Prorrogação do auxílio emergencial pode trazer aumento de 0,55% ao PIB

Pagamento de mais parcelas do programa, no entanto, vive entrave no governo federal por conta do peso fiscal da medida
Lucas Moraes
Publicado em 24/05/2020 às 1:00
Caixa Econômica Federal Foto: FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM


A rede de proteção social no Brasil precisará ser ampliada. Em virtude da pandemia do novo coronavírus - acelerando a deterioração que já se fazia presente no mercado de trabalho - a fonte de renda de milhares de brasileiros praticamente sumiu, e, mais adiante, o País estará propenso a um aumento da desigualdade e avanço da extrema pobreza sobre boa parte da população se não conseguir estender o amparo a essas famílias. No cerne da questão, está agora o auxílio emergencial, que paga até R$ 1,2 mil para sobrevivência da parcela mais vulnerável da sociedade. De um lado, o poder público quebra a cabeça para redesenhar o programa, a modo de não mergulhar na calamidade a já complicada situação fiscal do País. Por outro lado, economistas e o próprio governo entendem que o pagamento de uma renda básica por apenas três meses é insuficiente.

Nas contas do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), assegurar o auxílio emergencial até o fim de 2020 pode gerar um impacto positivo de 0,55% no Produto Interno Bruto (PIB) e aumentar em 5 vezes o poder de arrecadação, por manutenção prolongada de um padrão de consumo e melhoria direta ou indireta de renda, dos mais pobres aos mais afortunados.

Criado no mês de abril, o programa do auxílio emergencial tem até agora um custo estimado de R$ 152 bilhões. Até a última sexta-feira, o programa contabiliza mais de 101 milhões de cadastros processados, aproximando-se dos 60 milhões de beneficiários que receberam mais de R$ 55 bilhões através da inscrição no programa Bolsa Família, Cadastro único ou canais digitais da Caixa, no caso dos informais, autônomos e desempregados.

“Seria bom ter esse dinheiro (por) mais um pouco (de tempo). Eu mesma estou desempregada há quase dois anos, e não acho que vai ter emprego, não. Vendo alimentos numa barraca que monto com a minha avó em shows e eventos. A próxima seria São João, não vai ter, e vai ficar muito difícil. Até o fim do ano, não sei como será a volta dessas coisas. Complica. Até mesmo Carnaval, que a gente fatura, não sei se vai ter (em 2021)”, conta Izabelle Silva, 26 anos.

"É preciso gastar agora. O grande problema é a recessão vir a se tornar uma depressão. É preciso aumentar o endividamento, evitando recessão profunda e garantindo renda das famílias mais pobres" " - professora de Economia da UFMG e Cedeplar Débora Freire

O prolongamento dos efeitos na economia, ocasionados pelas medidas necessárias ao combate da covid-19, não será mitigado com o pagamento de R$ 600 ou R$ 1,2 mil num prazo de 90 dias, na visão da professora de economia da UFMG e do Cedeplar Débora Freire. Para ela, elevar o auxílio ao patamar de renda básica por um ano é necessário é necessário, mesmo que isso implique um embaraço a mais nas contas públicas.

“Não sabemos quando a atividade voltará ao normal. A atividade econômica já vem de um comportamento defasado no País. Até que essas famílias, agora desempregadas, sejam reabsorvidas, o benefício deveria ser estendido. Até o fim do ano, ajudaria a mitigar a recessão, além de aliviar a situação mantendo um nível mínimo de vida”, afirma.

Segundo a economista, a ampliação do programa teria capacidade de aumentar a receita tributária do governo, já que essa acompanha o nível da atividade econômica, que seria preservada em parte pela manutenção do consumo das famílias.

Em nota técnica publicada pelo Cedeplar, considerando um custo de R$ 94,4 bilhões para o programa, a manutenção do benefício até o fim de 2020 geraria um custo três vezes maior (R$ 283,3 bilhões), mantido constante o número de famílias. O efeito permanente nominal na arrecadação de impostos seria de R$ 22 bilhões nos três meses de auxílio, podendo chegar a R$ 128 bilhões para três trimestres. Enquanto em três meses o benefício geraria um montante de receita de impostos que cobre 24% do custo do programa, a manutenção dos benefícios até o fim de 2020 produziria uma compensação de .

Divulgação - Professora da UFMG e Cedeplar Débora Freire

“Estender o período da renda básica geraria um efeito permanente 5,7 vezes maior na arrecadação. Logicamente, esse efeito não é suficiente para acomodar o custo fiscal do programa, mas indica que o custo líquido é menor que o desembolso”, afirma Débora.

Ainda conforme a nota do Cedeplan, se o PIB do trimestre cair 1%, o programa mantido por igual período teria o poder de mitigar 0,45% dessa queda. Levando em conta o prolongamento até o fim do ano, o aumento imediato do PIB chegaria a 0,55%, passando a 0,31% de impacto permanente até 2021.
“O nosso estudo mostra que o impacto da renda não se restringe apenas às famílias que recebem o benefício. Aumentando o consumo das famílias que agora estão sem renda, estimula-se uma série de atividades produtivas e isso espalha pela economia, gerando impactos em setores, gerando impacto em outras classes que não vão receber esse benefício também”, reforça a professora da UFMG.

Entre os mais pobres, a renda cresce 45%, e para aliviar a situação fiscal do governo, a sugestão seria tributar as grandes fortunas e dar andamento a partir de 2021 numa reforma tributária progressiva. O problema é que para colher esses resultados, a União precisaria desembolsar mais recursos agora, num momento de ainda fragilidade fiscal.

Questão fiscal

A previsão do secretário da Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, é de que o pagamento por três meses some o desembolso de 151,5 bilhões. Para manter, no mínimo, mais R$ 600 pagos em parcelas de R$ 200 por três meses (ler matéria ao lado), o custo seria elevado em cerca de mais R$ 40 bilhões.

“Estamos com mais ou menos 60 milhões de beneficiários. Esse universo está com uma folha de pagamento mensal entre R$ 40 a R$ 45 bilhões. Uma ajuda na magnitude que foi pensada, chegando a até R$ 1,2 mil, gera uma despesa, em termos anuais, da ordem de quase R$ 500 bilhões. É comparável à despesa do regime geral de Previdência. Não existe espaço nas contas públicas hoje para prorrogar esse benefício por muito tempo”, esclarece o especialista em políticas públicas Vinícius Botelho.

 

Divulgação - Especialista em políticas públicas Vinícius Botelho

Para Botelho, fortalecer o escopo dos programas sociais é uma saída, e não usar o auxílio emergencial que “tem uma finalidade” para renda básica prolongada.

“As projeções econômicas de queda da atividade tiveram dois momentos. Primeiro uma revisão da queda para quase 4%, e agora várias casas e especialistas de mercado estão falando em - 6%. Estamos tendo uma piora na condição econômica rápida, sem muita clareza se no segundo semestre teríamos uma recuperação também rápida ou não. É um risco postergar o auxílio, da forma como está, por muito tempo. Melhor oferecer um apoio mais adequado para a nossa realidade, tivemos déficit primário nos últimos anos e já estamos numa situação fiscal bastante frágil. Agora o que está se discutindo indiretamente é a necessidade de fazer uma escolha: dar uma proteção muito forte que não vai se sustentar ou dar proteção menor mais sustentada ao longo do tempo”, avalia.

"Uma ajuda na magnitude que foi pensada gera despesa, em termos anuais, da ordem de quase R$ 500 bilhões. É comparável à despesa do Regime Geral de Previdência. Não existe espaço nas contas públicas " - Especialista em políticas públicas Vinícius Botelho

Proposta do governo

Antes mesmo da definição do que fazer com o programa e a vida das pessoas no pós-pandemia, o governo precisa ainda dar conta do pagamento da segunda parcela do auxílio (que começa ainda a permitir saques em espécie a partir do dia 30) e definir cronograma da terceira leva dos pagamentos, além de trazer respostas para pelo menos outros 10 milhões de pedidos que não receberam sequer a primeira parcela.

Sem definição sobre o novo desenho para levar adiante o pagamento do auxílio emergencial, a proposta que desponta, até então, é uma espécie de transição até a ampliação dos programas sociais já existentes, a exemplo do Bolsa Família.

Na briga contra o tempo, o governo pode pagar mais R$ 600 aos beneficiários do auxílio emergencial, porém esse valor seria dividido em três parcelas de R$ 200. Essa proposta elevaria o gasto do governo em mais R$ 40 bilhões.

Em entrevista à rádio Jovem Pan, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse que haverá uma quarta parcela da ajuda e que talvez ocorra até mesmo um quinto pagamento. "Conversei com o Paulo Guedes (ministro da Economia) que vamos ter que dar uma amortecida nisso daí. Vai ter a quarta parcela, mas não de R$ 600. Eu não sei quanto vai ser, R$ 300, R$ 400; e talvez tenha a quinta (parcela). Talvez seja R$ 200 ou R$ 300. Até para ver se a economia pega", disse.

Uma reformulação dos programas sociais pode só sair no ano que vem, fora do orçamento de guerra - aprovado pelo Congresso para ações de enfrentamento à covid-19 este ano. Ainda sob comando de Osmar Terra, o ministério da Cidadania já preparava um pacote de mudanças nos programas sociais do governo, sobretudo o Bolsa Família, que tem sob o guarda-chuva do auxílio emergencial 19,2 milhões de beneficiários. Para essas famílias, só no caso de Pernambuco, a renda média passou de R$ 165,34 para R$ 600, crescimento de 262% no caso daquelas que não recebem a cota dupla de R$ 1,2 mil.

“Uma das lições que ficam da pandemia é que precisamos de instrumentos para agir rápido num choque econômico dessa magnitude. Expandir Cadastro Único, expansão rápida do Bolsa Família aumentaria a rede de proteção social no Brasil. No Bolsa Família, o benefício médio é de R$ 190. Recebem cerca de 14 milhões de famílias, um universo de 45 milhões de pessoas alcançadas. É um benefício que tem potencial muito grande para reduzir a pobreza e extrema pobreza. Vai ter um aumento de pessoa em situação de pobreza e é preciso fornecer apoio para essa população. O fortalecimento dessa rede é bastante importante”, assegura Botelho.

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de onde partiu o projeto de R$ 600 emergenciais, já assegurou que parlamentares já estão debruçados sobre a possibilidade de estender o auxílio. “De onde vamos tirar o dinheiro? Esse é o nosso desafio. Já coloquei parlamentares para estudar isso e montar uma proposta para o governo”.

 

 

 

 

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