Entenda por que a desistência de Simone Biles nas Olimpíadas é um alerta de ouro
Decisão de abandonar disputa de medalhas chama atenção para saúde mental dos esporte de alto rendimento
Esporte é terapia pra muita gente. Pessoas como eu e você que praticam alguma atividade física para manter o corpo saudável e a cabeça cheia de endorfina. Mas a desistência da ginasta norte-americana Simone Biles em disputar as finais nos Jogos Olímpicos de Tóquio escancara o fato de que atletas de alto nível, como aqueles que disputam uma Olimpíada, vivem sob muita pressão. "Tenho que fazer o que é bom para mim e me concentrar na minha saúde mental", disse a atleta que estava destinada a brilhar nesta edição.
Ao abrir mão de disputar medalhas - que provavelmente ganharia, ainda que não fosse a de ouro - Biles lançou luz em debate que vem sendo negligenciado há anos. Por muito tempo, os atletas de alto nível guardaram suas angústias para si, revelando-as somente quando suas carreiras terminavam, como aconteceu, por exemplo, com o nadador recordista de medalhas em Olímpicas, o norte-americano Michael Phelps.
"A atitude da Simone Biles tem que ser valorizada, reconhecida e respeitada. Não é mais um sinal amarelo, é um sinal vermelho. O esporte de alto rendimento traz exigências que não são simples, que mexem com autoimagem, autoconceito, autoestima", analisa o psicólogo pós-doutor em Ciências do Esporte, João Ricardo Cozac.
Níveis muito elevados de expectativa e cobrança por bons resultados, como é o que ocorre em competições de nível internacional, são um terreno fértil para o aparecimento de ansiedade, depressão e outros transtornos mentais. Por isso, defendem, especialistas, a saúde mental do atleta teve ser tão trabalhada quanto as técnicas e táticas de cada esporte.
"O atleta que treina e compete não se separa do seu histórico social, do seu desenvolvimento emocional. Tudo isso entra nas quadras, nos ginásios, nas piscinas, nos campos. O peso da fama, das expectativas é que ase insuportável para alguns atletas", alerta João Cozac.
A ex-nadadora pernambucana Joanna Maranhão, que por muitos anos esteve na elite da natação brasileira, e participou de quatro Olimpíadas, pondera que a decisão de Simone Biles nos lembra que atletas de alto nível, apesar de parecem imbatíveis, são humanos e sentem dores e angústias. "Aletas de alto rendimento estão falando de sua saúde mental há muito tempo, mas de fato não estamos dando atenção a isso, mas quando é uma pessoa como Simone Biles, num palco como as Olimpíadas, isso chama mais atenção", pondera Joanna.
Assim como Cozac, a pernambucana reforça a necessidade de um forte acompanhamento psicológico dos atletas pois são todos humanos que precisam lidar com pressões e frustrações. Apesar de muitas vezes parecerem imbatíveis, os esportistas precisam saber lidar com a felicidade da vitória, mas também a frustração da derrota, além da própria autocobrança por resultados cada vez melhores.
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"Tá todo mundo falando muito da pressão por resultados e focado na performance. Mas talvez essa história não comece agora. A gente esquece um pouco que são humanos, a Simone também foi vítima do Larry Nassar (osteopata da equipe nacional de ginástica dos EUA condenado por molestar as atletas). Então só ela pode dizer pelo que está passando", decreta Joanna Maranhão ao lembrar de um dos maiores escândalos da ginástica dos EUA e que começou a ser descoberta na época dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016.
Para a psicoterapeuta Ana Lúcia Rique, que já atendeu atletas da natação e do hipismo, Simone Biles se mostrou muito forte e teve uma atitude digna de uma medalha de ouro ao priorizar sua saúde mental. "É preciso saber que em tudo há limites. Isso envolve a pressão e o estresse, mas também a busca do equilíbrio. Uma decisão desta, em que a pessoa se coloca em primeiro lugar é louvável, mas com certeza foi muito pensada e amadurecida", pontua Ana Lúcia.
ALÉM DA PRESSÃO
Quando buscou se justificar pela desistência de participar das finais na ginástica, estrela americana Simone Biles citou o fenômeno da perda de noção de espaço ("twisies"). Essa perda de referências no ar, conhecida principalmente pelos ginastas de trampolim, pode ser reforçada ou ocasionada pelo estresse e principalmente colocar o atleta em perigo.
Este fenômeno de perda de controle do corpo e da noção de espaço é "complexo", explica um técnico francês à AFP, e é difícil de resolver. Pode ser "reforçado pela pressão". A ginasta vítima desse fenômeno é "absorvida pelo medo de se perder" e, posteriormente, de se ferir gravemente.
Pressão, estresse e ansiedade podem favorecer o surgimento desses "twisties". Simone Biles, que conquistou cinco medalhas olímpicas no Rio, falou da pressão que sofre há meses, o ano do confinamento, o adiamento dos Jogos, fatores que a abalaram muito no início.
Por isso, a psicoterapeuta Ana Lúcia Rique reforma que mesmo sem competir, Biles deixou um importante legado para o esporte: "Imagine que tem todo um contexto envolvido nessa desistência vai ser questionado, mas diante disso tudo é precioso saber que se você está bem. Se está feliz em praticar esse esporte, em participar dessa competição. É preciso deixar de fazer o que esperam de você e focar no que te deixa feliz."
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