Felipe Carreras tem artistas e Ecad contra sua emenda provisória

debate em live de Anitta atraiu foi assistido por milhões de pessoas
José Teles
Publicado em 06/05/2020 às 21:06
Felipe Carreras, MP polêmica Foto: Foto: divulgação


Quando apresentou a Medida Provisória 498/2020, o deputado federal Felipe Carreras (PSB/PE) não esperava a repercussão que teria, e muito menos que a discutiria com a cantora Anitta, cuja conta no Instagram abriga 46 milhões de seguidores. Cinco por cento desse total, em média, assistiram à live, acontecida nessa terça-feira (5).
Carreras conseguiu atrair a atenção de artistas de vários segmentos do mercado musical, contra a emenda. De duplas sertanejas à cantora Marisa Monte, passando por Alceu Valença, a produtora Paula Lavigne (esposa e empresária de Caetano Veloso) e forrozeiros nordestinos. Alcymar Monteiro é um dos mais inflamados.
É certo que o deputado pretende diminuir os custos das produtoras (ele próprio é sócio de uma grande produtora, e da Associação Brasileira dos Produtores de Eventos (Abrape). Mas não está na emenda que o artista vá pagar do seu bolso os direitos devidos ao Ecad. Estes, conforme estabelece a medida, continuarão sendo pagos pelo contratante do show, embora bem menos do que é pago pelas regras atuais.
Ou seja, o contratante, pela lei em vigor, paga ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, o Ecad, dez por centro da renda bruta do evento, quer dizer, da bilheteria. “O que proponho é que seja pago ao Ecad cinco por cento do cachê de cada artista, individualizado. Vamos dizer que você promova um festival com dez artistas. Sua produtora pagaria cinco por cento do cachê de cada artista. Isto daria mais transparência porque cada um deles vai saber exatamente quanto terá a receber do Ecad. Hoje, se pagam dez por cento e não se sabe como é dividido o bolo”, argumenta Carreras.
Curioso é que esta é uma das raras vezes em que direito autoral entra na pauta da discussão sem que o Ecad vire saco de pancadas. Pelo contrário, a entidade entrou no rol dos que repudiam a medida do deputado pernambucano. “O deputado Felipe Carreras, autor da emenda à MP 948, propõe a proibição da cobrança de direitos autorais de pessoas físicas ou jurídicas em eventos públicos ou privados que não sejam o intérprete e afirma que a medida não tira nenhum direito dos compositores e demais titulares. Isso não é verdade.
Compositores não recebem cachê. Muitos nem fazem shows ou ganham com imagem. Os direitos autorais garantem, portanto, a devida remuneração aos músicos pelo alcance da sua obra, em uma execução pública. Por isso, no mundo inteiro, quem paga o direito autoral é o produtor e não o intérprete, de acordo com o tamanho de público do seu evento.
A emenda não só reduz a remuneração dos compositores, como tira a responsabilidade dos produtores dos eventos em pagar pelo direito autoral e a transfere para os intérpretes”, posicionou-se o Ecad, por meio de sua assessoria.
COMO FUNCIONA
O Ecad é administrado por sete associações: Abramus, Amar, Assim, Sbacem, Sicam, Socinpro e UBC. Artistas, intérpretes, músicos, editores e produtores fonográficos, por sua vez, são representados por essas associações. Algumas delas existentes há várias décadas.
A Sbacem existe há 74 anos e teve entre seus presidentes o compositor Ary Barroso. A UBC (União Brasileira de Compositores) tem 78 anos e administra os direitos autorais de nomes feito Gilberto Gil e Caetano Veloso. No site da UBC está estampada a cata aberta assinada pela produtora carioca Paula Lavigne, que repudia a emenda de Carreras. O trecho final da citada carta diz o seguinte:
“O Ecad, no Brasil, representa todos os autores nacionais e estrangeiros frente às empresas de promoção de eventos e outros usuários que exploram as suas músicas. Deixar de pagar a quem se deve, usando de subterfúgios para obter vantagens é uma das características de uma prática conhecida como ‘enriquecimento sem causa’. Não cabe aos devedores dos autores repassar suas obrigações para os artistas que as interpretam e muito menos colocar preço no que não lhe pertence”.
QUESTIONAMENTOS
Criado pela lei nº5. 988/73, o Ecad passou a coordenar e distribuir a arrecadação de direitos autorais no Brasil, atuação que sempre foi muito nebulosa e motivo de litígio entre as associações e seus integrantes.
Tão dispersa e sem regras era a forma de arrecadação que, muitas vezes, a inadimplência era causada porque quem devia não sabia a quem recolher.
O recém-falecido Aldir Blanc foi um dos mais combativos ativistas para que se estabelecesse uma norma universal para arrecadação dos direitos autorais no País. Com Gonzaguinha, Sérgio Ricardo, Vitor Martins, Ivan Lins e vários compositores, a maioria que fazia oposição ao regime militar, foi criada a Sombras, em 1973 (Sociedade Musical Brasileira), cujos sócios saíram em grande parte de outra arrecadadora, a Sicam (Sociedade Independente de Compositores e Autores Musicais). Alguns foram expulsos.
Aldir até manteve, na década de 70, uma coluna no semanário carioca O Pasquim, intitulada O Errado Autoral, e quem recebia muitas alfinetadas nas notinhas publicadas na coluna era o parceiro de Luiz Gonzaga, o cearense Humberto Teixeira, que por muitos anos mandou na UBC, sendo inclusive deputado. O Ecad existe, pois, há 47 anos, mas continua longe de ser unanimidade entre autores e intérpretes e músicos. Foi alvo de uma rumorosa CPI, cujo relatório final pediu o indiciamento de 15 pessoas. O relator da CPI, Lindbergh Faria, classificou o escritório como “uma grande caixa preta”.
DISCUSSÃO
O deputado Felipe Carreras procura acalmar os ânimos afirmando que a emenda não será votada durante a quarentenas, “talvez lá pra julho, ou agosto”, e que está a aberto a discussões com a classe envolvida. Mas até lá continuará a ser alvo de opiniões como a do produtor e advogado Alcymar Junior, que administra os negócios do pai, Alcymar Monteiro: “O problema da emenda é que ela não deixa claro quem paga e abre uma porta para que o valor seja cobrado dos artistas. Ali, ele está fazendo lobby em causa própria, as festas dele têm um custo muito alto”, aponta Junior.
Para o produtor Geraldinho Magalhães, que gerencia a carreira de vários artistas nacionalmente conhecidos, a exemplo de Egberto Gismonti, com escritório no Rio, pagar dez por cento da renda, ou cinco por cento do cachê, é muito relativo: “Varia de caso a caso. Depende dos gastos que o evento tenha para ser erguido. Mas a proposta dele (não conheço na íntegra) poderia ser razoabilizada se não fosse imposta em circunstância tão nebulosa, colocada numa situação que nada tinha a ver com esse tema, e sem discussão do meio. Esse é o tipo de medida que necessita ser bastante discutida por todas as partes da cadeia produtiva, e me parece que ele achou que ia passar despercebido e pronto. Foi pego no malfeito (ou, no mínimo, mal intencionado) e taí no que deu”.
Em carta, datada de 6 de maio, ao presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, Felipe Carreras explicou: “(...) O objeto da emenda 02 não retira direitos dos compositores ou artistas. A única mudança sugerida é para que o processo de cobrança realizado pelo Ecad se torne transparente, clarificado, e de fácil rastreabilidade, características estas hoje inexistentes atualmente, com cobrança sem critérios, sem diálogo, e com milhares de questionamentos judiciais”.
Pelo visto o bate-boca não cessa tão cedo.

 

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