Conheça a trajetória e obra de Louise Glück, Nobel de Literatura 2020

Poeta norte-americana de 77 anos é a 16° mulher a receber o prêmio criado há 120 anos. Apesar de pouco conhecida no Brasil, ela é uma das grandes vozes da poesia contemporânea dos Estados Unidos
Valentine Herold
Publicado em 08/10/2020 às 16:35
Louise Glück, vencedora do Nobel de Literatura 2020, em ilustração divulgada pela premiação Foto: Niklas Elmehed/ Nobel Media/ Divulgação


Anunciado na manhã desta quinta-feira (8) pela Academia Sueca, o nome da poeta Louise Glück como Nobel de Literatura 2020 foi uma surpresa para quase todos os críticos e público em geral. Aos 77 anos, a norte-americana se tornou a 16° mulher a receber o prêmio - em 120 anos de história e 116 premiados.

As apostas para o Nobel de Literatura voltavam-se quase todas para nomes de autores e autoras africanos ou latino-americanos, além de ter-se especulado também autores mais conhecidos, como o japonês Haruki Murakami, o franco-tcheco Milan Kundera, o espanhol Javier Marías, a canadense Margaret Atwood e a francesa de Guadalupe Maryse Condé.

Louise Glück, apesar de pouco conhecida no Brasil, é uma das grandes vozes da poesia contemporânea dos Estados Unidos. Nascida em Nova York, em 1943, ela estreou na poesia em 1968, com o livro Firstborn. Com a obra The Wild Iris, levou o Pulitzer de 1993 e seu livro mais recente, Faithful and Virtuous Night, lançado em 2014, venceu o National Book Award. Ao todo, Louise Glück publicou 12 coleções de poesia e alguns ensaios sobre o assunto. Em 2016, a poeta também recebeu a National Humanities Medal do então presidente dos EUA, Barack Obama.

Em sua justificativa, a Academia Sueca afirmou que a escolheu pela sua "inconfundível voz poética, que, com uma beleza austera, torna a existência individual universal." Anders Olsson, porta-voz do comitê do Nobel, descreveu Louise como uma poeta sagaz e cheia de humor, dona de um estilo claro e comparável à compatriota Emily Dickinson em sua severidade e relutância em aceitar uma fé qualquer. "É uma poeta da mudança radical e do renascimento", pontuou.

A infância, as relações familiares, a solidão e a natureza são temas recorrentes na obra de Louise Glück. Seus versos são considerados como bastante acessíveis e dispensam o aparato explicativo crítico, seu inglês pode ser lido sem muita dificuldade, desde que se tenha algum conhecimento da língua.

Adepta do despojamento, ela cita como primeiras influências de juventude poetas conhecidos por sua clareza de expressão, William Butler Yeats (Prêmio Nobel de 1923) e T.S. Eliot (Prêmio Nobel de 1948).

"Eu era uma criança solitária. Minhas interações com o mundo como um ser social eram pouco naturais, forçadas, representações. E eu ficava mais feliz quando lia. Bem, não era inteiramente tão sublime assim. Assistia muito à televisão e comia muito também", contou em uma entrevista dada em 2006, à uma revista de poesia americana.

Sua adolescência foi difícil e ela enfrentou uma batalha contra a anorexia. Um de seus traumas é a perda de uma irmã mais velha, que morreu logo após o nascimento. "Minha irmã passou uma vida inteira na terra./ Ela nasceu, ela morreu. / Nesse ínterim, / nem um olhar arregalado, nem uma frase", escreveu em Lost Love (1990).

No Brasil nenhum de seus livros foi traduzido, fato que deve mudar agora com o Nobel. Mas alguns de seus poemas já foram publicados em revistas especializadas em literatura de língua portuguesa.

Muito discreta em relação à mídia, a vencedora não quis dar entrevista após a premiação, mas divulgou uma breve declaração à agência de notícias TT em que se demonstrou bastante surpresa com o prêmio, que nunca esperava que isto fosse acontecer. "O que quero dizer é que sou uma poeta lírica americana branca. E pensei, bem, talvez em um século diferente, mas não agora", observou.

No entanto, disse estar "muito triste" com o cancelamento da cerimônia formal (pela primeira vez desde 1944), embora ele prefira ficar longe dos holofotes. O Prêmio Nobel consiste em uma medalha e um quantia de 10 milhões de coroas suecas - o equivalente a cerca de 1,1 milhão de dólares.

Os laureados geralmente recebem seu prêmio do rei Carlos XVI Gustav em uma cerimônia em Estocolmo em 10 de dezembro, mas devido à pandemia, haverá eventos televisionados mostrando os vencedores em seus países de origem no momento da cerimônia de premiação."A ideia de fazer um discurso não é o meu objetivo mais feliz, mas teria sido uma aventura muito rara para mim."

"Ao longo de toda obra poética de Glück, muitas das figuras centrais de seus poemas são mulheres (...), ou uma jovem, que muitas vezes é distinguida como filha de alguém, ou uma mãe", apontou Allison Cooke, pesquisadora de literatura.

Leia dois poemas de Louise Glück:

Portland
* Traduzido por André Caramuru Aubert e publicado no jornal Rascunho, em 2016

"Você fica firme como ficam as rochas
que o mar alcança
em ondas transparentes de desejo;
elas estão arruinadas, finalmente;
tudo o que está preso está arruinado.
E o mar triunfa,
como tudo o que é falso,
tudo o que é fluente e feminino.
De trás, uma lente
se abre para o seu corpo.
Por que você deveria se virar?
Não importa quem é a testemunha,
por causa de quem você está sofrendo,
por quem você fica firme."

Confissão
* Traduzido pela escritora brasileira Camila Assad

"Dizer eu não sinto medo –
Não seria honesto.
Sinto medo da doença, da humilhação.
Como todo mundo, tenho os meus sonhos.
Mas aprendi a escondê-los,
Para me proteger
Da realização: toda felicidade
Atrai a fúria das Sinas.
Elas são irmãs, selvagens –
No final, não há
Emoção, mas inveja."

Vencedores do Nobel

Veja a lista dos vencedores do Prêmio Nobel de Literatura neste século:

2020 - Louise Glück (Estados Unidos)

2019 - Peter Handke (Áustria)

2018 - Olga Tokarczuk (Polônia)

2017 - Kazuo Ishiguro (Reino Unido)

2016 - Bob Dylan (EUA)

2015 - Svetlana Aleksiévitch (Rússia)

2014 - Patrick Modiano (França)

2013 - Alice Munro (Canadá)

2012 - Mo Yan (China)

2011 - Tomas Tranströmer (Suécia)

2010 - Mario Vargas Llosa (Peru)

2009 - Herta Müller (Romênia)

2008 - Jean-Marie Gustave Le Clézio (França)

2007 - Doris Lessing (Grã Bretanha)

2006 - Orhan Pamuk (Turquia)

2005 - Harold Pinter (Inglaterra)

2004 - Elfried Jelinek (Áustria)

2003 - J. M. Coetzee (África do Sul)

2002 - Imre Kertész (Hungria)

2001 - Vidiadhar Naipaul (Trinitad e Tobago-Inglaterra

2000 - Gao Xingjian (China)

A bibliografia de Louise Glück em inglês

Firstborn - New York : New American Library, 1968

The House on Marshland - New York : Ecco Press, 1975

The Garden - New York : Antaeus Editions, 1976

Descending Figure - New York : Ecco Press, 1980

The Triumph of Achilles - New York : Ecco Press, 1985

Ararat - New York : Ecco Press, 1990

The Wild Iris - Hopewell, N.J. : Ecco Press, 1992

Proofs and Theories : Essays on Poetry - Hopewell, N.J. : Ecco Press, 1994

The First Four Books of Poems - Hopewell, N.J. : Ecco Press, 1995

Meadowlands - Hopewell, N.J. : Ecco Press, 1996

Vita Nova - Hopewell, N.J. : Ecco Press, 1999

The Seven Ages - New York : Ecco Press, 2001

October - Louisville, Ky : Sarabande Books, 2004

Averno - New York : Farrar, Straus and Giroux, 2006

A Village Life - New York : Farrar, Straus and Giroux, 2009

Poems 1962-2012 - New York : Farrar, Straus and Giroux, 2012

Faithful and Virtuous Night - New York : Farrar, Straus and Giroux, 2014

American Originality : Essays on Poetry - New York : Farrar, Straus and Giroux, 2017

 

 

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