Assim se autodefinia Ricardo Brennand: “Considero-me unicamente um construtor de fábricas, um obcecado industrial, durante toda minha vida”. Com todo respeito, uma definição modesta. Ele foi além, muito além da saga da inovação empreendedora, assumindo todos os riscos inerentes a uma região pobre de país periférico no contexto internacional.
Nele, a acuidade do homem de negócios bem-sucedido foi largamente ultrapassada para dar lugar à força transformadora do visionário que assegurava a perenidade das realizações. Vem, daí, o espírito inquieto, o combustível da emoção que o empurrava em longas e desafiadoras caminhadas.
O que ilumina espíritos inquietos? Mistério. Não há resposta simples. Existem sintomas comuns aos arrojados projetos. O inovador Brennand percebia a direção da inovações tecnológicas; associava as vantagens competitivas da qualidade dos processos produtivos ao mais precioso dos fatores: a excelência do capital humano; não arredava o pé da responsabilidade social dos empreendimentos, assim compreendida pelo aprimoramento da educação e da cultura e, atualmente, acrescida pela estratégica questão ambiental, fatores constitutivos de ética intergeracional do século XXI.
A cada realização, integrava dois elementos indissociáveis: a função educacional do patrimônio cultural da nossa terra, associado ao belo, arraigado sentimento de Ricardo Brennand que dele fez um autêntico esteta, para quem “o belo é o que agrada a vista” e o sopro vital do nosso mundo interior.
Cosmopolita, enxergava o mundo abraçado às telúricas raízes de São João das Várzea, a origem de Ricardo, cujo visgo do massapê alimentou a civilização do açúcar, e imortalizou filhos a exemplo de Joaquim Nabuco, João Cabral, Cicero Dias, Francisco e, agora, Ricardo Brennand.
De fato, se o começo do mundo é o Recife “a cinta de pedra inculta e viva [...] Onde quebra Netuno a fúria esquiva”, ao fim do percurso nascente/poente está a Várzea do Capibaribe “com terrra e cana da boa e da melhor”, destino de Ricardo, hoje, dizendo ao mundo que o patrimônio cultural legado não morre nunca.
Este é um artigo indesejável, mas uma catarse incontida. Tinha com Dr. Ricardo e a família uma relação de carinho, admiração e respeito. Ele com nobreza de corpo e alma, só me tratava como “Governador”. Encabulado, ponderei, “me chame de Gustavo” e não me atendeu. Pois bem, disse, vou chámá-lo de “Doutor”. “Você pode chamar como quiser mas ou continuar a tratá-lo assim”.
Hoje, todos choram e a Várzea é um vale de lágrimas.