Filmes para você abraçar a solidão durante a quarentena

Planos longos e estáticos, espaços vazios e tramas que mergulham na solidão dos seus personagens. Confira uma lista de obras que lidam com o isolamento social frontalmente
João Rêgo
Publicado em 07/05/2020 às 17:40
Em 'O Buraco' (1998), de Tsai Ming-Liang, misteriosa doença faz pessoas procurarem lugares escuros e rastejarem no chão Foto: Reprodução


Parece que já se passaram dez anos desde que Parasita fez história no Oscar. A internet celebrava uma quebra de paradigmas e enxergava o futuro com mais espaço para narrativas à margem sendo projetadas nos cinemas daqui.

Bastou um mês para que tudo isso caísse por água abaixo. A pandemia do coronavírus chegou, os cinemas fecharam, e agora estamos todos trancafiados em casa consumindo duas ou três “produções originais Netflix” por dia.

Durante a quarentena, as lives de música podem até levantar o astral, mas não há sensação mais revigorante do que encarar os créditos finais depois de um filme com aquele desfecho perfeito.

Leia também: Em tempos de quarentena, conheça filmes que refletem sobre o trabalho

Leia também: Documentário recupera gravações policiais usadas para denunciar homens que faziam sexo em banheiros públicos

A vitória do herói, a reviravolta mirabolante, o plano que deu certo ou o reencontro do casal. O esboço de um sorriso após uma boa resolução dramática parece ser o antídoto perfeito contra as ansiedades e medos do isolamento social. Pelo menos para alguns.

Abraçar a solidão, a rotina restrita e o tempo parado também podem ser outras saídas. No cinema não faltam opções de filmes que contemplem ambos os lados.

Planos longos e estáticos, espaços vazios e tramas contemplativas que não saem do lugar. Confira algumas obras que lidam com o isolamento social para assistir durante a quarentena:

O Buraco (1998)

Quando o assunto é isolamento social poucos conseguiram representa-lo tão bem quanto o malaio Tsai Ming-liang. Um dos principais nomes do slow cinema – planos estáticos com alta duração –, o cineasta construiu toda uma obra galgada na introspecção, niilismo, repressão e solidão.

Seja quando está lidando com espaços – em Adeus, Dragon Inn (2002) filma um grande cinema vazio durante seu último dia de funcionamento –, seja quando está lidando com pessoas.

Todos os seus trabalhos, por exemplo, têm a presença do ator Lee Kang-sheng, quem sintetiza todas proposições corporais que Tsai busca no seu cinema.

Um dos filmes resultantes da parceria é o pós-apocalíptico O Buraco (1998), que dialoga estranhamente com nossa atualidade. Na trama pouco convencional, uma pandemia assola Taiwan, fazendo com que as pessoas contaminadas se arrastem pelo chão e procurem lugares escuros.

O cenário é um prédio de apartamentos degradados, notificado com ordens de evacuações constantes – incluindo o corte do fornecimento de água. Na área externa, a chuva não dá trégua.

Acompanhamos Hsiao Kang (Lee Kang-sheng) vagando nesses espaços e retornando ao seu apartamento. É nele que nos conectamos a outra personagem, uma mulher cujo o teto do aposento possui um buraco que a liga com o chão de Hsiao Kang.

Entre os dois, presenciamos uma estranha relação de confronto, busca de afeto e fuga da solidão dentro de uma realidade de enclausuramento. Tudo isso se intercalando com cenas de danças que invadem a narrativa como representações metafóricas do universo.

Eu Não Quero Dormir Sozinho (2006)

Com uma obra tão extensa, Tsai Ming-liang podia compor toda essa lista. Outro longa do malaio que lida com o isolamento social e a busca por afeto é o silencioso Eu Não Quero Dormir Sozinho (2006).

Pelo título, o filme já dispensa apresentações. Na trama, embarcamos numa história fragmentada de corpos que buscam o carinho de outros corpos.

Lee Kang-sheng agora interpreta um imigrante que depois de ser espancado, é resgato pelo indiano Rawang para seu apertado quarto. No espaço, há apenas uma cama que os dois irão dividir.

Rawang dedica toda sua atenção a cuidar do forasteiro, que agora é a companhia que tanto buscava. Perto dali, uma mulher e sua filha cuidam de um rapaz em coma (interpretado também por Lee Kang-sheng).

Com pouco ou nenhum diálogo entre si, e em meio a uma tóxica nuvem de fumaça que se aproxima, todos os personagens se procuram para ter alguém com quem dividir a cama antes do amanhecer.

Eu, Tu, Ele, Ela (1974) e Jeanne Dielman (1975)

Se Tsai é um dos principais cineastas a trabalharem o isolamento social no cinema, podemos considerar Chantal Akerman a mais importante. Silêncio, planos longos e estáticos são características de uma filmografia transgressora e bastante influente – para dizer o mínimo.

Diferente do malaio que investiga corpos através de espaços "públicos", Chantal tem a maior parte da sua obra voltado para o espaço privado das casas, principalmente os quartos.

Em Eu, Tu, Ele, Ela (1974), acompanhamos a diretora belga (que também protagoniza o longa) dentro de um pequeno aposento, isolada, apenas se alimentando de um saco de açúcar, enquanto sofre pelo término de um relacionamento.

Reprodução - Cena de Jeanne Dielman, de Chantal Akerman

O longa antecipou um método que encontraria um dos seus ápices um ano depois, em Jeanne Dielman (1975). Em uma das grandes obras-primas da história do cinema, Chantal se debruça dentro da rotina enfadonha de uma “dona de casa”.

Acompanhamos três dias na vida de Jeanne Dielman (Delphine Seyrig), uma mulher ainda jovem, que mora com o filho adolescente. Em tela, um sentimento de claustrofobia é exercitado dentro da repetição de espaços filmados por uma câmera parada. O que nos resta são os pequenos gestos ou aceitação (e contemplação crítica) de um cotidiano tão imobilizado quanto o método cinematográfico que o expõe.

Mas se a longa duração ou acidez de Jeanne Dielman incomodar muito, Chantal também nos entrega um caminho similar, mas oposto em frontalidade e execução.

No seu trabalho Exploda Minha Cidade (1968), curta facilmente encontrado no Youtube, também acompanhamos uma personagem trancafiada e isolada dentro de um pequeno espaço residencial.

A resolução, no entanto, é outra e pouco indicada para os tempos de quarentena: cansada, a protagonista se explode junto com tudo do seu apartamento.

No Quarto de Vanda (2000)

Um dos pesares do impacto da pandemia no cinema é também a pausa no calendário de estreias previstas para este primeiro semestre. Uma delas era o mais novo trabalho do português Pedro Costa, Vitalina Varela (2019).

Se não temos mais um grande filme de um dos cineastas fundamentais da virada do século até agora, pelo menos nos resta tempo para mergulhar nas suas obras antigas. No Quarto de Vanda (2000) é uma delas.

Vanda Duarte, personagem principal, é uma jovem dependente de drogas e moradora de um bairro ao norte da cidade de Lisboa. Isolada do mundo exterior, fechada no seu quarto pobre e degradado, ela convive com mágoas, desconfortos e sonhos destruídos.

Dentro do pequeno espaço, e com algumas externas, Pedro Costa constrói um poderoso retrato do isolamento através da sua câmera – posicionada entre o ficcional e o documental. Não só de Vanda, ressalte-se, mas de tudo (e todos) ao seu entorno. O português vai no seio de Fontainhas, bairro hoje fantasma, que o cineasta ressuscitou e vive atualmente no seu cinema.

Os Outros (2001)

Em um campo mais palpável de tramas que até podem se mover um pouco, Os Outros (2001), disponível na Netflix, é uma boa pedida. Entre revira-voltas e segredos ocultos, o filme norte-americano consegue atiçar tudo isso sem precisar sair da grande mansão que é filmado. 

Durante a Segunda Guerra, Grace (Nicole Kidman) aguarda com os filhos o retorno do marido dos campos de batalha. Isolados em uma mansão numa ilha deserta, tanto ela quanto as crianças possuem singularidades que não as permitem sair do local.

Um prato cheio para situações que serão exploradas para construção de um filme de suspense, terror e isolamento social.

Wavelength (1967)

Wavelength (1967) consiste de quase 1 hora de um plano estático dentro de um cômodo de um local desconhecido. Não temos informações prévias e nem o interesse na construção de um drama. O som são alguns ruídos inaudíveis. 

O ícone do cinema experimental, Michael Snow, só está interessado em como o cinema, um suporte audiovisual, captará aquelas imagens do cotidiano dentro de um movimento simples de zoom-in. E quais possibilidades surgem a partir disso – sendo elas dramáticas ou não.

Last Days in a Lonely Place (2007)

Perdemos Phil Solomon no ano passado, mas sua obra continua viva e disponível na internet. 

Cineasta "experimental" justificando todas as forças dos termos, Solomon tem um vasto trabalho interessante pronto para ser visto e revisto durante a quarentena.

Boa parte dos seus filmes são feitos dentro do universo dos games, em especial do mundo de GTA: San Andreas.

A ideia é um espaço livre dos moldes reais para criação cinematográfica. Pelo menos graficamente.

Em tela, a solidão e os dilemas existenciais permanecem os mesmos. Seriamos tão livres assim?

Last Days in a Lonely Place (2007) está disponível no Youtube para quem quiser conhecer a obra do diretor. 

In My Room (2018)

In My Room (2018) não é bem um filme sobre quartos apertados e locais fechados. Na verdade é o extremo oposto disso – o que não quer dizer muita coisa.

O protagonista do filme dirigido pelo alemão Ulrich Köhler tem o mundo inteiro ao seu dispor. Habitado, no entanto, por ninguém.

Numa manhã, de repente, ele se vê aparentemente como o único sobrevivente de alguma calamidade não especificada que faz com que todos os outros seres humanos desapareçam. Depois de vagar por meses (ou anos?), ele encontra Kirsi, com quem iniciará um relacionamento para mostrar que mesmo sendo o único homem do mundo, não deixará para trás a "alcunha" – da pior maneira possível.

TAGS
cultura Quarentena Cinema
Veja também
últimas
Mais Lidas
Webstory