A situação de armazenamento de água dos reservatórios das hidrelétricas do Sudeste/Centro-Oeste continua preocupante. Eles estavam com 16,7% da sua capacidade de armazenamento na quinta-feira (30). A expectativa do governo federal era de que eles chegassem a outubro com 20% da sua capacidade, segundo previsões feitas em maio último. Quer dizer: a situação já está pior do que a prevista. E cerca de 70% de toda a água que pode ser acumulada para gerar energia no Brasil estão nos reservatórios das duas regiões. A expectativa é de que as chuvas comecem em novembro nesta área. E, mais uma vez, o País depende de São Pedro pra ter energia. No próximo ano, poderão ocorrer apagão - falta de energia por períodos maiores - e racionamento - quando o governo obriga os consumidores a baixarem o consumo -, caso as chuvas não sejam suficientes para repor a água necessária para a geração hidrelétrica, segundo dois especialistas consultados pelo JC.
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A última vez que o Brasil teve apagão e racionamento foi em 2001 pelo mesma razão que ocorre agora: pouca quantidade de água armazenada nos reservatórios das hidrelétricas do Sudeste/Centro-Oeste e Nordeste. "Se não chover, teremos é apagão mesmo. Em 2022, a situação pode ficar séria, porque as chuvas podem não recuperar o nível ideal dos reservatórios", afirmou o presidente da comercializadora Kroma Energia, Rodrigo Mello. O apagão a que ele está se referindo é a falta de energia para evitar o consumo, similar ao que ocorreu em 2001, quando foi decretado feriado no meio da semana para reduzir o consumo de energia. Em 2001, o País também passou por um racionamento.
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Atualmente, as hidrelétricas têm em torno de 64% da capacidade instalada total de produzir energia elétrica no País. Em 2001, cerca de 90% da energia do País vinha das hidrelétricas. Na última quarta-feira, as hidrelétricas - incluindo a binacional de Itaipu - estavam gerando cerca de 54% de toda a energia elétrica do País. No mesmo dia, as eólicas estavam produzindo 14% da energia elétrica consumida no Brasil. E aí vem mais um problema que pode contribuir para a situação ficar mais crítica no primeiro semestre de 2022: a geração eólica é mais baixa nos seis primeiros meses do ano, porque é um período em que há menos ventos.
As chuvas na bacia do Sudeste/Centro-Oeste deveriam começar em novembro, quando se encerra o período seco destas regiões. Ou seja, o Brasil só tem hoje cerca de 24% do reservatório equivalente, que é, de uma maneira grosseira, toda a água que precisa para gerar energia. Somente os reservatórios das hidrelétricas do Sudeste/Centro-Oeste estão perdendo 0,2% a cada dia. No final de maio deste ano, os reservatórios do Sudeste/Centro-Oeste estavam com 32,2% de armazenamento e a expectativa era que eles chegassem a 20% em outubro. "O grande problema é senão chover o suficiente para atender a geração hidráulica", argumentou outro técnico, que preferiu não se identificar, e já trabalhou nas grandes estatais do setor elétrico.
CONSEQUÊNCIAS
O Brasil depende da água para ter energia 20 anos depois do último racionamento, principalmente por falta de planejamento no longo prazo do governo federal que não estimulou a expansão da geração de energia a ponto de sair da dependência das hidrelétricas. Alguns técnicos do setor defendem que o País já deveria ter adotado um racionamento de energia, inclusive para poupar mais ainda a água dos reservatórios das hidrelétricas. No entanto, decretar um plano de racionamento de energia é uma medida que traz perda de popularidade para qualquer governante. Este é um dos motivos pelo qual estão adiando o racionamento, de acordo com técnicos do setor.
Para o consumidor, a consequência imediata deste cenário é a conta de luz vai continuar alta em 2022. E isso vai afetar o bolso da população também de outra maneira: com o aumento da inflação, a alta generalizada dos preços. "A energia é um insumo que fica na base de toda a cadeia produtiva. As empresas, as prestadoras de serviços aumentam os seus custos e vão repassar isso para o consumidor", explicou o economista e professor da Unit Edgard Leonardo.
Mas as consequências da crise hídrica não param por aí. A economia também se alimenta das expectativas. "A expectativa de que estamos dependendo das chuvas para ter energia contamina os agentes econômicos, como investidores. As empresas desaceleram quando há uma previsão de não ter um insumo básico como energia", comentou Edgard. Ele citou como exemplo o que ocorreu em 2001, quando o governo obrigou todos a fazerem 20% de economia de energia, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 1,3% com relação ao ano anterior. Somente para o leitor comparar, o PIB do Brasil cresceu 4,3% em 2000. A principal diferença que ocorreu entre os dois anos foi o apagão e o racionamento de energia.
"O problema é que o PIB do País tem que voltar a crescer para se recuperar desta crise provocada pelo coronavírus", argumentou Edgard. E complementou: "era para o Brasil estar discutindo como poupar a água e aumentar este armazenamento. O País não está se preparando para voltar a crescer". E é o crescimento econômico que, num primeiro momento, vai gerar mais emprego e renda, diminuindo um dos principais problemas que aumentou muito durante a pandemia: o desemprego de 14 milhões de brasileiros.