O maior volume de recursos na mão dos mais pobres, proporcionado pelo auxílio emergencial, foi um dos fatores responsáveis por deixar o preço dos alimentos mais caros durante a pandemia do novo coronavírus. Para se ter ideia deste aumento nos custos, enquanto o IPCA para o Grande Recife fechou o acumulado de janeiro a julho com taxa de 1,52%, no setor alimentar alguns produtos, como cereais, oleaginosas e tubérculos, chegaram a valer 20% a mais no período.
Especialistas explicam ainda que, além do auxílio, a limitação da oferta no campo, sob influência da demanda interna e da safra, também dá as cartas.Têm importância relevante, ainda, a demanda externa e a taxa de câmbio, encarecendo as importações e favorecendo as exportações.
“A alta de alimentos é uma combinação de múltiplos fatores”, explica o gerente de Informação de Mercado Agrícola do Ceasa-PE, Marcos Barros. Segundo ele, os estoques de alimentos sofreram queda em contraposição à procura, puxados para baixo pelo aumento do consumo entre os mais pobres, em decorrência do aumento da renda desse grupo com o auxílio emergencial. “Além disso, as sanções americanas à China fizeram o Brasil aumentar as exportações para o país asiático, reduzindo os estoques internos”, pontua.
A alta nos custos começam a ser sentidas pelos brasileiros logo cedo, no café da manhã. A inflação do café, leite, manteiga e pãozinho superam o IPCA do último mês. Todos eles estão com variações de 1,82% a 17,09% nesse período. De acordo com o coordenador do Índice de Preços ao Consumidor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), André Braz, o café segue tendência do mercado internacional, uma das commodities que mais sobem nas últimas semanas. “Já leite e derivados refletem a menor oferta de matéria-prima”, explica o economista.
O bolso também aperta durante o almoço, uma vez que arroz e feijão têm variações superiores à da inflação média. O arroz, segundo os dados do IBGE, apesar do período de safra, está com evolução de 11,96%. “O Brasil reduziu a área de plantio do cereal, e parte dessa área foi ocupada pela soja, mais rentável e de melhor liquidez para os produtores”, afirma a gerente de planejamento e pesquisa do IBGE em Pernambuco, Fernanda Estelita, ressaltando que, além disso, o câmbio onera as importações e favorece as exportações.
O feijão, devido a problemas climáticos na primeira safra, teve produção menor. Na próxima, a leguminosa está perdendo área para o plantio de milho irrigado. Carnes suína e de frango ainda dão um alívio, porque estão com queda de preços, mas a bovina persiste no aumento. Cortes mais baratos, como músculo e acém, têm aumentos superiores a 3,10%. “Isso acontece por causa do aumento significativo das exportações de carne bovina em julho, sobretudo para China e Hong Kong e do aumento no preço da arroba do boi gordo”, diz Marcos Barros, do Ceasa-PE. Segundo ele, no Estado, a arroba subiu 48% em relação ao mesmo período do ano passado.
A opção por uma proteína mais barata, como o ovo, também não é solução. A pandemia fez o pernambucano elevar o consumo dessa proteína, elevando o preço do produto em 9,90%. “Boa parte da alta dos preços desses produtos ocorre devido à elevação de custos de produção provocada pelo aumento do milho e do farelo de soja”, conta Fernanda Estelita. “A alta nos preços também acontece porque a procura por ovo já supera o potencial de produção das granjas”, diz. No mesmo caminho, os preços do milho e da soja superaram entre 40% e 28%, respectivamente, os índices do acumulado do ano passado.
Segundo André Braz, o preparo desses alimentos na cozinha também está custando caro aos brasileiros. “Os grandes volumes exportados de milho e de soja influenciam nos preços internos”. O óleo de soja, por exemplo, teve alta de 11,04%.
Os componentes da salada também precisam ser muito bem escolhidos. Batata-doce, batata-inglesa, tomate, cenoura e cebola tiveram aumentos de até 113% no acumulado do ano. A fruta do pós café da manhã ou almoço também ficou mais cara. Maçã, uva melancia, abacaxi e melão cresceram de 5,02% a 23,79%, bem acima da inflação média de 1,52%. Com as frutas pesando mais no bolso, tomar suco para acompanhar as refeições também ficou mais salgado. O item apresentou uma elevação de 3,83% de janeiro a julho.
Nem tudo, porém, ficou mais caro para o pernambucano. O macarrão caiu quase 6%. Movimento semelhante foi sentido no contrafilé (-8,52%), na alcatra (-5,97%) e no patinho (-5,35%).