Fabiana Moraes lança o livro 'A Pauta É uma Arma de Combate', em que analisa a anatomia do jornalismo

Jornalista e professora de Comunicação Social da UFPE participa de sessão de autógrafos e debate nesta terça-feira (11), no Cais do Sertão
Romero Rafael
Publicado em 11/10/2022 às 0:00
Fabiana Moraes conta o processo, desde a pauta, de três reportagens publicadas por ela no Jornal do Commercio Foto: MARLON DIEGO/DIVULGAÇÃO


Em junho do ano passado, o jornalismo colou nas buscas por Lázaro Barbosa, cidadão brasileiro de 32 anos, procurado pela polícia de Goiás por crimes que incluíam quatro homicídios. A pauta da grande mídia, naqueles dias, parecia roteiro de um reality show construindo-se na entressafra "Big Brother Brasil"-"A Fazenda", tão misturados os limites entre reportagem e entretenimento.

Nesta pauta — que, como um reality, carecia de novidades independentemente da caçada —, a imprensa associou Lázaro a "rituais satânicos". O jornalismo se não transforma, conserva. Preconceitos e violências, inclusive: logo, integrantes de terreiros religiosos da região denunciaram truculência policial em seus templos.

Esse é um dos casos analisados pela jornalista e professora de Comunicação Social da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Fabiana Moraes em seu novo livro, A Pauta É Uma Arma de Combate. A publicação, da Arquipélago Editorial, será lançada nesta terça-feira (11), às 18h30, no Centro Cultural Cais do Sertão, e debatida pela autora com Eduarda Nunes, da Agência Retruco, de jornalismo independente; e Laurindo Ferreira, diretor de Redação do Jornal do Commercio, sob mediação de Beto Azoubel.

DIVULGAÇÃO - PUBLICAÇÃO A Pauta É Uma Arma de Combate disseca o jornalismo com atenção para o que ela chama de sua coluna vertebral: a pauta

Em conversa por telefone, tendo ainda como análise a abordagem do caso Lázaro — mas não só —, Fabiana atenta para o fato de que mesmo "veículos nascidos dentro de um ambiente digital, como o portal Metrópoles [que, baseado em Brasília, explorou bastante o assunto], reproduzem uma cobertura racista, principalmente, de religiões de matriz africana, com a mesma discursabilidade de um jornal do século 20".

Ela completa: "não adianta investir em tecnologias quando a gente não muda o discurso anacrônico".

Intenções e sentidos

A Pauta É Uma Arma de Combate convida o interesse da gente, ainda no título, pelo que se dedica: exatamente a pauta, que é o que vem antes da reportagem; algo não materializado para o leitor, mas que com atenção se revela nos sentidos construídos no texto — como este, todos.

No jornalismo, a pauta, pode-se dizer, é um esqueleto, um guia referencial, às vezes um roteiro. E então nela estão intenções. Ainda que a reportagem faça um caminho mais imprevisível do que o contrário, a pauta geralmente indica onde se quer chegar.

Fabiana Moraes conta que a pauta é a coluna vertebral da notícia. Provoco se não é (também) o cérebro, por fazer escolhas: induzir ou conduzir a entrevistados e entendimentos, recortar histórias, decidir abordagens, montar uma narrativa.

"Numa perspectiva de um jornalismo como algo que pode transfigurar uma realidade, ser ferramenta transformadora, a pauta é reflexão e ação ao mesmo tempo. A pauta é uma pá que revolve o que parece que está imóvel, enterrado, engessado, ao promover uma ação que faça com que o que parecia natural ganhe outra luminosidade", reflete.

"Falando de um jornalismo capaz de restaurar humanidades, acho que não é possível que essa restauração aconteça quando a pauta não consegue revolver lugares silenciados. Que lugares seriam esses, na nossa formação escravocrata, classista, patriarcal?"

Ela propõe caminho: "Precisa fazer perguntas frente ao enquadramento jornalístico: quem são as pessoas que falam? Como estou recortando tal fenômeno social? O que ele tem de diferente do que a imprensa recortou antes? A quem esse meu recorte interessa e quais ganhos de transformação ele traz?".

O subtítulo do livro, aliás, é "Subjetividade, prática reflexiva e posicionamento para superar um jornalismo que desumaniza". Ou seja, que pense e proponha outras miradas.

O mito da objetividade

Fabiana Moraes destaca como uma força que atua no contrafluxo, hoje, para que o jornalismo seja agente de mudança, e não "um partícipe de narrativas que transformam diferenças em desigualdades", uma perda de seu potencial reflexivo, ao escolher pela negação desse papel — "e se comporta como mero repetidor, quando nunca foi isso".

"Tem relação forte com o mito da objetividade: 'nós vamos relatar o fato'." E ponto.

"Quando faço crítica à objetividade, não falo da que é necessária — da apuração, por exemplo — e sim de quando o jornalismo instrumentaliza a ideia da objetividade para parecer que não joga o jogo e se isenta."

A autora cita outro objeto de sua análise: o caso Betinho, no Recife, como ficou conhecido, em 2015, o assassinato do professor José Bernardino Silva Filho. Em coletiva de imprensa, a polícia sublinhou que ele era homossexual. Naquele contexto, embora não de forma expressamente dita, informar a orientação sexual da vítima construía um sentido que, descomprometido, replicou perversidade. Nenhum repórter perguntou à corporação o porquê da informação.

"Isso é abrir mão do potencial reflexivo. Se uma instituição disse, e é eloquente, me cabe como jornalista perguntar se o fato dele ser homossexual tem a ver com a morte."

A pauta, nesse caso, limitou-se a reportar uma fala.

Relendo reportagens

Numa segunda parte de A Pauta É Uma Arma de Combate, Fabiana Moraes republica três reportagens assinadas por ela e veiculadas no Jornal do Commercio: "A Vida É Nelson" (2012); "Ave Maria" (2013) e "Casa Grande & Senzala" (2013). Ela traz informações de bastidores, desde o desenho da pauta até a publicação, e também as analisa criticamente, no distanciamento do tempo.

"É bonito que você vê as marcas e as mudanças do que ficou registrado", comenta. "E entende o jornalismo — e isso é um clichê! — escrito no quente da história."

Fabiana sinaliza para questões tratadas por ela, naqueles anos, agora já amadurecidas: "Essas reportagens que eu publiquei são documentos históricos que identificam um Brasil que começava a discutir feminicídio, e as questões de racialidade; olhava para um grupo de garotas, adolescentes, mulheres, e a morte contínua delas, no dia a dia, aos pouquinhos, que é tratada com absoluta normalidade. 'Não sei porque você perde tanto tempo com a gente, tia!' Não acho que esta seja uma questão apenas do Estado nem do setor privado. É da sociedade e do jornalismo: como se naturalizou que essa menina fosse vista só como uma noiada?".

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