No início de 2020, o desejo do psicólogo Raffael Araujo, 23, era comprar um par de alianças de ouro para celebrar o noivado com sua companheira. Veio a covid-19, os planos foram adiados e, agora, no último mês de dezembro, a iniciativa de procurar uma joalheria para efetivar a compra trouxe uma grande surpresa. “Eu tinha visto antes em torno de R$ 400. Fui ligar para as joalherias do Centro do Recife no último mês, e as mais fininhas (alianças com menos gramas de ouro) já custavam R$ 750. Tomei um susto e fui obrigado a manter a compra para depois”, diz. Em meio às turbulências do ano passado, o ouro foi o investimento com maior rentabilidade em 2020, de acordo com ranking do banco BTG Pactual. O metal nobre valorizou-se 55,9% em reais.
A especulação do mercado financeiro em busca de ativos mais seguros elevou a cotação do ouro, aumentando bastante o preço inclusive de peças em joalherias e do grama no mercado informal favorecendo a desfeita dos bens.
Nas ruas entre os bairros de Santo Antônio e São José, no Centro do Recife, não é raro se deparar com anúncios rústicos em pedaços de madeira que chamam para a compra e venda de ouro. Homens e mulheres sem trabalho de carteira assinada disputam potenciais clientes para receber uma remuneração de R$ 90 na semana mais as passagens de ônibus ou barganhar um percentual da venda de uma peça boa de ouro.
“O ouro subiu. Isso é verdade. O grama aqui foi de R$ 90 a R$ 190 ( 111%) de um ano para outro (entre 2019 e 2020). A gente estava parado por conta da pandemia, mas já apareceu mais gente querendo vender o que tem de ouro. O problema é que aqui chega muita coisa que parece ouro mas não é. Então a gente faz muito só a avaliação. Quando chega uma peça boa, perto dos 10 gramas é que eu consigo uns R$ 1 mil da venda. Mas o normal é ganhar de R$ 20 a R$ 30”, conta Fábio de Lima, 37 anos.
Se nas ruas a valorização do metal em meio às dificuldades econômicas atraiu mais gente para se desfazer de seus bens valiosos, do outro lado do balcão, nas joalherias, a busca tem sido por manter preços acessíveis aos clientes.
“A gente ficou com a loja fechada até julho. Quando voltou já foi com alta nos preços das joias de ouro. No mês de dezembro é que mesmo com a alta o pessoal comprou mais, sobretudo aliança, mas as vendas nem se compararam ao mesmo mês de 2019”, conta a vendedora da JS Joias, Catarina Diniz.
No estabelecimento, um par de anéis de 16 quilates saltou de R$ 290 para R$ 400 (37%) o par. Enquanto os anéis de 18 quilates (com seis gramas de ouro) subiram ao longo do ano passado de R$ 480 para R$ 640 (+33%). Na compra, geralmente de peças da própria loja que os clientes buscam se desfazer, o grama variava entre R$ 90 a R$ 100. Agora gira em torno dos R$ 170.
“Se há um culpado podemos dizer que é o mercado financeiro e a especulação. O ouro é um investimento de segurança e, no momento de incerteza, as pessoas geralmente o procuram mesmo. De janeiro de 2020 para cá dobrou o preço do grama. Foi de R$ 200 a R$ 400, mas por aqui as vendas se mantiveram normais”, avalia Zeca Moraes, da joalheria homônima existente há mais de 50 anos.
O ponto de vista é compartilhado pelo sócio da Múltiplos Investimentos João Victor Scognamiglio. “A gente está passando por uma época de expansão monetária (maior liquidez), e o ouro por ser um ativo escasso se torna uma reserva de valor. Na minha visão, houve um aumento de oferta de dinheiro na economia e, em meio às incertezas, essas reserva de valor que o ouro faz com que as pessoas mantenham ou aumentem o seu poder de compra”.
A corrida pelo ouro, além da compra e venda de peças no que pode ser chamado de mercado físico, também tem outros caminhos para quem deseja investir no ativo. No mercado financeiro, opções comuns são as negociações de contratos futuros, a compra de barras de ouro ou a aplicação em fundos.
“Na compra do ouro físico, há corretoras que vendem a barra de ouro. Essa é a forma mais antiga de investir nesse metal, porém tem mais custo envolvido, com taxa de forja, taxa de envio. Você compra o bem e fica para você, em casa ou onde queira guardar. As corretoras garantem a recompra, mas você também paga pelo reenvio das barras”, explica Scognamiglio.
Segundo ele, a forma mais simples de investir em ouro é através dos fundos de investimento no metal nobre. “Você compra a cota, paga uma taxa de administração e o fundo investe em ouro para você. Ele fica com a responsabilidade de fazer a custódia ou comprar ativos relacionados a ouro”, explica.
Uma terceira via se dá através dos contratos futuros de ouro na Bolsa de Valores. Nesse caso, pode ser negociado o lote-padrão de 250 gramas de ouro fino ou o lote-padrão de 10 gramas de ouro fino ou 0,225 gramas. Nesses dois últimos casos não é possível a retirada física do produto no vencimento do contrato.
A bolsa negocia o ouro em reais por grama. No Brasil, a cotação de ouro reflete as expectativas do mercado internacional atreladas ao mercado interno e à variação do dólar. Não sendo negociado, portanto, em relação à onça troy, como no mercado internacional.
“O maior problema desse tipo de contrato é que eles são caros. O menor valor atualmente deve ser R$ 90 mil. No geral, a minha visão é de o ouro cabe no perfil de qualquer tipo de investidor. Agora as pessoas têm que ter em mente que o ouro é proteção de patrimônio, uma reserva de valor”, ressalva o sócio da Múltiplos Investimentos.
No último mês de dezembro, a XP lançou o primeiro ETF de ouro do mercado nacional. O fundo busca replicar o preço do ouro em dólar através do ativo offshore Ishares Gold Trust ETF (IAU), gerido pela BlackRock — e cujas cotas comporão, no mínimo, 95% do seu patrimônio.
O novo produto é negociado na B3 sob o código GOLD11 e foi aberto a investidores em geral. A taxa de administração é de 0,30% ao ano. O investimento mínimo é de uma cota do fundo, que iniciou com preço estimado em aproximadamente R$ 10.