabe, como vale a pena enfrentar medos e dificuldades pra chegar onde a gente quer. Foi muito bom, estou muito feliz!" afirmou a educadora financeira Taysa Lima, deixando claro sua exaustão e admiração.
O instrutor da Vértice, Miguel Angelo da Silva, ressalta justamente esses dois pontos. "Antes nós deixamos claro que se trata de uma trilha nível 5, ou seja máximo, e que é preciso estar com o condicionamento físico em dia. Mas isso não significa que precisa ser atleta. Pessoas de todas as idades e portes físicos vem com a gente. É uma aventura que vale muito a pena e fica marcada na memória", explicou Miguel.
A experiência única continua com o levantamento do acampamento. Ao anoitecer as barracas já estão armadas umas perto das outras. O frio vai chegando e junto com ele a fome. Momento da janta feita na cozinha improvisada, com mini botijão de gás. Cada um leva seu próprio cardápio que costuma ser do tipo instantâneo, com macarrão e sopas, além de barras de cereais e frutas. O café vai bem pra aquecer. A roda de conversa e música também ajudam a movimentar a noite um pouco gelada por conta dos ventos. A dormida pode não ser das mais confortáveis, mas a retribuição vem no outro dia.
De repente, bem cedinho, o escuro da barraca é invadido por um feixe de luz intenso da alvorada. Quando se abre a barraca a impressão é de se estar emoldurando um quadro. O sol surge imponente por cima das nuvens e montanhas. Um cenário tão difícil de descrever que é melhor apenas sentar, admirar e agradecer. Uma paisagem digna de janela de avião só que estando com os pés no chão.
A policial militar Thayanny Costa tentou traduzir em palavras. "Os primeiros raios de sol são bençãos de Deus para começar mais um dia e ver esse espetáculo no topo foi algo realmente divino. Eu escalei a pedra para superar meus medos e limites e sabia que a vista valeria a pena, mas superou todas minhas expectativas. Acordar com aquela visão faz você esquecer do frio e qualquer problema. É algo magnífico!", descreveu a PM.
Mas ainda tem aventura sim. Por volta das 9h, depois do café da manhã, para cortar parte do trajeto de retorno é feito um pequeno rapel em que a pessoa desce sozinha, sem instrutor ao lado. Depois é fazer todo o caminho de volta no meio da caatinga até chegar mais ou menos ao meio dia no ponto de apoio, onde os veículos foram deixados. Antes de embarcar, uma nova olhada para a rocha gigante e agora distante: “Pedra do Cachorro, nós te domesticamos!”.