CINEMA

Sophia Loren é estrela de documentário e ficção na Netflix

Carreira da atriz italiana de 86 anos foi retomada com o documentário "O Que Sophia Loren Faria?" e o longo indicado ao Oscar "Rosa e Momo"

Cadastrado por

JC

Publicado em 05/04/2021 às 23:11 | Atualizado em 05/04/2021 às 23:15
ROSA E MOMO Ibrahima Gueye e Sophia Loren estrelam filme que concorre a Oscar de Melhor Canção Original - DIVULGAÇÃO

O Que Sophia Loren Faria? (What Would Sophia Loren Do?, no original) é o título de um documentário sobre a atriz, mas do qual ela não é a protagonista. O filme tem como estrela Nancy Kulik, uma ítalo-americana de 82 anos, fã longeva da diva italiana. A obra, portanto, é a respeito de Sophia, mas sobre o que a sua imagem em 70 anos de carreira significa para Nancy.

Com bem-sucedidos 32 minutos, o filme, disponível no catálogo da Netflix, é um bonito depoimento de Nancy sobre a presença de Sophia Loren na sua vida. Ainda que tenham atravessado décadas como meras desconhecidas.

É um registro sobre identificação e espelhamento. Ainda que uma seja conhecida mundialmente e a outra, anônima.

IDENTIFICAÇÃO Em comum entre as duas está a origem: ambas são de famílias de Nápoles, Itália - NETFLIX/DIVULGAÇÃO

Ao questionar os filhos com a pergunta que se tornou título da obra, Nancy está revelando que Sophia a representa e é nela em quem se projeta. Interessante notar que, ao invés de produtos, como hoje nos teleguiam os influenciadores digitais, o que Nancy busca em Sophia são exemplos.

"Como se eu fosse uma imagem; talvez fosse algo que ela buscava e não conseguia encontrar", elabora Sophia Loren tentando entender a admiração de Nancy Kulik por ela.

"Sophia dá bons conselhos", diz Nancy para um grupo de pessoas que a acompanha quando ela conhece a atriz italiana, em 2019. "Eu sou uma boa professora", responde a diva, que arremata: "Virei sempre que for necessário".

A impressão é a de que Sophia Loren esteve mesmo presente para Nancy Kulik sempre que esta necessitou. Em boa parte do filme, a ítalo-americana assiste a filmes estrelados pela italiana. Nancy vai evocando qualidades de Sophia à medida em que emparelha histórias suas às da diva, ficcionais e reais, como quem sublima a própria vida.

ÍDOLO No doc O Que Sophia Loren Faria?, Nancy Kulik revela uma vida de admiração a Sophia Loren - NETFLIX/DIVULGAÇÃO

Quando revê Duas Mulheres (1960) — filme de Vittorio de Sica, que rendeu a Sophia Loren o Oscar de Melhor Atriz —, na cena em que a protagonista ampara a filha estuprada por soldados, Nancy traça uma linha paralela com os dissabores que já experimentou com seus filhos.

"Ela não pode fazer nada, a mãe fica arrasada. O fato de ela se levantar, em vez de simplesmente morrer, isso é coragem, isso é força, um poder que surge em você, que você nem tem. Você cria esse poder de dentro dos seus instintos. É isso que ela transmite nessa cena: haja o que houver, você tem que seguir em frente", diz, debulhando a emoção, enquanto vê a a cena, analisando e se colocando em unidade com o sofrimento maternal da personagem.

Sophia já inspirou Nancy até quando apareceu na tela do cinema usando uma cinta-liga. À época, com quatro filhos, diz que serviu como dica para divertir a relação com o marido.

O Que Sophia Loren Faria?, embora toque nas cicatrizes da vida, é uma delícia de se assistir. É gracioso ver Nancy Kulik rir assistindo a Sophia Loren em seu primeiro papel de destaque, aos 17 anos ("Ela era tão dedicada!"), e quando, em outro filme, a atriz caminha ágil e radiante ("Ela sempre tirava o melhor de tudo!").

A presença de Sophia Loren é especialmente íntima. As falas da atriz são sinceras, tanto as atuais quanto as resgatadas de entrevistas antigas. E há o bônus de vê-la nos bastidores de Rosa e Momo, filme que a trouxe de volta ao cinema, sob direção do filho Edoardo Ponti.

Sophia Loren vive uma sobrevivente

É simbólico que Sophia Loren, de 86 anos e 70 de carreira, tenha retornado ao cinema ao lado de um estreante, o ator Ibrahima Gueye, de 12 anos. Eles protagonizam Rosa e Momo, filme que vale ser visto, sobretudo, pelas atuações dos dois.

A atriz estava uma década sem trabalhar, aposentada do cinema, até aceitar o projeto dirigido pelo filho Edoardo Ponti para a Netflix. Ela vive Madame Rosa, personagem sobrevivente do Holocausto, baseada no livro A Vida pela Frente, escrito por Émile Ajar (sob o pseudônimo Romain Gary) e publicado em 1975.

É uma personagem dura e misteriosa — e, por isso, interessante — e, ao mesmo tempo, detestável e fascinante, graças a Sophia Loren no papel. Madame Rosa sobrevive cuidando de filhos de prostitutas. É assim que atravessa os dias e que consegue pagar o aluguel.

A chegada de Momo (Gueye) à sua casa, garoto senegalês sem mãe nem pai, é conflituosa, até que se entendem. Em contraponto às atuações e temáticas colocadas como pano de fundo, como a migração, está o roteiro, que carecia ser mais bem desenvolvido. O arco de mudança — do conflito para a ternura — parece ansioso.

No entanto, a resolução das diferenças é sempre um tema que sensibiliza e importa.

A memória é um elemento caro em Rosa e Momo. Seja enquanto lembrança falada ou ocultada; seja na falta dela, com o esquecimento.

Nos créditos finais, atente para a música que toca: Io Sí, de Laura Pausini, que concorre ao Oscar de Melhor Canção Original.

Assista ao trailer:

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