Vida e obra de Gilberto Freyre continuam repercutindo 120 anos após o nascimento do sociólogo e escritor

O aspecto que une os defensores e críticos da obra de Gilberto Freyre foi seu pioneirismo ao jogar luz sobre os aspectos prosaicos do dia a dia, analisando as relações sociais a partir daí
Valentine Herold
Publicado em 14/03/2020 às 0:00
Gilberto Freyre, em frente à casa em Apipucos, onde morou por 43 anos Foto: ACERVO JORNAL DO COMMERCIO


Há exatos 120 anos, neste 15 de março, nascia o pernambucano Gilberto de Mello Freyre. Sociólogo, antropólogo, ensaísta e poeta, ele foi autor de uma obra extensa, densa e por muitas vezes polêmica, tanto em seu tempo, ao promover a imagem do Brasil como uma democracia racial, como nos dias atuais, em que seus conceitos são amplamente questionados. É justamente entre pontos e contrapontos, defesas e refutações, que se concebe a ideia de um autor clássico, cuja obra precisa ser lida, contextualizada mas também criticada ainda décadas após sua morte. A pergunta que ressoa então nesta efeméride, quase 90 anos após a publicação original de seu livro mais famoso, Casa Grande e Senzala (1933), é ao redor do porquê continuar lendo Freyre.

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Qual a atualidade de seus escritos? Como é possível interpretar o Brasil que ele tanto se empenhou em analisar em pleno 2020? Se existe, entretanto, um aspecto da obra freyriana que converge entre os defensores e críticos de Gilberto Freyre foi seu pioneirismo em jogar luz para as pequenezas do dia a dia – como a gastronomia ou as relações amorosas e sexuais – e analisar as relações sociais a partir delas. Assim como seu afastamento dos padrões de textos puramente acadêmicos, permitindo-se uma escrita mais ensaística e literária.

Quem se depara com a lista de 80 livros publicados em vida pelo pensador recifense não imagina que o aprendizado da leitura e da escrita veio de forma tardia. Durante os primeiros anos de sua infância, passados entre a capital pernambucana e idas ao engenho da família, seu senso artístico foi bastante estimulado, ele passava horas desenhando e pintando. Somente com oito anos ele aprende a ler e escrever, atividades que, já na adolescência, incorporaria ao seu cotidiano de maneira religiosa e assim continuaria para o resto de sua vida.

Aos 18 anos, o jovem Gilberto viaja para os Estados Unidos com o intuito de estudar artes, ciências políticas e sociais na Universidade de Columbia e é neste momento que ele de fato começa a se debruçar sobre questões da sociedade brasileira, a partir de sua dissertação Vida Social no Brasil nos Meados do Século XIX.

Com a volta ao Brasil em 1923, ele passa a revelar um olhar mais atento sobre o Recife, como é possível perceber a partir de trechos de seus diários. “Vejo agora o Capibaribe com olhos de homem e a impressão que me dá repito que é, ainda, a da mais tremenda realidade recifense. Também alguns dos velhos sobrados azuis, encarnados, verdes, amarelos, do Recife de meu tempo de menino (...) Continuam profundos e misteriosos”, escreveu.

Em 1930, ele precisa partir para o exílio após a tomada de poder por Getúlio Vargas. Se instala primeiro em Portugal para, pouco tempo depois, seguir como professor convidado em Stanford, na Califórnia. Mas Pernambuco nunca saía de seus pensamentos. “Sou um incompleto em qualquer parte, dolorosamente incompleto: prefiro ser incompleto na minha terra (...) Hei de recompor minha vida em Pernambuco (...)”, confessou.

Esta volta viria a acontecer rápido, em 1931, e ele logo tratou de trabalhar em seus estudos e livros. Em 1940 se casa com Magdalena Guedes Pereira, com quem tem dois filhos, Fernando e Sônia, e permanece casado até sua morte, em 18 de julho de 1987, em decorrência de uma isquemia cerebral, por infecção respiratória e insuficiência renal.

É impossível – e seria até injusto – tentar resumir a obra e a vida de Freyre em apenas algumas laudas. Muito além de sua atividade de escritor, ele foi uma importante figura diplomática, entusiasta da culinária brasileira, tinha como hobby pintar quadros e ousou a escrever em versos. Primo de João Cabral de Melo Neto, grande amigo de José Lins do Rêgo e Manuel Bandeira, Gilberto Freyre também passou pela política brasileira ao se eleger deputado federal em 1946.

Seu legado também se estende através da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), instituição que fundou no final da década de 40 e da própria Fundação Gilberto Freyre. Em 1983, durante sua festa de aniversário, o sociólogo deu uma rápida porém histórica entrevista ao jornalista Geneton Moraes Neto em que, após ser perguntado diversas vezes, se denominou não só como gênio, mas como o único gênio brasileiro de sua contemporaneidade. Polêmico até o fim.

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