O Teatro de Santa Isabel é um dos símbolos mais emblemáticos da cultura pernambucana, um espaço que evoca memórias e significados para além de sua imponente edificação. Ao longo dos 170 anos desde sua fundação, comemorados oficialmente neste 18 de maio, o equipamento foi palco de eventos históricos, de milhares de apresentações artísticas e se converteu também em um local de trocas sociais em contínua transformação, uma espécie de ponto de convergência entre o passado, o presente e o futuro.
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Pensar o Santa Isabel e sua importância para o Recife e para Pernambuco exige ter em mente suas transformações ao longo do tempo. Antes dele, primeiro espaço para espetáculos da atual capital pernambucana foi a Casa da Ópera, que inaugurada em 1772 e fechada no ano de abertura do Santa Isabel. Segundo o pesquisador e jornalista Leidson Ferraz, em sua pesquisa de mestrado, a Casa da Ópera gozava de má fama e sua decadência refletia também a situação das artes cênicas no estado.
A construção de um teatro público de alta qualidade, que seguisse padrões europeus, foi autorizada por Francisco do Rego Barros, o Conde da Boa Vista, presidente da província de Pernambuco entre 1837 e 1844. As obras de construção do edifício, sob responsabilidade do engenheiro francês Louis Léger Vauthier, começaram em 1841 e só foram finalizadas nove anos depois, com o teatro inaugurado em 18 de maio de 1850. Até pouco antes de sua inauguração, se chamaria Theatro de Pernambuco, com o nome mudado para homenagear a princesa Isabel.
O equipamento cultural fazia parte de um projeto de Rego Barros de modernizar o Recife, refletido também na construção do Palácio do Campo das Princesas, abertura de ruas, construção de pontes, entre outras obras. A edificação neoclássica se tornou uma referência arquitetônica e até hoje chama a atenção por sua imponência. Em setembro de 1869, um incêndio o destruiu quase completamente, com a reconstrução iniciada apenas em 1871 e a reinauguração em 10 de dezembro de 1876, com apresentação da ópera O Baile de Máscaras, de Giuseppe Verdi, pela companhia Thomaz Pasini.
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Um dos quatorze teatros-monumentos do país, o Teatro Santa Isabel é tombado como patrimônio histórico pelo Iphan desde 1949.
“O Santa Isabel foi e continua sendo uma referência nacional. Ele despertava curiosidade das administrações públicas e antecipou a imponência que, só mais de cinquenta anos depois, seria vista em maior escala nos teatros municipais do Rio e de São Paulo. O Teatro Amazonas, por exemplo, foi construído em 1896 como uma resposta dos governantes de Manaus, que não entendiam como a cidade, que vivia um momento de riqueza econômica, não tinha um equipamento cultural do porte do que existia no Recife”, ressalta Romildo Moreira, diretor do teatro desde setembro de 2017.
Além de ser abraçado como espaço por excelência da sociedade pernambucana, o Santa Isabel também foi testemunha de eventos políticos marcantes, como a Revolução Praieira e as campanhas abolicionistas, quando foi palco de discursos de Joaquim Nabuco e José Mariano, e pela instauração da República.
Ali também se apresentaram e florescem grupos seminais para a renovação do teatro pernambucano, como o Gente Nossa, que lá estreou com A Bonra da Tia, de Samuel Campelo, o Teatro de Amadores de Pernambuco, comandado por Valdemar de Oliveira, que foi por anos diretor do Santa Isabel; e o Teatro do Estudante de Pernambuco. Foi justamente entre as décadas de 1920 e 1940 que o Santa Isabel ajudou a fomentar o hábito da população consumir teatro, tornando-o uma opção de entretenimento popular, com programação de terça a domingo.
Toda essa carga histórica, ao invés de engessar o equipamento cultural, serve como alicerce para a construção de novas narrativas. Antes de fechar as portas por conta da pandemia do novo coronavírus, o Teatro Santa Isabel estava com uma agenda intensa de atividades programadas para 2020, mantendo o ritmo que estabeleceu ao longo dos últimos anos quando, além das apresentações artísticas, passou também a investir nas visitas guiadas, uma forma de fortalecer a relação dos pernambucanos e também dos turistas com o espaço. Só no ano passado, recebeu 69 mil pessoas, espetáculos nacionais e internacionais, além de apresentações da Orquestra Sinfônica do Recife, que têm sede no teatro.
“Além de ter equipamentos de ponta e ser completamente modernizado, o Santa Isabel é especial porque conta com um capital humano fortíssimo. Trabalham no teatro 49 profissionais que são apaixonados pelo teatro e que transmitem para o público esse cuidado e carinho. Quando a pessoa vai assistir a um espetáculo ou um show ali, tem acesso a uma experiência única”, reforça Romildo Moreira.
Em uma passagem dos diários que escreveu quando viveu no Recife, na década de 1960, o diretor e dramaturgo argentino Tulio Carella lembra do dia que Ariano Suassuna e Hermilo Borba Filho lhe mostraram o teatro. Acostumado com o Colón, em Buenos Aires, ele diz não entender a razão pela qual seus anfitriões (descritos nos escritos com pseudônimos) se emocionam tanto com aquela edificação, que lhe pareceu um tanto simples. Carella, no entanto, afirma que a paixão com qual aqueles dois expoentes do teatro local falavam do Santa Isabel, o tocou.
Talvez, essa seja uma chave importante para entender o que é o Teatro Santa Isabel: ele pode não ser o maior, o mais imponente, mas é profundamente pernambucano e guarda com seu estado e com seus conterrâneos uma relação forte, difícil de ser entendida por quem não é daqui.
Para contornar o fechamento temporário, o Teatro Santa Isabel tem investido em programações online. Nesta segunda (18), a partir das 19h, no Instagram do equipamento cultural serão transmitidos shows de SH (Surama Santos e Henrique Albino), Publius Lentulus, Grupo Instrumental Brasil e Chorinho da Roça, todos selecionados pelo edital do projeto Santa Isabel em Cena, que teve sua programação adiada por tempo indeterminado, em função do avanço da pandemia.
Atividades virtuais, como debates, acontecerão até o fim do mês, sempre às quartas-feiras.