As finalidades e os propósitos do ato da escrita literária não são únicas, mas sim definidas a partir do olhar de cada autor. Sob o heterônimo de Bernardo Soares, Fernando Pessoa descreveu em seu famoso Livro do Desassossego a escrita como uma forma de esquecer. Outro grande nome da literatura lusa, José Saramago, afirmou. já no final de sua vida. que continuava escrevendo para tentar entender.
O escritor Gonçalo M. Tavares, de 49 anos, parece ter encontrado um ponto de equilíbrio entre as duas definições de seus conterrâneos para o Diário Visual e Gráfico que vem publicando no site e nas redes sociais da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) desde o dia 20 deste mês, por meio da Diretoria de Memória, Educação, Cultura e Arte (Dimeca).
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Todos os dias, durante três meses, ele divide com os leitores tabelas, gráficos e outras formas visuais de comunicar suas impressões a respeito do tempo atual. Esquecer que o mundo não pode nunca ser regido apenas por notícias urgentes, mas também procurando entender padrões de comportamentos sociais.
"Em tempos estranhos, é necessário utilizar o material da estatística, das notícias e colocá-los no centro da criação. Apontamentos rápidos sobre os humanos e suas tragédias, amores e alegrias, micronarrativas e aforismos", aponta o autor.
Os temas são dos mais diversos. Até o momento, tatuagens, medo, culpa, perdão e educação já foram abordados e, às vezes, pequenos textos acompanham as narrativas visuais. "A pele é protecção contra o exterior e nos humanos não é excepção. Mas por vezes a pele não basta, nem a casa, nem as janelas fechadas (...) Toda a ficção, essa, foi adiada. A realidade exige a tua presença completa no dia", reflete no texto que abre o diário.
Para Gonçalo, este projeto é uma literatura feita do material visual do mundo. A iniciativa é instigante pela maneira original de fruir a literatura, tanto para os que já conhecem a pluralidade da produção do escritor (contos, poesia, peças de teatro, romances), quanto para quem está lendo-o agora pela primeira vez.
É uma oportunidade acessível de se aproximar do pensamento de um grande autor da contemporaneidade, vencedor em 2005 do Prêmio José Saramago e em 2007 do Prêmio Portugal Telecom (hoje Prêmio Oceanos), entre outros, ambos pelo livro Jerusalém.
A escolha do Diário Visual e Gráfico é muito interessante e inteligente não apenas pela sua forma ou conteúdo, mas também pelo seu caráter sucinto. Não é preciso muito tempo do dia para a leitura, pouco minutos de atenção plena que podem se desdobrar em provocações espontâneas e silenciosas ao longo do dia.