Letícia Novaes respeita muito suas lágrimas e está pronta para cantá-las no disco Letrux Aos Prantos, lançado hoje nas plataformas digitais. A cantora e compositora entende a importância de se deixar afetar pelas emoções – positivas, negativas e difusas – para amadurecer e seguir em frente. O trabalho soa como um convite para mergulhar nas águas (às vezes turvas, em outras cristalinas) da psique, uma espécie de introspecção natural após a intensidade e as noias que marcaram o aclamado Letrux em Noite de Climão (2017).
Havia algo de estranho no Brasil quando o primeiro disco solo de Letícia foi lançado (ela já havia gravado três como parte do duo Letuce). Era um momento pós-impeachment, pré-eleições e nada parecia claro, exceto a sensação de que o que viria não seria fácil. Poucas obras capturaram tão bem essa tensão quanto o álbum da carioca. Agora, é como se o ovo da serpente tivesse chocado e já não é mais possível desviar o olhar. A artista provoca seus ouvintes a se sensibilizarem, a encarar o que os cerca e o que está dentro de nós para não ceder ao cinismo.
“Escrevi Eu Estou aos Prantos em 2018, ainda durante a turnê do Climão, mas tenho muita noção de tempo e achei melhor guardar. Fiz várias músicas e guardei no baú das emoções (risos). Em algum momento, vi que estava me repetindo em temas lacrimejantes. Sou uma pessoa que estou na festa, no bar, mas que também gosta de ir embora, de ir para casa, de chorar e sonhar”, conta. “Chorei muito em 2018, ano da eleição. Eu já sou chorona, mas naquele ano eu desaguei. Foi muito complicado para mim, para o Brasil inteiro (...) Eu precisava acabar o Climão para chorar.”
Não foram só as águas salgadas das lágrimas que inspiraram a nova obra. O mar é outro elemento essencial no trabalho e na vida de Letícia, que afirma precisar do oceano como também necessita de análise. A água como símbolo das emoções permeia Letrux Aos Prantos. Muitos fluidos se misturam e potencializam a poética assertiva de Letícia, permeada por uma revigorante curiosidade por si e pelo outro.
Ressaltar a importância de abraçar as emoções, por mais complexas e assustadoras que elas sejam, parece particularmente sintomático em um momento em que a arte, as humanidades e a sensibilidade estão sob ataque. Aos detratores do choro (a artista foi alvo de críticas após contar que se emocionava com música clássica quando criança), ela recomenda mais empatia, sensibilidade e amor próprio.
“As pessoas têm essa idealização da perfeição, mas quem me curte já percebeu que não sou essa pessoa. No meu DVD até falo para me chamarem de analisada, de pessoa que vai ao terreiro e faz mapa astral todo ano, mas não me chame de perfeita, porque eu não sou. Ninguém é. Acho que toda essa onda de sacanear o outro vem de pessoas que, coitadas, se acham demais. E quem se acha muito não chega a lugar algum”, enfatiza. “O disco deixa mais do que claro que lido com as minhas emoções, ao passo em que as pessoas vão ficando cínicas. Eu não fiquei cínica com o tempo; fiquei cada vez mais espiritualizada.”
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Essa filosofia está explícita em várias faixas do álbum, mas parece certeira em Vai Brotar, na qual ela afirma que quem não chora não cresce nem consegue ir embora.
O novo álbum dialoga em muitos aspectos com seu antecessor em termos de sonoridade e das composições cheias da personalidade de Letícia. Entre as diferenças entre o processo de feitura dos discos está o fato de Letrux Aos Prantos ter sido selecionado pelo edital Natura Musical, o que possibilitou maior tranquilidade na produção, mais tempo e recursos sonoros para fazer “o disco dos sonhos”. Para viabilizar Letrux em Noite de Climão, a artista contou com o apoio dos fãs através de financiamento coletivo.
“As coisas são sequências e consequências. Somos os mesmos. Eu me acho a mesma pessoa desde que tenho cinco anos, só cresceu pentelho e trauma. A banda é a mesma, o disco foi novamente produzido pelo Arthur (Braganti) e pela Natália (Carrera), então é uma evolução daquele processo que a gente já desenvolvia junto”, pontua.
Esse amadurecimento se faz explícito no esmero das canções, construídas com mais nuances e simbioses com o electro, samba, synthpop, pop latino e outros ritmos. O olhar cronista de Letícia consegue extrair poesia de situações banais, como fazer compras no supermercado e voltar com um “chocolatinho” para quem se ama (Cuidado Paixão); ou ainda a potência das coincidências, que são um lembrete que a vida pode ser mais do que a filosofia cartesiana propõe. (Salve Poseidon).
“Este é um disco realmente para emocionar as pessoas. Fiz em um estado de emoção muito sincera e mesmo quando ele é mais dançante, mais engraçado, é de um lugar de emoção, espero que as pessoas ouçam emocionadas”, afirma. “Ser artista hoje em dia é acima de tudo ter uma sabedoria da resistência, porque não está fácil. Mas, se eu fizer outra coisa eu acho que eu morro. Se para fazer isso (arte) é preciso ter essa força, ter meus métodos de criatividade, rebolar, vou fazer dar certo.”
No final deste mês, Letícia e sua banda farão os primeiros shows de Aos Prantos, em São Paulo e no Rio. A turnê deve rodar o País em breve e Pernambuco com certeza estará na rota, segundo ela adiantou, sem, no entanto, confirmar datas.
Ainda para este ano, ela, que já escreveu Zaralha: Abri Minha Pasta (2015), pretende lançar seu segundo livro de poesias, cujo título provisório é Tudo Que Eu Já Nadei.