As cores fortes, as formas orgânicas e as colagens poderiam muito bem ser um filtro do Instagram, mas é a capa do novo livro da escritora curitibana Giovana Madalosso. Esses elementos, modernos e divertidos, representam bem a contemporaneidade das temáticas presentes no romance recém-lançado pela editora Todavia, Suíte Tóquio (R$ 59,90 o livro físico e R$39,90 o e-book). Uma imagem de uma mulher de uniforme branco, um celular de última geração, um par de seios cobertos por um olhar, um semáforo e um ouvido aparentemente atento são um aviso, ao leitor, da lista de ingredientes necessários para esse suco de Brasil 2.0 que será apresentado com muito humor e sagacidade nas próximas 208 páginas.
A história resumida seria a seguinte: uma babá sequestra a criança de quem toma conta, filha única de uma família de classe média alta de São Paulo, e decide fugir com a pequena para sua terra natal, Mandaguaçu, no interior do Paraná. Mas, assim como as sobreposições das imagens da capa, há muito mais camadas a serem descobertas neste envolvente romance.
Com maestria, Giovana Madalosso toca em questões seculares das relações domésticas brasileiras, além de anseios muito atuais sobre maternidade, casamento e ambição profissional. Este é o terceiro livro da autora paranaense radicada em São Paulo. Em 2016 ela lançou o volume de contos A Teta Racional (Grua Livros) e em 2018 seu primeiro romance, Tudo Pode Ser Roubado (Todavia).
Suíte Tóquio tem duas narradoras, Maju, a babá, e Fernanda, sua patroa, a mãe de Cora. Os capítulos são alternados entre as visões de cada uma sobre o sequestro e os acontecimentos na vida de ambas que antecederam este momento. Apesar de começar com a fuga, as duas narrativas não seguem a mesma ordem cronológica.
Enquanto a cuidadosa, germofóbica e esperta Maju vai contando sobre a aventura desde a saída do apartamento para a rodoviária e, ao longo do caminho, lembrando de como chegou até ali, Fernanda foca na ruptura de seu casamento concretizada com a relação extraconjugal com outra mulher e de sua dinâmica, permeadas por muitas dúvidas e medos, enquanto mãe.
Maju e Fernanda são as figuras maternas de Cora, têm a mesma idade e moram na mesma casa, mas as semelhanças terminam aí. Os traços tão distintos de personalidade são perceptíveis graças às duas vozes narrativas criadas pela autora a partir de elementos que vão desde tamanho das frases (Maju é mais direta), tipo do humor (Fernanda tem uma ironia aguçada), vocabulário (uma fala "fazer amor" enquanto a outra usa o termo "trepar") , religiosidade (a babá é católica praticante enquanto a mãe parece ser ateia), e até gosto cultural (Maju é fã dos romances de Nora Roberts e Fernanda gosta de arte contemporânea, tem uma obra de Adriana Varejão na sala).
Esse espaço que divide os mundos de Fernanda e de Maju é, ao mesmo tempo, abismal e minúsculo. Como se o corredor que separa a suíte do casal ao quarto de empregada fosse ora imenso ora inexistente. Este último, inclusive, é quem dá título ao livro. Após receber uma promoção na rede de televisão em que trabalha para assumir um cargo de produtora executiva, Fernanda convence a babá de sua filha a dormir todos os dias com elas aumentando seu salário e reformando o pequeno quarto com uma modernidade minimalista que lembra um desses hotéis japoneses bem contemporâneos.
É da mãe de Cora também o apelido de "exército branco" para denominar as babás e empregadas do bairro que se encontram na praça. Fernanda tem uma visão muito racional e ácida dos acontecimentos. Sobre seu relacionamento com o marido, ela diz que não era ruim, "mas era um casamento, com a força sepultatória sutil da maioria dos casamentos. E com uma ausência de conflitos tão grande que não importava o que acontecesse sob a superfície, tudo sempre parecia bem".
Já envolvida com Yara, uma diretora contratada pelo seu canal para produzir um documentário sobre animais selvagens, ela se depara com um universo material e afetivo completamente diferente do vivido nos últimos 44 anos. "Talvez paixões sejam avassaladoras também por isso, porque se apaixonar por outro é se apaixonar por uma nova possibilidade de si mesmo", avalia.
Maju também é muito consciente de sua situação amorosa. Abandonada pelo companheiro por conta das muitas horas dedicada ao trabalho, ela reflete em diversos momentos sobre sua relação com Cora. "Pensei que aquele amor proibido de bebê e babá também era culpa da dona Fernanda. Ela tinha deixado a filha no cantinho da vida, e lá no cantinho da vida tinha eu."
A narrativa é conduzida por Giovana com uma sororidade tão subjetiva e bonita que não dá margem para que o leitor categorize as protagonistas como boa ou má. A empatia e compreensão que as pressões sociais e a crueldade das discrepância econômica e educacional do Brasil são apresentada com muita sensibilidade neste que é um dos grandes romances nacionais de 2020.