"E uma mulher vai subir no poste? Não vai conseguir". Esta é uma das frases mais escutadas, quando Gislene Maria da Silva chega na residência de uma pessoa para consertar o fio que transmite a energia elétrica. Aos 36 anos, ela trocou a vida de funcionária de uma loja do comércio, em Gravatá, pela profissão de eletricista. "Mas está dando para subir no poste e trabalhar, embora alguns clientes me recebam com preconceito, dizendo que não vai dar certo", comenta Gislene, acrescentando que a sua vida mudou, quando soube, pela internet, que estava sendo oferecido um curso de eletricista para mulheres.
"Pensei: é uma oportunidade única. Me inscrevi. Era um desafio, porque tinha medo de trabalhar na altura, mas hoje vejo que tomei a decisão correta. E está dando certo". Ela começou o curso no começo de 2020, mas foi suspenso por causa das restrições sanitárias da pandemia do coronavírus. Voltou a frequentar as aulas em dezembro do mesmo ano e terminou o curso em fevereiro de 2021. Como mora em Gravatá, se deslocava de van escolar até Caruaru - num trajeto que dura cerca de 50 minutos - para fazer as aulas presenciais.
Em março, ela foi contratada pela Companhia Energética de Pernambuco (Celpe), como eletricista de uma equipe formada por dois profissionais. "É melhor ser eletricista, porque agora tenho uma carreira. Aprendo todo dia. É muito interessante", comenta . E acrescenta: "a atual profissão também tem outras vantagens. O salário é maior. Tenho plano de saúde, vale alimentação. O comércio de Gravatá é fraco e a maioria das lojas não oferece estes benefícios aos funcionários", diz.
O apego de Gislene ao novo cargo também ocorre por outro motivo: voltou às salas de aula novamente. "Encontrei um incentivo para estudar. Atualmente, faço um curso técnico em eletrotécnica no Senai", diz. Ela tinha acabado o ensino médio em 2006 em Gravatá. Depois disso, começou a trabalhar e não voltou mais para a sala de aula.
Como eletricista, diz que não sentiu qualquer dificuldade por ser mulher e que os colegas de trabalho a receberam bem. "A igualdade de gênero já é uma realidade nas empresas, mas na rua não. Mas lugar de mulher é onde ela quiser", conclui. Natural de Guarulhos, em São Paulo, ela chegou em Gravatá aos 13 anos, quando os pais decidiram voltar pra Pernambuco. Estudou em escola pública durante toda a vida, é casada, tem uma filha e o marido também trabalha com energia numa empresa de geração eólica em Garanhuns, no Agreste de Pernambuco.
CURSO
O curso feito por Gislene formou 89 pernambucanas com turmas exclusivas para o público feminino em Recife, Garanhuns, Caruaru e Cabo de Santo Agostinho. É uma iniciativa da Celpe realizada em parceria com o Senai. A primeira turma foi em outubro de 2020 e a última concluiu este mês, quando mais 22 mulheres receberam certificado de eletricistas. Elas cumpriram uma carga horária de 596 horas em disciplinas teóricas e práticas e também estão certificadas em trabalho em altura, direção defensiva e condução de veículos 4x4.
Além das salas exclusivamente femininas, a Escola de Eletricistas da Celpe, que existe desde 2017, também possui turmas mistas, compostas por homens e mulheres. “A Escola de Eletricistas é um dos nossos principais projetos de promoção à igualdade de gêneros dentro da empresa. Nosso objetivo é incluirmos cada dia mais eletricistas nas nossas equipes. Atualmente já temos 99 mulheres trabalhando na função na Celpe, mas vamos contratar ainda mais. Entendemos que a mulher e o homem podem executar qualquer serviço relacionado à rede de distribuição de energia elétrica da mesma forma, com as mesmas qualidade e responsabilidade, por isso investimos na Escola”, afirmou o presidente da Celpe, Saulo Cabral.