O consumidor já percebeu que a feira no supermercado ficou mais cara e que vários produtos subiram de preços nas lojas. Essa percepção é resultado de uma combinação explosiva da alta do dólar ao longo do ano e do desabastecimento de matérias-primas no mercado interno. Diante da conjuntura, os custos industriais aumentam e terminam chegando na ponta. Em Pernambuco, várias empresas estão preocupadas com esses efeitos negativos sobre a indústria local. Os setores de plástico, construção, couro, cerveja e leite são alguns dos afetados.
Ao longo de 2020, o real acumula desvalorização de quase 40% frente ao dólar e a moeda continua tendo repiques como ontem, quando a cotação fechou a R$ 5,63. Outra dificuldade é o desabastecimento de matéria-prima, com a economia em fase de retomada e muitas indústrias operando com capacidade ociosa por falta de material para produzir. Na tentativa de minimizar o cenário adverso, o setor busca alternativas como a redução de tarifas de importação e mais acesso aos mercados internacionais.
O gerente de Relações Industriais da Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco (Fiepe), Maurício Laranjeira, explica que, de uma hora para outra, muitas indústrias, em diversos países, paralisaram suas atividades no ápice do isolamento, seguindo as medidas restritivas de cada local, interrompendo a produção e o abastecimento. Com a retomada, os produtores nacionais não estão conseguindo atender à demanda por falta de matéria-prima, porque houve uma paralisação global de várias atividades que atendem a indústria. "A dificuldade de encontrar insumo internamente se deve ao fato de as indústrias ofertantes nos mercados interno e externo também terem parado ou passado a produzir menos, e os negócios que precisaram recorrer à matéria-prima de fora tiveram que absorver a variação cambial dos últimos meses", observa.
As cervejarias decidiram aumentar os preços logo no início de setembro, com elevação entre 4% e 5% nos produtos. Para os grupos Heineken e Ambev, o dólar foi a principal justificativa para a elevação dos valores. De acordo com o mercado, a moeda norte-americana representa cerca de 30% do custo de produção, em função de matérias-primas como o malte e o lúpulo. Apesar de o Brasil ter produção de malte, por ser uma commodity se baseia no preço internacional.
No mercado de leite, os produtores e os industriais se beneficiaram do aumento do consumo, mas também se depararam com elevação nos custos de produção por conta dos insumos dolarizados. Do lado do produtor, o aumento veio da ração para o gado. O presidente do Sindicato dos Produtores de Leite de Pernambuco (Sinproleite), Saulo Malta, diz que o preço dos farelos de soja, milho e algodão dispararam por conta do dólar. "O valor do saco de soja, que no início do ano custava R$ 72 atualmente está em R$ 128; o de algodão passou de R$ 42 para R$ e o de milho de R$ 29 para R$ 55", compara. Do lado da indústria, o dólar jogou os preços das embalagens para cima. Tanto a caixinha cartonada quanto o saquinho foram reajustadas por conta do câmbio.
A indústria de transformação de plástico, que está presente na cadeia de vários setores produtivos, vem sofrendo com a descapitalização das empresas, concentração do mercado, alta do dólar, aumento na cotação do produto e tarifa de importação alta. A resina plástica é tratada como commodity e tem sua cotação atrelada ao preço internacional em dólar.
"Outra dificuldade é que existe uma forte concentração da indústria termoplástica no Brasil, com a Braskem sendo responsável por 85% da capacidade de produção do País. A composição de preços da empresa leva em conta a cotação da resina no mercado internacional em dólar e adiciona 14% que é o imposto de importação em vigor no Brasil", detalha o empresário do ramo da indústria de transformação de plástico em Pernambuco, Anísio Coelho.
Com a supervalorização do dólar, os preços das resinas subiram. Além disso, muitas indústrias globais paralisaram a produção durante a pandemia e as fábricas não são fáceis de retomar, em função da complexidade do setor. "Além do dólar alto, tem a queda na oferta e o aumento da demanda por conta da retomada (pós-quarentena) e a alta no valor da resina. O resultado é que todos nós sofremos com isso: o industrial, o comércio e o consumidor. Sem falar na preocupação com o aumento da inflação, já que o setor atende às mais diversas cadeias produtivas", observa Coelho.
Em Pernambuco, o setor responde por 4% da produção nacional e gera entre 10 mil e 11 mil empregos. As 230 empresas de transformação de plástico em operação fornecem PVC para a construção, peças automotivas (indústria de veículos), embalagens em geral, produtos descartáveis, embalagens para higiene e limpeza, embalagens para medicamentos e outros. Um dos pleitos do setor em âmbito nacional é reduzir a tarifa de importação para facilitar as compras no mercado externo. Hoje, ela está em 14% no País, enquanto a média mundial é de 6%. Para a atividade, expectativa de melhora só a partir de dezembro.
No vácuo da indústria de transformação de plástico está a construção civil, demandante do plástico em PVC. Mas não é somente este insumo que vem passando por rearranjos inflacionários. De acordo com o empresário da construção do civil, José Antônio de Lucas Simon, a oscilação cambial está gerando dificuldade para o segmento, que começa a sentir os efeitos da desaceleração por conta do controle do preço e da cotação internacional. “Sobretudo nas compras de aço e cimento, cujos fabricantes são mais restritos e suas cotações são baseadas no mercado externo. O que é um problema para o consumidor, que, em breve, sentirá um aumento dos preços”, revelou. Na atividade, a inflação dos custos produtivos variou entre 20% e 30%.
Este é o mesmo cenário vivido pelo empresário do setor de couro Rafael Coelho, que, pelo fato de muitos dos seus insumos serem dolarizados, o impacto em sua atividade chegou a ser de 60%. “Claramente, a indústria se desarticulou, diminuiu a produção e, com a retomada, houve um movimento em V, o que tem gerado uma dificuldade também com transporte por conta do excesso de demanda”, diz, frisando que o grande problema são as variações cambiais bruscas, que provocam desajustes no mercado. Coelho defende, portanto, a redução ou o fim das tarifas de importação para viabilizar o mercado interno, pelo menos neste momento de crise. O Brasil é um dos maiores exportadores de couro do mundo, movimentando 1 bilhão de dólares a partir da existência de 200 empresas no País.