A crise sanitária provocada pelo coronavírus provocou um tsunami no turismo, que encolheu de tamanho, demitiu e vive na incerteza de uma pandemia que não acaba e provocou a redução drástico do principal ator que move esse mercado: o turista. "De uma hora para outra, pararam as vendas em 100%. A gente estava acostumado com crises, envolvendo problemas relacionados aos outros países, o óleo que apareceu na praia. Mas nada chegou perto dessa pandemia", comenta o vice-presidente da Associação Brasileira das Agências de Viagens (ABAV), Marcos Teixeira de Freitas, que também ocupa o mesmo cargo na ABAV-PE. Com 29 anos no mercado, ele diz "nunca ter visto uma coisa dessa". Do grande hotel à microempresa como, por exemplo, uma agência de viagem, todos foram muito impactados.
Marcos é um dos sócios da Martur Viagens e Turismo, empresa que faz receptivo, vende passagens e pacotes de turismo, realiza passeios turísticos pela cidade, além de alugar ônibus e vans para viagens turísticas ou empresas. "As vendas de passagens e pacotes caíram 100%. O que me salvou foi a parte de fretamento feito às empresas, que teve um aumento de 30% do faturamento", comenta Marcos. A frota da empresa tem 65 veículos, entre ônibus e microônibus. O aumento no fretamento dos ônibus ocorreu porque as empresas tiveram que transportar uma menor quantidade de funcionários para cumprir o distanciamento social imposto pela pandemia. Por exemplo, passaram a ser contratados dois ônibus, cada um levando 24 trabalhadores, substituindo um veículo que antes transportava 48.
A queda no movimento e o recuo no faturamento levou Marcos a fechar um loja que a empresa tinha no Aeroporto do Recife. Lá trabalhavam 12 pessoas fixas e nove pessoas que faziam o receptivo, prestando serviço de forma esporádica. "Alguns eu tive que dispensar. Outros entraram no benefício do governo federal e estão trabalhando na matriz, que é a loja de Boa Viagem", conta. O benefício citado foi o programa de redução dos salários e da jornada. Antes da pandemia, a empresa tinha 110 funcionários. Agora, são 85. "Atualmente, as vendas de pacotes e passagens voltaram a ser 10% do que eram antes da pandemia", comenta, acrescentando que se forem adotadas regras mais rígidas de convivência, como o lock down, aí a movimentação turística volta a cair de novo. E complementa: "Estamos na incerteza. Não se sabe como vai ser hoje. Nem como será o amanhã. Teve agência de turismo que ficou sem vender nada", desabafa.
"Foi enlouquecedor. Estávamos acostumados a trabalhar sete dias por semana e em 24 horas. E sempre atentos a tudo que poderia acontecer com os nossos clientes, mandava um zap pra saber se chegou direito, entre outras coisas. De repente, parou e quem estava com a passagem comprada não podia mais viajar", lembra a diretora da SW Viagens, Sylvia Wolfenson. A agência dela tinha cinco funcionários, que foram desligados. "Esperei um mês e o movimento não voltou ao normal. Resolvi demitir para garantir o pagamento de tudo que tinha que ser pago, como multas, FGTS, além deles receberem o seguro desemprego. Ninguém sabia, quando ia voltar. Depois disso, alguns fizeram um Micro Empreendedor Individual (MEI) e prestam serviço, quando aparece", diz.
Sylvia afirma que foram praticamente seis meses sem vender nada, de março a agosto do ano passado. "Hoje, estamos vendendo de 10% a 15% do que era comercializado antes da pandemia. A agência está aberta, mas estou trabalhando em home office e passo boa parte do tempo sem fazer nada", relata. Antes, a quantidade de serviço na sua agência era "puxado" para ela e os cinco funcionários. O escritório da agência no Bairro do Recife está com as portas fechadas. "Também fiz um acordo com o proprietário do imóvel (do escritório) e não estou pagando o aluguel. Só os impostos. Tem que cruzar os braços e esperar o tempo passar", lamenta Sylvia, dizendo que vai continuar na área de turismo na qual atua há 36 anos, porque é o que gosta e sabe fazer.
HOTEIS
O presidente da secção pernambucana da Associação Brasileira de Agência de Viagens (ABIH-PE), Eduardo Cavalcanti, diz que 95% dos hoteis em Pernambuco ficaram de portas fechadas por falta de hóspedes no começo da pandemia. "Hoje a ocupação está em 20% a 25% no Recife. O ponto de equilíbrio para pagar as despesas fixas é entre 45% e 50% de ocupação", argumenta.
Segundo informações da ABIH, já fecharam dois hoteis em Caruaru e um no Grande Recife depois da pandemia. " A nossa expectativa é de que ocorra uma retomada da vacinação em março de 2022. Só retoma, quando a vacinação estiver completa", acredita Eduardo. Segundo ele, desapareceram cerca de 25% dos 600 mil empregos que existiam no setor do turismo no País em 2020. "A outra parte que continuou trabalhando teve redução de jornada e de salário", acrescenta. Eduardo é diretor do Hotel Portal de Gravatá, que antes da pandemia tinha 200 funcionários e agora está com 130 trabalhadores.
E ele resume a atual situação do setor: "Voo internacional não chega. O litoral Sul tinha um turista que vinha do Sudeste e do estrangeiro", comenta. A sugestão dele é de que deveria ser feita uma campanha mostrando que os empresários do setor no Recife estão obedecendo todos os protocolos de segurança para atrair mais turistas. E alfineta: "os hotéis estão com 25% de ocupação, mas estão pagando 100% de IPTU". O IPTU incide sobre a propriedade do imóvel.
Quem é pequeno também não escapou do impacto da pandemia. A Pousada do Amparo, na rua de mesmo nome em Olinda, passou de março a julho do ano passado fechada. "Na pandemia, já ocorreram várias fases. O final do ano não foi tão ruim com a ocupação chegando, em média, a 70% em dezembro e janeiro. Agora, os nossos clientes mudaram totalmente. Antes do coronavírus, os nossos hóspedes vinham de outras capitais, com um perfil mais nacional, e do estrangeiro. Esse último tipo de turista praticamente desapareceu. Agora, é um público regional e dos arredores", comenta o gerente do estabelecimento da Pousada Amparo, Victor Castelo Branco.
O estabelecimento também tem dois restaurantes renomados: o bistrô Som do Coco e o Beijupirá, que também atraem público para o hotel. A média de ocupação de março e abril ficou em 15%. O empreendimento tinha 19 funcionários antes da pandemia e passou a funcionar com 13. A Pousada está trabalhando com pacotes românticos que incluem o jantar e oferecem um preço único ao hóspede. E uma curiosidade: uma parte dos clientes são médicos. "Numa época tão complicada, tomar um bom vinho e ter um bom jantar é uma espécie de refúgio mental", argumenta Victor, citando um dos atrativos para atrair clientes.
EM NÚMEROS
O faturamento do turismo de Pernambuco caiu 36% em 2020, comparando com o ano anterior, segundo informações da Federação do Comércio de Bens e Serviços e Turismo do Estado de Pernambuco (Fecomércio-PE). "O faturamento do turismo em Pernambuco foi de R$ 7,7 bilhões em 2019 e caiu para R$ 4,8 bilhões em 2020. E isso foi porque teve o derramamento de óleo no litoral em 2019", afirma o presidente da Fecomércio-PE, Bernardo Peixoto. Os números foram elaborados pela Confederação Nacional do Comércio (CNC) com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Importante consumidor do turismo local, os argentinos somaram um grupo de 40 mil pessoas que visitaram o Estado em 2019, passando para 9 mil pessoas nos primeiros meses de 2020, segundo informações da Fecomércio-PE. Em 2020, eles só visitaram o Estado até fevereiro. Eles eram hóspedes constantes do Litoral Sul, principalmente nos hotéis de Porto de Galinhas. "No cenário nacional, os passageiros que mais vinham para Pernambuco eram os que saíam de São Paulo e Ceará, que tiveram quedas, respectivamente, de 37% e 52% no número de visitantes em 2020", afirma Bernardo. O número de passageiros que passaram pelo Aeroporto do Recife também caiu 46%em 2020, quando 2,5 milhões de passageiros passaram pelo empreendimento, contra os 4,7 milhões de passageiros de 2019, segundo números da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
A diminuição dos turistas provocou a redução dos funcionários ligados ào setor de hospedagem. Os hotéis em Pernambuco apresentaram um saldo negativo de 2.150 empregos durante 2020, segundo números do Caged que faz um balanço entre os empregos formais (com carteira assinada) que foram abertos e fechados. " A pandemia pode demorar muito, caso a população não faça a sua parte, principalmente os mais jovens. Se protejam, porque para haver uma retomada da economia é necessário que sejam respeitados todos os protocolos", argumenta Bernardo Peixoto. Ele estava se referindo aos protocolos que evitam a contaminação pelo coronavírus, como evitar aglomerações, usar máscaras, entre outros.