Debate

Representantes do turismo em Pernambuco não concordam com 'passaporte sanitário' e criticam transferência de responsabilidade; entenda

Nesta segunda-feira, 27 de setembro, celebra-se o Dia Mundial do Turismo, um dos setores mais afetados pela pandemia de covid-19

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Cássio Oliveira

Publicado em 27/09/2021 às 15:32 | Atualizado em 27/09/2021 às 15:38
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Nesta segunda-feira, 27 de setembro, celebra-se o Dia Mundial do Turismo, setor que sofreu enormes perdas e precisou se reinventar em meio à pandemia de covid-19. Para tratar da situação do turismo em Pernambuco e no Brasil as perspectivas para os próximos meses, a Rádio Jornal ouviu representantes de diferentes setores que demonstraram preocupação com a possível cobrança de um 'passaporte sanitário' no País.

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Com o avanço da vacinação, Estados e o próprio parlamento brasileiro estudam propostas de criação de um passaporte sanitário. No fim de agosto, o próprio ministro da saúde, Marcelo Queiroga, afirmou que o comprovante de vacinação em estabelecimentos "não ajuda em nada". O 'passaporte da vacina' é uma medida adotada pelo estado do Rio de Janeiro e São Paulo até então. O plano visa a comprovação obrigatória da vacinação contra a Covid-19 para o acesso e permanência do público em áreas comuns como bares, restaurantes e shoppings. "Somos contra isso. O povo brasileiro é livre, queremos que as pessoas exerçam de acordo com sua consciência", afirmou Queiroga na ocasião.

Confira o debate sobre turismo na Rádio Jornal

O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis em Pernambuco (ABIH/PE), Eduardo Cavalcanti, disse que a cobrança seria uma transferência de responsabilidade do setor público para o privado. "Não cabe ao empresário fazer trabalho do governo de fiscalizar. Além disso, a vacina não é obrigatória. Daí, você pega algumas pessoas que não queriam tomar e, ao mesmo tempo, fazem testes e não têm nenhum problema. A situação é preocupante, precisa de cuidado, mas se fez teste e não tem problema, não pode chegar numa obrigatoriedade como no Ceará, que não se desce do avião sem vacina. A gente chega a mais ou menos 40% com a primeira dose, mas isso varia de Estado para Estado.Quando vê aperta mais, exigir passaporte para entrar em estabelecimento, você verá o transtorno. Por exemplo, se pedir em shopping? Só de medir a temperatura já se faz fila para entrar. As pessoas estão cientes dos cuidados", comentou.

Seguindo o pensamento de Eduardo, o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes em Pernambuco (Abrasel/PE), André Araújo, destaca que o passaporte criaria conflito. "Atividades econômicas funcionam sejam aqui ou na Europa em um mesmo modelo, com pessoas próximas. Se pesquisas sérias colocam que, com os protocolos sanitários e avanço da vacinação, temos quedas absurdas na contaminação, nos óbitos, temos de concluir que os vacinados são responsabilidade do Estado, não tem como transferir a responsabilidade. Imagina bar e restaurante decidir quem entra ou não, cria conflito, tumulto, e vai de encontro negativo da aplicação do protocolo sanitário. Estamos em fase de discutir outras demandas, esse passaporte só faz complicar e atrasar mais esse período de desconforto", disse.

No Brasil, o decreto da Prefeitura do Rio de Janeiro para o "passaporte da vacina" se aplica a espaços como locais de visitação turísticas, museus, galerias e exposições de arte, aquário e parques de diversões. Na última semana, reportagem do O Globo mostrou que alguns turistas foram pegos desprevenidos pela medida, mas aprovaram. Foi o caso da mineira Jéssica Alves, de 24 anos, e do inglês Josh Sparshott, da mesma idade. Eles esperavam dar uma volta no Bondinho do Pão de Açúcar quando, à porta do local, foram informados que teriam de apresentar comprovante de vacinação contra a covid-19 para entrar. "Fui pega de surpresa, mas foi muito importante. Me vacinei na minha cidade, Uberlândia. Lá, todo mundo quer correr com a vacinação, porque tivemos uma explosão de casos. Então compreendo e apoio a medida", disse a analista de negócios ao jornal carioca. "(O que o Rio fez) É a coisa certa a se fazer. Todo mundo está se vacinando, então você não quer chegar a um lugar e sentir que está no meio de um monte de não vacinados. Muita gente, especialmente pessoas que vêm para cá, estão sem vacina, e por isso é preciso garantir que todos que visitam essas atrações públicas estejam imunizados", disse Josh , que é editor cinematográfico.

Participante do debate, o presidente da Associação Brasileira de Agências de Viagens em Pernambuco (Abav/PE), Marcelo Waked, concordou com os demais e trouxe o olhar sobre a situação fora do País. "É importante informar que esse passaporte não é documento de abrangência mundial. Ele diz ser válido no território nacional. Todo mundo que viaja deve ter a carteira que é a usada para febre amarela, ela é internacional, mas o governo ainda não disponibilizou a informação da vacina (contra covid-19) para essa carteira. As pessoas viajam com cópia do documento no celular, que é aceito para entrar nos países, mas em alguns locais da Europa, em algumas atividades, como shows, restaurantes, museus exigem sim a carteira de vacinação. E muitos, infelizmente, exigem a carteira europeia. Temos de ter esse cuidado ao viajar e saber alguns países há essa condição. A fiscalização não deveria ser feita pelas casas e sim na entrada do País, na imigração, como é feito com febre amarela. Apresente sua carteira vacinação, se entrou no País bem, não deve ter problema entrar em evento", destacou.

Hoje, mais de 300 milhões de passaportes já foram emitidos em toda a União Europeia (13 milhões na Espanha) e 21 países o exigem para o acesso a shows, espetáculos, eventos esportivos, casamentos, bares ou piscinas. Cada um com seu próprio sistema e restrições. O certificado é requisito para entrar nos cinemas da França, por exemplo, ou para visitar um museu em Viena. Na Grécia, os restaurantes foram classificados em três categorias que distinguem entre aqueles que só admitem pessoas com certificado de vacinação, aqueles que também toleram pessoas com teste negativo e aqueles que garantem que todos os funcionários do estabelecimento foram vacinados. No Brasil, mais da metade dos 1.896 municípios ouvidos pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) sobre a pandemia manifestou concordância com a exigência de comprovação de vacinação para acesso a espaços públicos e coletivos, como shoppings, supermercados e estádios. Das prefeituras ouvidas, 1.046 disseram estar de acordo com a medida, o correspondente a 55,2% da amostra. Outras 663 (35%) relataram discordância com esse condicionamento.

Descontentamento

Sobre o apoio do poder público ao setor do turismo na pandemia, os debatedores apontaram que pleitos não foram atendidos e que houve decepção com o setor que foi "sacrificado". "Os governos estaduais, municipais, federal, foram discretos no apoio ao turismo, fizemos pleitos e poucos foram atendidos. O governo ainda deu um suporte para não demitir tanto. Agora, com a retomada, sentimos a necessidade da contratação, mas muitos afastados partiram para outras atividades e temos dificuldades. Estamos em contato com Senac para requalificar essa mão de obra. É preciso uma campanha publicitaria mostrando o que há de índice de vacinação e que pouca transmissão chamando para que pessoas aproveitem a restrição de outros países para conhecer Pernambuco", destacou Eduardo Cavalcanti.

Com o avanço da vacinação pelo país, o turismo doméstico ganha força. As viagens nacionais são prioridade para 81% dos turistas brasileiros, segundo pesquisa da plataforma Booking.com. Ainda segundo o estudo, 65% dos entrevistados pretendem voltar a viajar ainda em 2021. Com a retomada, Marcelo Waked diz que as ações dos governos não podem parar. "Desde o início da pandemia estivemos perto do poder público, e, inicialmente, tivemos certa decepção. Fizemos alguns pleitos e não recebemos respostas, mas sabemos que a prioridade era a saúde. Mas, era preciso , também, pensar nos empresários. Temos dificuldade de incentivos ao setor, que trabalhou quase um ano a zero, sem nada para vender. Teve gente que precisou demitir, a maioria das agências de viagens chegou a quase demitir 100% e acho que houve falha de governos estaduais, municipais e do federal, que não viram a nossa necessidade real. Mas a gente não vai deixar de abater, dei informações para o governo do Estado e para o Recife sobre a importância do turismo interno, eles fizeram bom trabalho com o Pernambucar, mas não pode ser parado, precisa dar continuidade, pois nossos grandes concorrentes começaram a abrir, como Estados unidos, Paris. Agora precisa de trabalho grande", destacou. 

André Araújo disse que cobrou projetos alinhados entre o poder público e o setor do turismo e a continuidade de projetos que o setor consiga avançar. Sobre nossos pleitos, foram poucos retornos, mas com a reabertura esperamos que chegue em nível de atendimento que traga de volta o pleno emprego. O turismo é uma industria limpa, que replica empregos de forma impressionante", afirmou.

Expectativas

Eduardo Cavalcanti disse que o setor hoteleiro ainda não retomou 100% as atividades, mas destacou que há grande expectativa para o começo de 2022. "Está voltando o turismo, encontramos demanda já maior no fim de semana e há expectativa boa para janeiro, principalmente, no litoral. A procura desponta com alta acentuada, mas ainda longe dos números de 2019. Mas as pessoas querem viajar", afirmou. "A hotelaria mantém os controles, o afastamento das mesas, álcool em gel, aferindo temperatura. O hotel tem ocupação de 100%, mas há distanciamento nos bares e restaurantes. Nos fins de semana a procura é acentuada, também, para eventos corporativos. Esses eventos precisam de seis meses de organização. Então, há expectativa para que o setor respire melhor no início do próximo ano com eventos", completou.

Waked destacou que já há viagens para destinos distantes, mas ainda com preocupação da pandemia. "Alguns países ainda não liberam (entrada de brasileiros), mas temos um otimismo grande, pois países de grande procura sinalizam que em novembro deverão abrir com a condição de pessoas visitarem com a vacinação completa. Isso já é um grande ganho". Ele ainda destacou a atenção para documentos necessários para viagens internacionais e reforçou a necessidade de testes para detectar o coronavírus com alguns dias antes do embarque. Segundo o presidente da Abav-PE, assintomáticos estão sendo impedidos de viajar, pois estão com covid, não sabem, e detectam muito próximo ao momento do voo. "Não se deve deixar para última hora o exame, é bom ficar ligado nisso. E as agências de viagens passam todas essas informações e as agências estão vendendo muito, principalmente no turismo interno, que é a bola da vez. É preciso que o trade turismo esteja preparado para isso e possa receber essas pessoas com todas as condições previstas", disse.

Sobre os bares e restaurantes, André Araújo ressaltou que o setor vem cumprindo protocolos. "Começamos uma nova fase. Mas, desde março de 2020 fomos implacavelmente bem fiscalizados, cumprindo todos os protocolos sanitários e não abrimos mão até hoje. Passamos essa mensagem aos donos de bares, para que fiquem atentos e não confundam aumento de movimento com afrouxamento de protocolos sanitários. A vacinação trouxe a verdadeira segurança ao cidadão, mas o setor foi extremamente sacrificado, pela forma como éramos tratados. Após algumas pesquisas, uma da própria Fiocruz, mostraram que quem contamina realmente é o transporte público, algo que falávamos incansavelmente. Avançamos, os bares estão cheios, mas o consumo não atinge ainda o patamar na sua plenitude em função das famílias que se endividaram muito e agora fazem poupança. Além disso, a base do comportamento social mudou, percebemos durante a semana as pessoas mais comedidas e, nos fins de semana, se vê filas de espera, tudo com protocolo, máscara, distanciamento social. O grupo subiu de 10 para 15 (por mesa), a capacidade está em 80% e fechando de 1h, se preciso. Existem alguns Estados que ainda tem restrição até às 23h, Alagoas, Paraíba e Mato Grosso, mas espero que destrave e flexibilize", contou.

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