Coronavírus já provocou aumento do desemprego e queda na renda. O fantasma, agora, é o avanço da pobreza

Governo, empresas, entidades e sociedade precisam se unir e ampliar a corrente de solidariedade para evitar que as pessoas mais vulneráveis passem fome
Adriana Guarda
Publicado em 19/04/2020 às 0:11
Em Pernambuco, 3,2 milhões de pessoas vivem em situação de pobreza e extrema pobreza. Com a pandemia do novo coronavírus, tendência é que mais pessoas sejam empurradas para essa condição Foto: LEO MOTTA/ACERVO JC IMAGEM


De repente, os bares e restaurantes fecharam as portas e Valéria Alcântara ficou sem ter a quem vender seus peixes e mariscos. Depois de enfrentar o derramamento de óleo nas praias em 2019, dessa vez foi a pandemia do novo coronavírus que levou sua freguesia e sua renda. Sem conseguir receber o auxílio emergencial pago pelo governo federal, ela precisou se virar com o que tem à mão. Está vendendo salgados e sucos (feitos com as frutas tiradas do sítio onde mora), na frente de uma fábrica no Cabo de Santo Agostinho. A história de Valéria é um retrato do impacto da covid-19 na vida dos trabalhadores. No início deste mês, o Instituto Locomotiva realizou uma pesquisa com 935 pessoas em 72 cidades de todo o País para avaliar a percepção da população sobre a epidemia e constatou que metade dos brasileiros (51%) já teve queda na renda com a escalada da doença.

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O levantamento também mostra que os nordestinos estão mais preocupados do que as demais regiões em relação a economia do País, renda pessoal e trabalho. Não é difícil de entender que o Nordeste se sinta mais ameaçado, sabendo que a região tem renda menor, taxa de desemprego maior e mais pessoas em situação de pobreza e extrema pobreza comparado à média nacional. Enquanto 58% dos brasileiros estão muito preocupados em perder o emprego, entre os nordestinos a taxa é de 72%. Na questão sobre quanto a covid-19 vai prejudicar a economia, 65% respondem muito (na média geral), contra 72% da região. Quando o assunto é a renda, 66% dos nordestinos dizem estar muito preocupados com a diminuição dos ganhos, ante 53% do Brasil.

O presidente do Instituto Locomotiva, Renato Meirelles, observa que a proporção de brasileiros afetada, que já é alta, deve crescer nas próximas semanas. “Dois em cada três profissionais acreditam que seus empregos serão muito prejudicados no Brasil, apesar de 73% das pessoas defenderem o isolamento social como forma de interromper o avanço da doença”, sublinha. Em Pernambuco, na última sexta-feira, o governador Paulo Câmara prorrogou o fechamento do comércio e de atividades não essenciais até 30 de abril.

Para Pernambuco, a pandemia vai provocar a reversão de alguns indicadores que começavam a registrar melhora após a recessão de 2015-2016. A renda domiciliar por pessoa, por exemplo, que apresentou quatro quedas consecutivas desde 2014, voltou a crescer no ano passado (R$ 970,11). A taxa de desemprego também teve uma diminuição mais consistente em 2019, fechando em 14% ante 15,5% de 2018. O trabalho com carteira assinada voltou a ter saldo positivo discreto em 2018 e melhor em 2019, depois de fechar 144,3 mil vagas entre 2014 e 2016.

No mercado de trabalho, o que não arrefeceu foi a informalidade. Ela foi aumentando e alcançou uma taxa recorde de 48,8% da população ocupada. Isso quer dizer que o Estado tem 1,8 milhão de trabalhadores nessa condição.

POBREZA

Um dos impactos mais negativos que o coronavírus poderá trazer é o avanço da pobreza e da extrema pobreza, que já tinha piorado com a crise econômica. Em Pernambuco, da população atual de 9,5 milhões pessoas, 3,2 milhões vivem em situação de pobreza ou de extrema pobreza (vivendo com menos de R$ 145 por dia).

"De fato, a paralisação de grande parte do setor produtivo somado às medidas de isolamento social e a demora dos governos em socorrer as famílias mais vulneráveis vai sim dar condições de um aumento da extrema pobreza e da pobreza. Principalmente em regiões já castigadas por essa realidade como a região Nordeste. Um dos principais motivos é a grande informalidade, que havia por conta da crise econômica, criando um exército de pessoas que dependiam da sua atividade e não tinham nenhuma cobertura do governo em caso de paralisação do seu negócio”, observa o economista Rafael Ramos, do Instituto Fecomércio.

Para a comunidade da Ilha de Deus, a pandemia trouxe o fechamento das principais atividades econômicas que sustentam o lugar. "Precisamos fechar a ilha para o turismo, para a gastronomia e para os visitantes. Depois de enfrentar e superar o problema do óleo, voltamos a nos deparar com o desemprego e a fome. E se tem uma coisa que não pode esperar é a fome. Algumas pessoas que já têm Bolsa Família conseguiram receber os R$ 600 do governo, mas outros estão sem nada e a situação é muito preocupante", alerta Edy Rocha, coordenador de projetos sociais da ONG Saber Viver, que atua na Ilha.

Para socorrer a população local foi criada a campanha S.O.S Ilha de Deus para arrecadar doações de alimentos e produtos de limpeza e higiene pessoal. Os interessados em ajudar podem deixar os produtos na ONG Saber Viver, que funciona na Ilha. A comunidade pesqueira conta hoje com 2,6 mil pessoas. Outra forma de contribuir é comprando os pratos da chef Negralinda, que precisou fechar o bistrô por conta das medidas de restrição a circulação de pessoas. Os precisos precisam ser feitos com uma certa antecedência para viabilizar as entregas, que acontecem na sexta-feira, sábado e domingo.Estão disponíveis pratos como a mariscada, que garantiu fama à chefe e o bobó de camarão com legumes. Os pedidos podem ser feitos pelo WhatsApp 81983669845

A preocupação com as marisqueiras da região do Cabo de Santo Agostinho, como Valéria que abre esta reportagem e mora no Engenho Tiriri, também motivou o Centro das Mulheres do Cabo a lançar uma campanha para arrecadar alimentos. A coordenadora geral do Centro, Nivete Azevedo, diz que mais de 100 famílias e mulheres quilombolas da região estão sem conseguir trabalhar para manter o sustento da família com a pesca e a venda do marisco, caranguejo e siri. As doações podem ser feitas po transferência bancária. Os dados estão no final do texto. 

"Dessa vez está pior do que no derramamento de óleo. Eu vivo do meu trabalho e não tenho a quem vender o que pesco. Fiz o procedimento pra tirar o auxílio, mas diz que está em análise. Estou preocupada com as coisas faltando em casa, por isso fui vender lanche” " - Valéria Alcântara - Marisqueira do Engenho Tiriri

A situação tá difícil pq enfrentou o oleo e superamos. fechamos a ilha para o turismo, gatronomia, visitantes. voltou o desemprego e a fome. campanha para arrecadar alim e limpeza. já fizemos 2 e avante turismo, cais do sertão. higiene pesseol. 2 pessoas trabalhando sexta sab domingo delivery. campanha pra comprar mariscada bobó pra algumas terem renda. não seiqdo vai terminar muito preocuaaso com essa situação. tem uma coisa que não pode esperar que é a fome. ajude de imediato. 600 algumas pessoas receberam, mas outras não recebera. 

MANUTENÇÃO DOS EMPREGOS

O poder aquisitivo da classe média também será afetado pela covid-19. “Na empresa de construção civil onde trabalho, todo o pessoal de obra teve o contrato de trabalho suspenso e quem é do administrativo teve 50% de redução da jornada e do salário”, diz uma arquiteta que preferiu não ter seu nome publicado.

Nessa nova realidade que o coronavírus impôs, também têm categorias conseguindo fazer boas negociações com as empresas. Um exemplo é do Sindicato dos Metalúrgicos de Pernambuco (Sindimetal) e o Polo Automotivo Jeep. “Fechamos um acordo de estabilidade do emprego que servirá de referência para outras regiões do País. Conseguimos estabilidade até 31 de dezembro para os funcionários e a manutenção de 100% do salário para quem ganha até R$ 1,5 mil mesmo com a redução de 70% da jornada de trabalho”, comemora Henrique Gomes. Há mais de 5 anos na Jeep, o verificador de qualidade, Hermes Luiz da Silva, diz que vai ter uma perda de R$ 78 no salário. “Estou na faixa de quem ganha entre R$ 1.500 e R$ 2.090, aí a redução ficou em apenas 5%. Foi uma grande conquista’, diz.

Na avaliação do trabalhador e também diretor do Sindimetal-PE, o principal nesse momento de crise foi garantir a manutenção dos empregos até 31 de dezembro. "O que vai acontecer depois é muito cedo pra dizer porque vai depender do cenário. A medida de redução de jornada começa a ser implementada no dia 21 de abril a a expectativa é de que a fábrica volte a operar no dia 11 de maio. Eu estou satisfeito porque só tive uma redução salarial de 5%”, comemora Hermes.

COMO FAZER PARA DOAR: 

Marisqueiras e Mulheres Quilombolas do Cabo

Transferência Bancária

Banco do Brasil 

Agência - 0714 -5 

Conta corrente: 15.546-2

CNPJ: 08.146.755/0001-00

Moradores da Ilha de Deus

Entregar alimentos e produtos de limpeza e higiene pessoal na ONG Saber Viver 

Endereço: Rua São Paulo
Ilha de Deus, Imbiribeira

Telefone: 081 99725.1411

WhatsApp: 081 98405.4474

 

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Economia pernambuco coronavírus covid-19 desemprego
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