Prefeitura diz que crise do coronavírus impediu fim de lixão em Camaragibe, no Grande Recife

Das 15 cidades da Região Metropolitana do Recife (RMR), apenas Camaragibe continua com um lixão em funcionamento
Marcelo Aprígio
Publicado em 25/06/2020 às 19:35
A cidade, no Grande Recife, produz cerca de 170 toneladas de lixo diariamente Foto: BOBBY FABISAK/JC IMAGEM


O novo marco legal do saneamento básico dá um prazo maior para municípios acabarem com os lixões e destinarem corretamente os resíduos sólidos. As datas dependem do tamanho de cada cidade e as menores terão um tempo alongado, mas o limite é agosto de 2024. Pela lei atual, esses prazos acabaram em 2014 e diversas prefeituras alegaram não ter recursos para cumprir a legislação.

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Dados divulgados pelo TCE-PE mostram uma queda no número de lixões em Pernambuco entre 2014 e 2020. Segundo o órgão, em 2014, 84,2% dos municípios pernambucanos destinavam seus resíduos sólidos aos lixões ou aterros controlados, aqueles que não são licenciados. No começo deste ano, o índice apresentou uma queda para 41,30%. Isso indica que 76 municípios dos 184 existentes em Pernambuco ainda estão depositando os resíduos a céu aberto. Das 15 cidades da Região Metropolitana do Recife (RMR), apenas uma continua com um lixão em funcionamento: Camaragibe.

Entre as cidades que ainda mantêm lixões, a situação que poderia ser resolvida com mais facilidade é a do município da RMR, localizado próximo a dois aterros, o de Jaboatão e o de Igarassu. O mais próximo está apenas a 24 km de distância.

A culpa é da crise causada pela pandemia

Com o prazo definido pelo TCE já vencido, Camaragibe, no Grande Recife, é um dos 65 municípios que poderão ser responsabilizados por meio de auto de infração e multa, cujo valor chega a R$ 50 mil, mas quando atualizado ultrapassa R$ 80 mil. Para evitar complicações com os órgãos de fiscalização, a prefeitura já iniciou um plano de ação para fechar o lixão. No entanto, com a chegada da pandemia do novo coronavírus, o processo foi paralisado.

“Concluímos a licitação para a escolha do aterro que receberá as cerca de 170 toneladas de lixo que produzimos diariamente. O vencedor foi Igarassu. Mas ficamos impedidos de continuar com plano por causa da queda de receitas durante a pandemia”, diz a secretária municipal de Infraestrutura e Serviços Públicos, Eryka Luna.

Segundo ela, com o déficit nos cofres da prefeitura, a escolha da empresa que fará o transporte dos resíduos até o aterro e o estágio de remediação, que determina o destino do lixo que permanece no lixão, foram interrompidos. “Tivemos uma queda (na arrecadação) que gira em torno de 30%, mas assim que restabelecermos nossas contas, vamos retomar o plano”, garante Luna, afirmando que isso pode acontecer ainda em 2020.

Com encerramento das atividades do lixão, a prefeitura estima que cerca de 100 catadores sejam afetados pela medida. Para contornar isso, a administração municipal deve criar um programa que integre essas pessoas aos serviços de limpeza urbana da cidade, montando uma associação de catadores para trabalhar na coleta seletiva no município.

Marco recebe críticas em Pernambuco

Com a aprovação do novo marco legal do saneamento básico, os lixões ganharam sobrevida, e sua extinção em Pernambuco corre o risco de paralisar, de acordo com o Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE). Isso porque o projeto aprovado na quarta-feira (24) pelo Senado Federal prevê mais uma prorrogação do prazo previsto na Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que visava acabar com lixões em todo país até agosto de 2014. Porém, diversas prefeituras alegaram não ter recursos para cumprir a legislação. Agora, o prazo mais longo previsto é agosto de 2024.

Este é mais um entrave para quem defende celeridade na adequação da destinação final do lixo nas mais diversas cidades do Estado.

Segundo o presidente da Associação Municipalista de Pernambuco (Amupe) e prefeito de Afogados da Ingazeira, no Sertão do Estado, José Patriota (PSB), um aterro sanitário é algo muito caro e demorado. Envolve estudos de impactos ambientais e licenças. “Quando o promotor chegou aqui propondo ampliar o prazo limite em mais um ano eu mesmo disse que era pouco. Sem investimento, precisa uns 10 anos”, diz o gestor, calculando que o custo para implantar um aterro sanitário parta de R$ 3 milhões, fora o terreno. “Nós dependemos das políticas estaduais e federais. Onde os lixões saíram do papel precisamos fazer um esforço, mas a política nacional de financiamento não existiu”, afirma ele.

O Estado possui 19 aterros sanitários, sendo 15 públicos e quatro privados, com condições para receber os resíduos de municípios que não ergueram o próprio. O novo marco do saneamento, porém, prevê maior participação da iniciativa privada no setor. Mas nem isso deixa o presidente da Amupe tranquilo. Patriota tem receio que os lixões sejam a parte mais frágil nos futuros contratos feitos com a iniciativa privada. “Com muito esforço, algumas prefeituras avançaram nessa questão de substituir os lixões pelos aterros sanitários. Mas ainda há o que eu chamo de buracos, área sem nenhum tipo de aterro sanitário, nem público e nem privado. A minha pergunta é se a iniciativa privada vai querer investir nesses lugares”, indaga Patriota.

Responsável por licenciar os aterros sanitários em Pernambuco, a Agência Estadual do Meio Ambiente (CPRH) avalia que melhorar a gestão dos resíduos sólidos depende da vontade política das prefeituras. O órgão, porém, reconhece as dificuldades de alguns municípios em destinarem corretamente seus resíduos sólidos, mas critica a prorrogação dos prazos para fim dos lixões trazida pelo novo marco legal do saneamento. “É fato que muitas cidades têm dificuldades financeiras e de distância para destinar corretamente seus rejeitos. No entanto, o adiamento do prazo beneficia gestores que não querem resolver o problema, mas postergar a solução”, diz o diretor de Controle de Fontes Poluidoras da agência, Eduardo Elvino.

Já o TCE acredita que a lei representa um retrocesso, pois pode aumentar os danos ao meio ambiente. “As novas datas-limite permitirão a manutenção e até o agravamento da situação da poluição dos mananciais pelo chorume (líquido gerado pela decomposição do lixo orgânico)”, aponta o gerente de Estudos e Auditorias Temáticas do TCE-PE, Alfredo Montezuma. Para ele, a medida vai intensificar e ampliar os problemas de saúde pública, com prejuízos ainda maiores para a questão social dos catadores.

No começo do ano, diante da iminente aprovação do marco legal, o tribunal preparou uma reação à má destinação dos resíduos sólidos. Desde fevereiro, gestões que descumprem as ações e prazos determinados pelo TCE estão sujeitas a sanções administrativas, cíveis e criminais, como as previstas pela Lei de Crimes Ambientais.

Além disso, os gestores também podem sofrer ação por improbidade administrativa por renúncia de receita, já que as cidades que obedecem às normas de destinação do lixo recebem uma parcela do ICMS Socioambiental. O valor ajuda a cobrir as despesas com operação e manutenção dos locais de recebimento dos resíduos. 65 municípios estão na lista e podem ser punidos.

Desde 2014, o TCE monitora a destinação do lixo em Pernambuco e orienta os gestores a se adequarem a práticas mais sustentáveis. O diagnóstico é encaminhado a outros órgãos, como a CPRH e o Ministério Público de Pernambuco (MPPE), para a aplicação de multas ou ações penais. É o que explica Eduardo Elvino. “Formamos uma força-tarefa para fiscalizar a existência dos lixões e compartilhamos informações. Isso tem facilitado nosso trabalho”, diz ele.

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