A instituição do rodízio de veículos em cinco cidades do Grande Recife, como medida para tentar conter o novo coronavírus (covid-19), não agradou os motoristas de aplicativo que circulam no Estado. Com menos corridas há cerca de dois meses por causa do isolamento social, a categoria lamenta ter sido incluída no decreto do Governo de Pernambuco que fará com que carros circulem em dias alternados pelo Recife, Olinda, Jaboatão dos Guararapes, Camaragibe e São Lourenço da Mata, de acordo com o número do final da placa. Assim como as pessoas donas de carros comuns, quem trabalha como motorista particular de plataformas como Uber e 99 terá que seguir a determinação.
De acordo com a Associação dos Motoristas por Aplicativos de Pernambuco (Amape), muitos profissionais já têm sofrido com as medidas de restrição por falta de dinheiro, o que deve se agravar com o rodízio de veículos, considerada "péssima para a categoria", na visão do presidente da Amape, Thiago Silva. "Dessa forma, infelizmente, a gente não vai ter como trabalhar, o que prejudica vários pais de família”, conta Silva, afirmando que o administração estadual não conversou com os motoristas antes do decreto ser publicado.
Motorista das plataformas há um ano e meio, Lucas Abreu, 58 anos, trabalha 10 horas por dia durante toda a semana, com exceção do domingo. Com a nova regra, ele afirma que será obrigado a trabalhar aos domingos para manter as contas em dia. “O carro que uso, infelizmente, não é meu, é alugado. Se eu não rodo ou não tem passageiro, não dá para pagar", diz ele, lembrando que além do aluguel do veículo, há outras dívidas, como cartões, água e energia elétrica para serem quitadas.
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Situação semelhante vive Vyctor Gomes, 20, que também não é dono do carro em que transporta passageiros diariamente. À reportagem do Jornal do Commercio, ele conta que desde o início da pandemia viu o número de corridas que faz cair abruptamente. “Ultimamente, tenho feito uns R$35 ou R$40 por dia, apenas”, lamenta o jovem motorista, ressaltando que não sabe o que fazer para garantir sua renda. Vyctor afirma ainda que, apesar das dificuldades, conta com a ajuda de familiares, porém, conhece pessoas que devem sofrer ainda mais com a chegada do rodízio. “Eu sei que não vou passar fome, mas tenho amigos que sustentam uma casa com a esposa desempregada e filhos apenas com dinheiro que sai do aplicativo”, diz.
A motorista Léia Rodrigues, 42, afirma que, quando as medidas de isolamento social iniciaram, ela chegou a suspender as atividades por cerca de uma semana, pois vive com a mãe, uma idosa hipertensa de 68 anos, e teve medo de colocar a vida da mãe em risco. “Eu tinha parado, mas começou a faltar dinheiro para os remédios dela”, conta ela, segundo quem, os medicamentos que a mãe usa são caros. “Com esse rodízio agora, já não sei como vai ser, porque faço corridas todos os dias”, pontua ela, que se diz preocupada por não saber se conseguirá continuar comprando os remédios para a mãe porque sua solicitação para receber o auxílio emergencial de R$600 está em análise desde o dia 24 de abril.
Atenta à decisão do Governo de Pernambuco, a plataforma 99, por meio de nota, afirmou que irá orientar motoristas sobre como seguir as novas regras. A empresa também lembrou que outros estados adotaram a mesma linha, mas colocaram o transporte por aplicativos como exceção para garantir a mobilidade dos profissionais que precisam se deslocar. A plataforma disse ainda que "a saúde e segurança dos motoristas parceiros e passageiros é prioridade para a empresa" e que tem adotado medidas como “a criação de um fundo de R$ 4 milhões para doação de corridas em em diversas cidades brasileiras cujo valor é 100% destinada ao motorista visando manter a geração de renda neste período de pandemia”.
Também por nota, a Uber disse que a atividade exercida pelos motoristas aos usuários é essencial para a logística e funcionamento do Grande Recife, “seja realizando viagens para profissionais de saúde da linha de frente, doadores de sangue, seja por meio da entrega de medicamentos, refeições e conveniências”. A empresa afirmou ainda que suas equipes seguem trabalhando para que motoristas cadastrados na plataforma possam oferecer esse serviço.
A Amape decidiu ingressar com uma ação na Justiça para impedir a inclusão de motoristas de app no rodízio de veículos em cinco cidades do Grande Recife, conforme anunciado pelo Governo de Pernambuco nesta segunda-feira (11). A restrição no trânsito faz parte das medidas mais severas adotadas pelo Estado para tentar conter o avanço dos casos da covid-19.
A entidade também escreveu uma carta aberta ao governador Paulo Câmara para tentar reverter a inclusão dos motoristas por app no rodízio. "Vamos entrar com um mandado de segurança coletivo, porque entendemos que o transporte privado individual de passageiros por aplicativo é essencial", diz o presidente da Amape, afirmando que o meio de transporte é usado por vários profissionais da saúde para ir e voltar do trabalho.
Thiago Silva apontou ainda que a medida segue caminho oposto ao seguido por vários países. "[O rodízio] não tem nenhum tipo de consonância com o que acontece ao redor do mundo, onde os aplicativos têm ajudados os cidadãos na mobilidade urbana", pontuou Silva, classificando restrição no trânsito no Estado como arbitrária. "O Governo de Pernambuco sem consultar as lideranças e a categoria dos motoristas de aplicativo, de maneira arbitrária, toma essa medida sem ter base ou fundamento", sentenciou.
Para ele, a decisão das autoridades estaduais apenas reproduz o que foi feito em São Paulo, onde a prefeitura tornou mais rigorosas as regras de rodízio na cidade a partir desta segunda (11). "Só estão pegando o modelo que foi feito em São Paulo, que foi feito de maneira ruim, a ponto de já estarem retroceder e flexibilizar o rodízio, permitindo que motoristas de aplicativo possam circular", diz Thiago Silva, afirmando que o governo estadual está tomando uma medida contra a população pernambucana.