Em mais um aceno aos militares, o Congresso Nacional incluiu na PEC que recria o auxílio emergencial um dispositivo que abre caminho para carimbar receitas e destiná-las a ações de "interesse à defesa nacional" e "destinadas à atuação das Forças Armadas". A medida vai na direção contrária do que prega a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, que defende a necessidade de maior flexibilidade no Orçamento.
A alteração foi introduzida na versão final do parecer do relator, senador Marcio Bittar (MDB-AC), poucas horas antes da votação no plenário do Senado. Outros grupos de interesse dentro do governo também conseguiram blindar suas receitas, como a Polícia Federal. O texto ainda precisa ser aprovado em dois turnos na Câmara.
A manobra chamou a atenção de técnicos e de economistas de fora do governo, pois o objetivo central da equipe de Guedes é justamente o oposto: tirar o máximo possível de carimbos das receitas para combater represamento de recursos em certas áreas. Se as receitas vinculadas não são usadas, elas não podem financiar outro tipo de gasto, mesmo que haja necessidade.
A medida preserva a vinculação de recursos que já existem, como royalties de petróleo que hoje ficam sob a alçada do Comando da Marinha. No Orçamento de 2021, a arrecadação prevista nesse item é superior a R$ 1 bilhão.
A maior preocupação, porém, é com a brecha criada para a criação de novas vinculações. O economista Marcos Mendes, pesquisador do Insper e que já chefiou a Assessoria Especial do Ministério da Fazenda, afirma que o texto ficou "muito aberto", deixando margem para que uma lei declare que um porcentual de determinado imposto será receita de interesse nacional, ficando vinculado a despesas da Defesa.
"Acho isso um risco grande, dado o ímpeto e o poder político que as Forças Armadas adquiriram neste governo. Podem capturar uma parcela grande do Orçamento", afirma Mendes. "O que são receitas de interesse da defesa nacional? Abre uma porta grande para começar a vincular recursos para as Forças Armadas", acrescentou.
Procurado, o Ministério da Economia não quis comentar o assunto. O Ministério da Defesa não respondeu até a publicação deste texto. A última versão do texto da PEC também tratou de livrar do alcance das desvinculações o Funapol, da Polícia Federal, abastecido com taxas e multas cobradas pelo órgão.
Esse não é o único dispositivo da PEC emergencial que beneficia os militares. Como mostrou o jornal O Estado de S. Paulo, outro trecho do texto vai blindar reajustes na remuneração de militares das Forças Armadas do alcance dos gatilhos de contenção de despesas.