Na semana que passou, o Brasil atingiu um número de casos e de mortes por covid-19 superior ao da China, com a diferença de que o gigante asiático tem uma população sete vezes maior que a nossa. Num momento delicado, em que a epidemia se aproxima do pico no País, a população vai deixando o isolamento social sem planejamento prévio. Uma saída fora de hora que pode ser desastrosa. Alguns países começaram a fazer movimentos para relaxar a quarentena, mas até os que planejaram precisaram recuar, como a Alemanha, para evitar repiques de casos do novo coronavírus. A Coreia do Sul mostrou que a testagem em massa da população é um dos caminhos para sair do confinamento. No Brasil, a baixa testagem, a subnotificação dos casos e a falta de dados dificulta o combate à doença.
Na Alemanha, a maior economia da Europa, o governo decidiu iniciar um processo de reabertura da economia na semana passada, autorizando o funcionamento de lojas com até 800 metros quadrados e depois permitiria a abertura de outras lojas, bares, restaurantes e hotéis. Mas o afrouxamento só durou cinco dias, por conta do aumento dos casos. O governo alemão decidiu voltar atrás e manter o isolamento social até o próximo dia 10.
Para se decidir pela retomada da economia, a Alemanha se baseou na taxa de reprodução do vírus, na ocupação dos leitos dos hospitais e na chamada “imunidade de rebanho”. A taxa de reprodução é equivalente ao número de pessoas que um doente de covid-19 pode infectar. Por exemplo, um doente que infecta três pessoas quer dizer que a taxa é R3, considerada alta. Hoje essa taxa na Alemanha é baixa (0,76). Isso quer dizer que cada 100 pessoas infectadas transmitem o vírus para 76, menos de um contágio por pessoa. Já a imunidade de rebanho é quantas pessoas já foram contaminadas, adquiriram alguma imunidade ao vírus e estão menos vulneráveis.
O caso alemão mostra que a imprevisibilidade é uma das principais dificuldades para se estabelecer o “novo normal”, como tem se batizado o pós-coronavírus, porque todos sabem que nada será como antes. Por isso, o comportamento dos países no descongelamento da economia tem sido cauteloso, apesar as pressões da população e das empresas que observam a economia definhar. A agência de estatísticas Eurosat divulgou na última quinta-feira que o PIB do primeiro trimestre na Zona do Euro foi o pior desde 1995, com queda de 3,8% sobre o último trimestre de 2019. O desemprego na região também avançou para 7,4%.
Na última terça-feira (28), a Espanha apresentou o Plano para transição em direção a uma nova realidade. O documento de 28 páginas detalha a estratégia dividida da fase 0 a fase 3. O país não estabeleceu datas escalonadas, mas espera concluir o plano até o final de junho. Na fase 0, a ideia é que o comércio volte a funcionar mas com regras. Na fase seguinte será a vez dos restaurantes, mas também aos poucos com a abertura das cozinhas para entregas. A saída da população de casa vai começar pelas regiões mais distantes. E o funcionamento das escolas seria retomado um pouco depois, mas antes de setembro. A Espanha, que esteve entre os países mais atingidos pela covid-19 na Europa, teve uma queda maior do que a esperada no PIB do primeiro trimestre. A previsão era de uma contração de 4,4%, mas a taxa ficou em 5,2%.
O plano francês de reabertura, que terá duas fases, também foi apresentado na terça-feira (28) e aprovado pela Assembleia Nacional. A saída do confinamento começa a acontecer no próximo dia 11, mas com regras e testagem da população. O governo se comprometeu a disponibilizar 700 mil testes por semana aos franceses. A circulação, que só era permitida num raio de um quilômetro vai subir para 100 quilômetros. O uso de máscara passará a ser obrigatório no transporte público e as reuniões ficarão limitadas a dez pessoas, no máximo. No segundo momento, a partir de 2 de junho será decidido sobre a abertura de bares e restaurantes. A França também vai dar incentivo financeiro aos profissionais que forem trabalhar de bicicleta, reduzindo aglomeração no transporte público.
Na China, a volta ao ‘novo normal’ começou por Wuhan - cidade onde a pandemia surgiu e se espalhou pelo globo. Após mais de 70 dias de quarentena a população voltou às ruas. Isso só foi possível porque Wuhan passou dias sem registrar novos casos e sem mortes. Mesmo assim, o descongelamento exigiu uma série de regras. Para usar o transporte público, por exemplo, os moradores precisam apresentar um QR Code de seu celular, que mostra o seu histórico de saúde. Os que recebem um sinal verde estão autorizados a transitar pela cidade ou sair dela.
No Brasil, o relaxamento do distanciamento social na hora errada pode significar uma tragédia, com esgotamento definitivo do serviço de saúde e colapso no sistema funerário, que já estão bastante sobrecarregados. O ministro da Saúde, Nelson Teich, disse que já tem um “plano de saída” do isolamento, mas admitiu que com os casos escalando no País como aconteceu ao longo da semana, é arriscado colocar em prática. Ele também afirmou que o plano pode recuar se algo der errado com os cálculos.
Em várias cidades do País, a população saiu do confinamento. Os congestionamentos quilométricos são um termômetro desse movimento. Em São Luís, o Ministério Público ingressou com uma ação na Justiça e conseguiu obrigar as pessoas a ficar em casa. Além de arrefecer o isolamento, o Brasil tem a maior taxa de contágio de covid-19 do mundo (R2,8), segundo o Imperial College London, a maior subnotificação de casos do globo (junto com a Hungria) e baixa disponibilidade de testes.
Em Pernambuco e no Recife, os governos vêm estudando a retomada da economia. A PCR fechou parceria com o Porto Digital e o Estado discute com os setores produtivos como será a nossa ‘nova realidade’.