Pernambuco perde Tereza Costa Rêgo, pintora revolucionária, apaixonada e engajada que marcou as artes plásticas

Pintora, que faleceu vítima de um AVC aos 91 anos, influenciou gerações e é um dos maiores nomes do modernismo pernambucano
Márcio Bastos
Publicado em 26/07/2020 às 13:47
Tereza Costa Rêgo faleceu neste domingo (26), aos 91 anos, vítima de complicações causadas por um AVC Foto: SÉRGIO BERNARDO/ACERVO JC IMAGEM


Atualizada às 20h33

Uma das artistas visuais mais importantes de Pernambuco e do Brasil - ainda que o país lhe deva um reconhecimento na dimensão de seu trabalho -, Tereza Costa Rêgo faleceu neste domingo (26), aos 91 anos, vítima de complicações causadas por um AVC sofrido na madrugada do sábado (25). Com suas cores vibrantes e traços inconfundíveis, ela criou uma poética singular atravessada pelo desejo e pela liberdade, desafiou convenções machistas e posicionou-se contra as injustiças sociais. O enterro de Tereza será nesta segunda-feira (27) no Cemitério de Santo Amaro, às 11h, em cerimônia reservada a família. Antes, às 10h30, haverá uma bênão com frei Rinaldo, pároco da Igreja Madre de Deus e muito amigo da artista.

Tanto na sua vida pessoal quanto na sua arte, Tereza Costa Rêgo transgrediu todos os papéis que o patriarcado tentou lhe impor. Nascida na aristocracia recifense, foi criada sob uma educação rígida e repressora e o talento para a pintura era visto pela família mais como um "dote" que poderia agregar nos atributos por um bom matrimônio do que como uma possibilidade de carreira.

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Aos 15 anos, ela entra na Escola de Belas Artes, onde estuda com mestres como Lula Cardoso Ayres e Vicente do Rêgo Monteiro, além de desenvolver amizade com contemporâneos como Francisco Brennand, Reynaldo Fonseca e Aloísio Magalhães. Mas, ao contrário de seus pares, tinha algumas restrições, como a proibição dos pais de frequentar as aulas de modelo nu.

Sua habilidade artística já era reconhecida e, em 1962, Terezinha, como assinava à época, já havia conquistado três prêmios do Museu do Estado e um da Sociedade de Arte Moderna. Mas, aquelas telas ainda estavam longe de representar o que, de fato, viria a ser a poética da pernambucana. Esses traços autorais só viriam a se consolidar anos depois, após várias reviravoltas na vida pessoal, entre elas a decisão de deixar seu marido para viver o amor com Diógenes Arruda Câmara, então dirigente do Partido Comunista do Brasil, com quem se muda para São Paulo.

O desquite e o posicionamento político à esquerda marcaram o rompimento de Tereza com a alta sociedade pernambucana. Com a o golpe militar em 1964, passa a viver na ilegalidade, posteriormente exilando-se no Chile em 1972, onde também presenciou a instauração de outra ditadura com a deposição de Salvador Allende. Com Diógenes, se refugia na França, onde passa a usar o nome Joanna e cursa o mestrado em História na Universidade Sorbonne. 

"Tereza viu o século 20 se fazer e desfazer na sua frente. Ela tinha uma consciência social profunda e foi testemunha de muitos eventos históricos, como a Revolução dos Cravos, em Portugal, os círculos do poder da China maoísta, a ebulição política da Albânia. Tereza foi atravessada pela política e este elemento permeia sua obra, de forma direta, como a série Sete Luas de Sangue e o painel Tejucupapo, que retrata diferentes momentos da história do Brasil. Ela viveu às últimas consequências sua escolha pelo amor e pela política e sempre dizia que podia estar até pintando uma natureza morta, mas que ainda assim aquela tela era afetada por tudo que ela viu e viveu", enfatiza o jornalista Bruno Albertim, amigo e autor da biografia Tereza Costa Rêgo: Uma Mulher em Três Tempos (Cepe Editora).

Com a anistia política, Tereza retorna ao Brasil em 1979, mudando-se para Olinda após a morte precoce de seu companheiro. Na sua casa na Rua do Amparo, se dedica com afinco à sua arte e começa a dar corpo à sua obra, ensolarada, tropical, hormonal e política, destaca Albertim.

"Ela era muito controlada pela família: não podia rir em público, não podia usar certas roupas, como maiô. Quando a mãe dela morre, instintivamente ela pinta uma mulher nua pela primeira vez. É como uma libertação. Tereza entende o patriarcado como um fato histórico e ela sentiu na pele os efeitos dele. Essa nudez que ela pinta desnuda a si e às mulheres que a antecederam e a sucederam. É um corpo hormonal, que pode convidar para o prazer, mas que também é sempre político", aponta.

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Para o jornalista e pesquisador, Tereza ofereceu um contraponto feminista ao universo majoritariamente masculino da arte moderna em Pernambuco. Sua opinião é partilhada pelo curador Marcus Lontra, que defende que a expressão da subjetividade feminina na obra de Tereza Costa Rêgo está entre as mais ousadas e impactantes da arte brasileira do século 20. 

"Poucas pessoas captaram a questão do feminino de uma forma corajosa como ela. Com a sensualidade, autonomia, potência, com um olhar para o futuro, jamais aceitando a ideia da mulher submissa, recatada e do lar. Em muitas leituras conservadoras da arte brasileira, a produção feminina é vista como coadjuvante, mas Tereza quebra com isso. Sua produção dá uma dignidade, um tratamento que não se atém só para a beleza do feminino, mas para as suas potências", explica Lontra.

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O curador ressalta ainda que devido a um recorte centrado na produção sudestina, a produção de Tereza da Costa Rêgo não tem o reconhecimento que merece a nível nacional. Ele aponta que a produção da pernambucana não se alinhava à abstração e às tendências geometrizantes que dominavam o circuito da arte em determinado momento. Figurativa, "quente", com uso marcante do vermelho, sensual, política e histórica, a pintura de Tereza representa uma visão de arte brasileira que só vem ganhar a devida atenção na arte contemporânea.

Sempre em ebulição, Tereza Costa Rêgo, mesmo com as limitações físicas, ainda produzia poucos meses antes de sua morte, cumprindo com seu desejo de criar até quando tivesse forças. A artista também fazia questão de manter-se em diálogo com as novas gerações, como mostrou na exposição coletiva Antes do Cio dos Gatos, com as artistas Clara Moreira e Juliana Lapa, realizada em 2019 na Galeria Amparo 60, com curadoria de Bruno.

"Quero pintar, pintar até não conseguir mais. Sempre fui muito feliz pitando aqui, mas quero, agora, fazer uma exposição nacional, pelo país, com alguns dos quadros mais importantes da minha carreira. Alguns desses quadros contam a história do século 20, eu estava lá, vivi muito daquilo, o que aumenta a minha responsabilidade", disse em entrevista publicada no Social 1 quando completou 90 anos.

A artista tinha, também, o desejo de ver seu trabalho circular o país com uma grande exposição retrospectiva de sua obra. O projeto teria início em março deste ano com uma ocupação no Cais do Sertão, com curadoria de Albertim e Lontra. Com a pandemia, a mostra foi suspensa para 2021. 

"Conhecer Tereza era um privilégio. Ela era de uma generosidade, de uma vivacidade, uma força enormes. Ela é uma das maiores pintoras deste país e sua obra precisa ser reconhecida como tal. Agora, mais do que nunca, é importantíssimo ressaltar sua contribuição para a nossa arte, o valor de suas ideias e de suas pinturas", reforça Marcus Lontra.

Também na entrevista ao Social 1, quando questionada se tinha arrependimentos, Tereza disse que não, mas que lamentava a repressão da infância e juventude. "A sociedade era muito pesada", disse. Sobre sua trajetória e a mulher que havia se tornado foi enfática: "Sou o que consegui ser".

Família

Em nota, a família da artista afirmou que todos devem lembrar de Tereza com amor, gratidão, alegria e saudade por tudo o que ela proporcionou em vida. Confira o texto na íntegra:

"É com muito pesar que informamos o falecimento da nossa querida Tereza da Costa Rego.

Agradecemos a todas as condolências e mensagens de conforto recebidas. Elas só mostraram o quão querida ela era por todos. Devemos sempre lembrá-la com amor, gratidão, alegria e saudade por tudo o que Tereza nos proporcionou em vida.

Neste momento de dor e profunda tristeza, a família pede aos amigos e amigas, sensíveis compreensões para que ela possa, nos seu convívio, superar a imensurável perda."

Neta de Teresa Costa Rego, a jornalista Joana Rozowik, também manifestou o seu pesar pela perda da avó. "A minha avó era um acontecimento, uma força da natureza. Uma pessoa muito cheia de vida, uma cabeça muito jovem e inquieta. E ninguém está preparado para que uma coisa assim cesse, mesmo ela tendo 91 anos", diz Joana, também por meio de nota.

Joana diz que a sua avó partiu, mas o seu legado como pintora permanece. "A grandeza de sua obra, sua contribuição para a arte, a cultura e os costumes de nosso país ficam para o mundo. Agora devemos trabalhar para que seu acervo seja preservado e que mais e mais pessoas tenham acesso a ele", finaliza a nota.

Autoridades lamentam morte

O falecimento de Tereza Costa Rêgo representa uma grande perda primeiramente para os seus familiares, mas também para toda a classe artística e política de Pernambuco. Veja as notas:

Paulo Câmara, governador de Pernambuco

"O cenário artístico e cultural de Pernambuco ficou menor com a morte de Tereza Costa Rego. E impossível dimensionar em palavras a importância da sua obra para o nosso Estado e para o Brasil. Paisagista, doutora em historia, militante de esquerda, Tereza era, acima de tudo, uma artista plastica de corpo e alma, que traduzia com beleza e perfeição seus sentimentos nas telas, retratando ali o imaginário popular, nossas lutas libertarias, a forca da mulher, paisagens de Olinda e Recife e tantas outras figuras da nossa cultura. Tereza, certa vez, afirmou que “pintaria ate não poder mais”, e assim o fez. Sua partida fara uma imensa falta a arte brasileira. Quero me solidarizar com todos os seus familiares, amigos e admiradores neste momento de profundo pesar". 

Luciana Santos, vice-governadora

"Os vermelhos perderam alguns tons de intensidade, neste domingo tão triste, em que Tereza Costa Rêgo se despede de nós. Deixa uma lacuna irreparável no cenário das artes plásticas no país e um lamento imensurável em nosso peito.

A história de Tereza é um relato contínuo de paixão pela vida, pela liberdade, pela arte e pelo direito de ser mulher em toda sua plenitude. Uma lutadora em defesa da democracia, da justiça e de um mundo pautado pela oportunidade e pelo respeito.

O PCdoB tem orgulho de ter algumas de suas páginas escritas pelo caminhar de Tereza, que ao lado de Diógenes Arruda, doou energia, tempo e coragem a resistência à ditadura e a construção do nosso partido em tempos tão difíceis.

Todos nós, que convivemos com ela, nos sentimos honrados pela presença afetuosa, carismática e generosa e é com grande pesar que assistimos sua partida, ainda que estejamos conscientes que seu espírito jovial, sua arte inconfundível e sua memória vibrante seguirão conosco nos acolhendo e inspirando sempre.

A Tereza, Joana, Daniel, André e demais familiares meu abraço solidário". 

Geraldo Julio (PSB), prefeito do Recife

"Irrecuperável a perda de Tereza Costa Rêgo, que nos deixou hoje. Artista de profunda sensibilidade, Tereza é um símbolo de resistência e liberdade e um grande exemplo da força da mulher recifense. No ano passado, a Prefeitura do Recife a homenageou na edição da agenda da Secretaria da Mulher, que a cada ano celebra uma grande mulher de nossa cidade. Feliz de poder ter deixado essa pequena homenagem ainda em vida à artista cuja força da obra não deixará morrer o legado. Quero mandar meus mais sinceros sentimentos à família e amigos."

Antônio Campos, presidente da Fundação Joaquim Nabuco

"Tereza Costa rego foi uma grande artista plástica e uma grande figura humana. Sua relação especial com Olinda está refletida em suas obras. Pernambuco perde uma de suas maiores artistas. Minhas condolências à família".

Eriberto Medeiros, Presidente da Assembleia Legislativa de Pernambuco

Hoje a artista plástica Tereza Costa Rêgo veio a falecer, entristecendo a cena cultural do nosso Estado. Não faz muito tempo, a Assembleia Legislativa celebrou a obra desta notável pernambucana. Ela recebeu a Medalha Leão do Norte, mérito cultural Gilberto Freyre, em novembro de 2019. Pernambuco agradece sua honrosa contribuição para a arte brasileira e se compadece, junto a seus familiares, amigos e admiradores pela perda. Em nome da Assembleia Legislativa de Pernambuco, estendemos nossas condolências.

Ricardo Leitão, jornalista e presidente da Companhia Editora de Pernambuco (Cepe)

“Tereza Costa Rêgo foi uma mulher e uma artista que marcou a sua geração pela liberdade com que ela viveu e a criatividade com que exerceu a sua pintura”.

Professor Lupércio, prefeito de Olinda

O prefeito de Olinda, Professor Lupércio, lamenta o falecimento da artista plástica Tereza Costa Rêgo, que com seu talento como artista e paisagista tão bem engrandeceu a cultura de Olinda, onde manteve seu famoso ateliê. Lupércio se solidariza com a família, amigos e admiradores por uma perda tão sentida.

Tereza tornou-se um nome conhecido mundialmente e chegou a dirigir o Museu Regional, o Museu do Estado e o Museu do Mamulengo. e iniciou sua dedicação à pintura aos 15 anos. Durante grande parte da década 1970 viveu no Chile e França, onde obteve o grau de doutora em História, na Escola de Altos Estudos da tradicional faculdade de Sorbonne.

Jarbas Vasconcelos, Senador

"Tereza Costa Rego foi símbolo de uma geração de talentosos pintores pernambucanos. Simples, atenciosa e criativa em sua arte, marcou a vida pelo engajamento social e pela beleza das cores em seu ateliê de Olinda. A notícia de seu falecimento entristece seus admiradores, entre os quais me incluo. Renovo meu reconhecimento e amizade, ao tempo em que levo sentimentos de pesar aos familiares e amigos".

Diego Rocha, presidente da Fundação de Cultura do Recife

“Perdemos hoje uma das maiores artistas do nosso tempo, do século passado e de todos que ainda estão por vir. A força e a importância histórica do seu trabalho legam eternidade à arte pernambucana, nordestina e brasileira”, afirmou o presidente Fundação de Cultura do Recife, Diego Rocha.

Leda Alves, secretária de Cultura do Recife

“Tereza deixa um vasto e raro conjunto de pinturas políticas, religiosas e profanas, fêmeas, eróticas e belas, com extraordinárias figuras de mulheres, que sempre contarão a nossa história. Sua morte silencia o vermelho, mas sua obra aguda, que falava de amor e de luta, de liberdade e de revolução, seguirá a denunciar a eternidade do que só Tereza viu, viveu e foi até o derradeiro dia de sua vida”.

“Tereza, antiga amiga, ontem, quando, na minha quarentena de 89 anos, soube que você havia sido hospitalizada, não acreditei que você estava se despedindo do Recife e de todos nós. Assumo: talvez a mais antiga amiga de infância sua, chorei. De saudades e pela paz de sabê-la conhecedora profunda do absoluto do amor. Você soube amar até o fim.”

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