Futuro de incertezas para a Cinemateca

TURBULÊNCIA Associação Roquette Pinto entregou as chaves e demitiu os funcionários
Rostand Tiago
Publicado em 14/08/2020 às 6:00
ACERVO Espaço é abrigo para mais de 250 mil rolos de filmes e um milhão de documentos essenciais Foto: EVELSON DE FREITAS/AGÊNCIA ESTADO


A Cinemateca Brasileira hoje abriga mais de 250 mil rolos de filmes e um milhão de documentos que são parte essencial da memória do cinema brasileiro. A Instituição não só preserva, como difunde, com exibições, workshops e outras atividades, assim como o trabalho vital de restaurar obras essenciais da identidade cinematográfica e cultural do país.

Ela foi criada em 1946, estimulada pela experiência do pensador, crítico e historiador Paulo Emílio Sales Gomes. Nos anos 1980, foi incorporada ao Governo Federal. Uma parte significativa de seu acervo é composta por material inflamável, caso do nitrato de celulose, e precisa de cuidados para não aumentar as lacunas materiais da memória de nossa produção. Entre 1957 e 2016, a instituição enfrentou quatro incêndios.

Os cuidados com refrigeração, manutenção elétrica e preservação no geral, em descontinuidade, são os grandes riscos do turbulento momento que vive a Cinemateca. Desde 2018, a gestão estava com a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp), em contrato firmado até 2021 com o Ministério da Educação e o extinto Ministério da Cultura. No mandato Bolsonaro, não foi repassado nada dos R$ 12,9 milhões destinados para a manutenção da instituição em 2020. O colapso financeiro começou quando o ex-ministro Abraham Weintraub decidiu rescindir unilateralmente o contrato com a Acerp por conta da TV Escola, com gestão também da organização, o que acabou atingindo a Cinemateca.

Com a verba represada na Secretaria de Cultura, a instituição conseguiu sobreviver até abril graças a um caixa disposto pela Associação Amigos da Cinemateca. Desde então, a Acerp começou a travar uma luta jurídica com a Secretaria pelos repasses e manutenção do contrato, incluindo uma ação do Ministério Público Federal contra a União, pedindo a renovação do contrato, os repasses necessários e não demissão de funcionários. Durante o período, a Cinemateca passou por greves e a suspensão de serviços.

O caldo entornou ainda mais quando a Secretaria de Cultura decidiu tomar de vez para si a gestão da Cinemateca, com o atual secretário Mario Frias solicitando as chaves do espaço. O ato foi classificado como arbitrário pela Associação, por não ter "direito à ampla defesa e ao contraditório, bem como a Secretaria Especial da Cultura não cumpriu com as suas obrigações necessárias ao término de um contrato administrativo", alegando que não foi respeitado um aviso prévio de notificação para rescisão. A Roquette Pinto também afirma que cumpriu suas obrigações, apesar da falta de repasses, para "evitar uma tragédia".

A disputa, entre liminares judiciais e recusas de entrega das chaves culminou na ida do secretário nacional do audiovisual substituto, Helio Ferraz de Oliveira, acompanhado da Polícia Federal, à instituição para receber as chaves. Na última quarta-feira, Francisco Câmpera, diretor da Roquette Pinto, anunciou que todos os funcionários seriam demitidos. Câmpera relata que pediu ao secretário Helio Ferraz pela manutenção ou recontratação dos funcionários, mas não conseguiu compromisso formal.

 

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