A busca por renda extra tem se intensificado em meio à pandemia de covid-19 levada por um fenômeno incentivado pela elevação das taxas de desemprego e pela necessidade de isolamento social: aplicativos que pagam pessoas sem sair de casa. A prática, já conhecida em plataformas como TikTok, PicPay, PayPal, se popularizou com a chegada do Kwai no Brasil. Com isso, muitas pessoas têm dedicado seus minutos, horas e até dias na semana para consumir vídeos curtos sobre os mais diversos assuntos, que vão de culinária, passando por aprendizado e chegando até entretenimento em geral.
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Basicamente, essas empresas monetizam pessoas que indicam o app por links ou códigos para outros baixarem ou cumprem missões diárias, como ver determinada quantidade de vídeos e fazer check-ins em lugares, por exemplo. Os usuários podem receber de centavos a pouco mais de R$ 10 por cada “missão” concluída com sucesso. O pagamento é feito via transferência bancária ou Pix, e pode demorar mais de 24 horas.
Não à toa, a plataforma de vídeos chinesa Kwai tem conquistado cada vez mais usuários. Basta ver pelos comentários repetidos de pessoas suplicando para que terceiros usem seus códigos ou acessem seus links, afinal, tudo é faturamento.
Uma das pessoas que aderiram a essa alternativa financeira em momentos de crise foi Viviane Lima, 43 anos. Demitida do emprego de vendedora em setembro de 2020, ela tem dividido seu tempo entre cuidar das tarefas domésticas e acessar o app. A renda principal entra na casa através dos trabalhos feitos pelo marido, que é vendedor ambulante no Centro do Recife. “Quando aparece uns bicos ele faz. Graças a Deus o pouco que ele ganha dá para a gente se alimentar”, pontua.
No último fim de semana, ela passou uma madrugada inteira em claro. Deitada em sua cama, assistiu a centenas de vídeos curtos até perceber a luz do sol entrar pelo basculante do seu quarto. “Eu estava preocupada porque só tínhamos um pacote de café e bolacha aqui em casa. A gente precisava comprar alguma coisa, mas o que meu marido consegue apurar não está dando para muito. Aí, juntei o útil ao agradável e fui assistir os vídeos para, pelo menos, conseguir o dinheiro do pão, de um arroz, coisas assim”, conta ela, que conseguiu juntar apenas pouco mais de R$ 7 naquela longa madrugada.
Viviane ficou interessada nesses programas após ver publicações pipocarem todo dia nas redes sociais. No Facebook, há dezenas de grupos voltados para esse interesse, o maior deles com mais de 90 mil usuários. Nesses espaços, perfis reais e fakes enviam links e indicações para cadastro em aplicativos em todas as publicações para serem remuneradas por essas empresas. No começo, assim como muitos, ela não acreditava na possibilidade do retorno financeiro de uma forma, aparentemente, simples, mas confessou surpresa ao ver que, sim, o dinheiro era creditado.
“O dinheiro cai na conta mesmo, mas não é tudo isso que muita gente diz por aí. Eu uso internet, assisto, assisto e assisto para ganhar R$ 1, R$ 2 por dia. Desanima demais”, desabafa ela. “Tem que assistir bastante vídeo mesmo, mas, às vezes, até cansa porque eu tenho os meus afazeres. Talvez por isso que eu quase não ganho tanto dinheiro como as outras pessoas”, completa.
Atitude parecida com a de Viviane tomou Filipe Barros, 26 anos. Sem emprego desde que o contrato do estágio encerrou em janeiro deste ano, ele instalou o Kwai no celular. Familiarizado com a usabilidade da rival Tik Tok, tem dedicado horas a fio ao aplicativo. "Desde que entrei, a plataforma tornou um pouco mais extenso os minutos para assistir. Então hoje eu estou, em média, assistindo 50 vídeos por dia e por semana uns 350 vídeos. Então, com o mercado de portas fechadas para mim, nos últimos meses esse tem sido meu trabalho" conta ele.
Tal dedicação tem gerado resultados que ele considera aquém do esperado. “Ultimamente, estou ganhando aproximadamente 40 centavos assistindo. Quando indico já ganho R$ 3,00 e, claro, conforme a pessoa vai usando no decorrer dos dias eu lucro mais, que no caso é no máximo R$ 12 ”, explica o jovem, afirmando não ver a hora de arrumar um emprego para não mais depender do aplicativo. “No mês, fica mais do que o auxílio emergencial, mas para ganhar isso é um sofrimento. Tem que ralar muito”, diz ele, que ainda usa o PicPay para tentar aumentar a renda.
ALERTA PARA OS RISCOS
Somada à dificuldade de fazer um bom valor em dinheiro, os usuários ainda enfrentam a ocorrência de golpes em algumas “missões”. Isso porque, para ser remunerado em algumas das atividades a cumprir, os aplicativos pedem que os usuários façam transferências bancárias para serem pagos. É neste momento que ocorrem as pequenas fraudes, quando pessoas desconhecidas realizam movimentações financeiras de R$ 5 ou R$ 10, e o golpista bloqueia o perfil da pessoa assim que o dinheiro cai na conta.
De acordo com a advogada especialista em Direito do Consumidor, Danielle Sechi, do IM&S Advogados, é preciso estar atento a situações desse tipo. “O consumidor deve prestar atenção nesses casos e não processar qualquer movimentação financeira caso não tenha convicção de que o interlocutor é de confiança e de fato representa a empresa. É importante entrar em contato com a empresa para checar se de fato trata-se de um representante credenciado”, diz.
Danielle acrescenta ainda que as empresas podem ser responsabilizadas por tais fraudes. “O primeiro passo é registrar um boletim de ocorrência e notificar a plataforma, que precisa fazer as correções necessárias ou até cessar as ações em função dos prejuízos que está gerando a terceiros. Se for o caso, o usuário pode solicitar o reembolso dos valores subtraídos. Se a empresa se negar a fazer isso, o consumidor deve procurar o Procon e, em última instância, o Juizado Especial”, explica a advogada.