Depois de mudança de nome e muitas idas e vindas, o Renda Cidadã foi anunciado nesta segunda-feira (28) pelo governo federal, mas não foi bem recedido nem pelo meio político nem pelo mercado. A Bolsa caiu 2,41%, com o Ibovespa registrando o menor índice desde 10 de junho, em função da recepção negativa. A polêmica gira em torno de como o programa social, que vai substituir o Auxílio Emergencial e o Bolsa Família, será financiado. O dinheiro virá do que está reservado no Orçamento para o pagamento de precatórios e de recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), o principal mecanismo de financiamento da educação no País.
O anúncio foi feito durante reunião do presidente Jair Bolsonaro, do ministro da Economia, Paulo Guedes, e de líderes do governo e partidos. O senador Márcio Bittar (MDB-AC), relator do programa que será incluído na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) emergencial, explicou que 2% da receita corrente líquida é usado para pagar precatórios e o que sobrar nessa conta (limitado a R$ 55 bilhões) será aplicado no Renda Cidadã.
No mercado e no meio político, o uso do dinheiro dos precatórios para garantir o Renda Cidadã soou como um possível 'calote'. Os precatórios são valores que o governo deve a pessoas físicas ou jurídicas depois de sentença definitiva na Justiça. Na prática, o governo vai destinar um valor menor para quitar suas dívidas com empresas e pessoas físicas, tornando a espera por esses pagamentos ainda maior, uma vez que a liberação só ocorre após uma longa tramitação.
Também não foi comemorada a utilização dos recursos do Fundeb. O relator informou que até 5% do novo recurso para o Fundeb será deslocada para que beneficiários do programa mantenham seus filhos na escola, mas não deu detalhes. Essa ideia já foi proposta pela equipe econômica na época de votação do novo Fundeb, mas foi vetada pelo Congresso. A expectativa é que o incremento no Bolsa Família seja de R$ 30 bilhões. Para 2021, o orçamento para o programa está previsto em R$ 34,9 bilhões. Outro ponto que frustrou o anúncio do programa social foi o detalhamento dos valores e do acesso. A proposta do governo é incluir trabalhadores informais como beneficiários, mas não divulgou as regras.
As críticas ao modelo de financiamento do Renda Cidadão explodiram em todo o Brasil. O deputado federal Danilo Cabral (PSB) disse que o governo Bolsonaro está "tirando dos mais pobres para dar aos paupérrimos".
Criado em 2007 de forma temporária, em substituição ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), o Fundeb é uma das principais fontes de financiamento da educação no Brasil. Em agosto, durante votação de PEC no Congresso, o Fundeb se tornou uma política permanente.
A proposta obriga a União a aumentar, progressivamente, sua participação no Fundo, dos atuais 10% para 23% até 2026. Se for utilizado 5% dos recursos do fundo, a União não estará cumprindo a sua cota de 23%. Desses 23%, a União teria o compromisso de destinar 5% às educação infantil. Após a votação em agosto, os deputados discutem agora a regulamentação proposta no projeto de lei 4.372/20.
Um dos coautores do projeto, Danilo Cabral defende que a ideia do governo não é possível nem do ponto de vista técnico nem ético. "Sou defensor de um programa de renda básica, mas não não podemos tirar da educação. O dinheiro previsto para o Fundeb deve ser utilizado no financiamento da educação básica, no ensino infantil e médio. Além disso, o programa é uma política de proteção social,m não está vinculado à educação", destaca. Um dos dispositivos da Lei de Diretrizes de Base da Educação é que a pré-escola é uma atividade pedagógica e não assistencial.
O deputado lembra que a destinação de 5% do Fundeb para a educação infantil foi muito bem recebida pelos parlamentares e que o governo federal não poderia mudar isso depois de ser aprovado.
No mercado financeiro, os movimentos foram de queda na Bolsa e disparada do dólar. A reação negativa ao programa Renda Cidadã fez a moeda norte-americana registrar alta de 1,42%, cotada a R$ 5,63. Esse foi o maior patamar desde o dia 20 de maio, quando alcançou R$ 5,68. Já a Bolsa, andou na contramão da tendência internacional e fechou em baixa de 2,41%, aos 94.666 pontos.
O Diretor de Risco & Compliance da MultinvestCapital - especializada em gestão de recursos no mercado financeiro -, Osvaldo Moraes explica que vários fatores estão provocando insegurança no mercado financeiro. "A proposta da Renda Cidadã aparece como criação de despesa, cuja tendência é furar o teto de gastos e recair nas pedaladas fiscais. A postergação dos precatórios é calote. O mercado vê isso com maus olhos. Sem falar no atraso da reforma tributária e no aumento das despesas do governo provocados pela reviravolta da covid-19, que exigiu a necessidade de criar renda", observa.
O especialista observa que enquanto as bolsas estão bombando no mercado internacional, o Brasil anda co sentido oposto por conta do equilíbrio fiscal, do atraso na realização das reformas e de interferência nas empresas. "Na quarta-feira teremos outro fator que poderá influenciar o mercado: é aguardada a votação no STF decidindo se a Petrobras precisará de autorização do Congresso Nacional para vender suas unidades de refino, incluindo a Refinaria Abreu e Lima aqui em Pernambuco. "O mercado financeiro está refletindo as questões econômicas do governo, que tem trazido insegurança ao investidor", analisa Moraes.