A Defensoria Pública da União elaborou uma proposta de expansão do programa Bolsa Família no valor de R$ 480 para atender cerca de 48 milhões de brasileiros. A proposta está baseada em uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de abril de 2021, que aceitou um pedido anterior da DPU para que seja determinada a implementação de um programa de renda básica que atenda a população brasileira que vive abaixo da linha da pobreza.
Tanto o pedido da DPU como a decisão do STF têm como base uma lei federal de 2004 que cria a renda básica. Ela estabelece que todos os brasileiros devem dispor de uma quantia mínima para arcar com despesas de alimentação, educação e saúde.
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Mas nunca houve uma regulamentação do texto desta lei. Segundo interpretou a DPU, o poder público se omitiu ao não regulamentá-lo. Trata-se de um texto mais robusto, cujo público alvo não é contemplado totalmente por programas como o Bolsa Família, que beneficia 15 milhões de famílias.
"O Bolsa Família é um beneficio bem focalizado para as famílias mais vulneráveis, mas há uma promessa de que o Estado deve prover o mínimo necessário para as pessoas sobreviverem em seu território e o programa não é suficiente para cumprir essa obrigação", explica um membro do comitê da renda básica na DPU, Ed Fuloni.
A discussão sobre um programa de renda básica chegou na DPU por conta de um episódio em que defendia o caso de um cidadão que solicitava recursos para arcar com suas despesas básicas
O caso começou a ser discutido pela DPU ao defender a situação de um cidadão que afirmou precisar de recursos para sua existência digna. Ele vivia em situação de rua, estava desempregado e tinha deficiência intelectual moderada.
O cidadão havia solicitado a sua inclusão no Benefício de Prestação Continuada (BPC), mas não tinha obtido sucesso. Recebia apenas um valor de R$ 91 do Bolsa Família.
Com o caso no Supremo, a DPU solicitou que fosse pago um salário mínimo à população que vivia abaixo da linha da pobreza enquanto a lei da renda básica fosse regulamentada.
O pleno do STF referendou o voto do ministro Gilmar Mendes de que o Poder Executivo federal deveria definir um valor a ser pago para pessoas em situação de extrema pobreza (renda per capita inferior a R$ 89) e de pobreza (renda per capita inferior a R$ 178).
Levantamento
Um levantamento da DPU realizado em março de 2021 identificou 48,8 milhões de pessoas incluídas no Cadastro Único e que possuem renda per capita de até R$ 178.
O CadÚnico é a fila para o Bolsa Família. Estar cadastrado não implica necessariamente em garantir o acesso ao programa. De acordo com o Ministério da Cidadania, a pasta seleciona automaticamente um quantitativo mensal de pessoas para passarem a receber o benefício.
O valor de R$ 480 sugerido na proposta do DPU considerou as necessidades individuais de cada pessoa apenas relacionadas à alimentação, uma vez que educação e saúde já devem ser garantidas pelo poder público.
A DPU utilizou como base estudos do Banco Mundial sobre a quantia necessária para se sair da pobreza. Ele ainda fica abaixo da média da cesta básica calculada no mês de abril pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) em 17 capitais, que é de R$ 553.
Colocar em prática esse programa de renda básica, porém, implicaria em um aumento do orçamento do Bolsa Família de R$ 34 bilhões para R$ 281 bilhões.
Os defensores buscam utilizar o Auxílio Emergencial como exemplo de política pública que possibilitou a transferência de renda para a população em situação de vulnerabilidade social, ainda mais afetada com os efeitos econômicos da pandemia da covid-19.
O custo do auxílio foi de R$ 293 bilhões no ano de 2020, através do pagamento entre R$ 300 e R$ 1.200 por mês, este último voltado para mães chefes de família. Especialistas apontam que ele possibilitou a manutenção da atividade econômica naquele ano.
Segundo um estudo do Ministério da Economia, 72% das famílias saíram da linha da extrema pobreza como auxílio, ainda que de forma temporária.
A proposta da renda básica também esbarrada em regras fiscais, principalmente o teto de gastos. A alternativa apontada pela DPU é retirá-la do teto. Ainda há outros entraves como a criação de novas despesas e o endividamento público.
"Se for possível o Parlamento aceitar uma desvinculação do teto de gastos, não só possibilitaria um aumento mais robusto do benefício como seria uma solução mais definitiva", aponta Fuloni. "Sabemos que o cenário tem toda uma problemática", completa.
"Em primeiro lugar vamos fazer isso via articulação do Executivo. Mas o que fazer depois, precisamos esperar como vai ser o desenho [do novo programa a ser apresentado pelo governo] e ver se vai ser cumprida a decisão", explica Fuloni.