Auxílio Brasil: pagar R$ 400, furando teto de gastos, é dar com uma mão e tirar com a outra, dizem economistas

Para melhorar sua popularidade, governo Bolsonaro promete Auxílio Brasil de R$ 400 para 17 milhões de brasileiros. O problema é de onde vai sair o dinheiro
Adriana Guarda
Publicado em 21/10/2021 às 19:39
POBREZA Brasil tem 14 milhões de desempregados e 19 milhões de pessoas passando fome; eles podem sofrer com descontrole de gasto, mesmo com a promessa de receber auxílio Foto: ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM


Em um País que tem 14 milhões de desempregados e 19 milhões de pessoas passando fome, quem poderia ser contra o Auxílio Brasil, que vai substituir o Bolsa Família e o Auxílio Emergencial? Alinhado à estratégia do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de melhorar sua popularidade para concorrer à reeleição em 2022, o ministro da Economia, Paulo Guedes, confirmou o auxílio de R$ 400 até o final de 2022, mas desagradou o mercado quando informou que o dinheiro virá do descumprimento do teto de gastos


Você entende o que ele quer dizer e o que nós brasileiros temos a ver com isso? Pois então, foi assim: em 2016, o ex-presidente Michel Temer criou o teto de gastos, limitando o governo a não aumentar as despesas acima da inflação do ano anterior. Na prática, é uma medida para evitar a gastança pública, para segurar as rédeas e evitar que se saia torrando recursos ilimitadamente. O mecanismo começou a valer em 2017. 

GABRIELA BILó - ACORDOS Após confusões com o teto de gastos do Orçamento, Guedes liberou acordo favorável a Bolsonaro

"O teto foi uma grande conquista para o Brasil do ponto de vista fiscal. Desde 1988, o País registrava um crescimento da despesa pública bem acima da inflação e isso trazia desequilíbrio para a economia como nos juros, no mercado de trabalho e no PIB. Está claro que a convicção de Bolsonaro não é social, é eleitoral. Ele está no modo desespero. A CPI da Covid apontou muitos problemas da sua gestão no combate à pandemia e ele está recorrendo ao populismo fiscal, assim como fizeram outros presidentes. Ninguém se coloca contra uma política de transferência de renda em um País como o Brasil, mas é preciso avaliar como será feita", alerta o economista e sócio-diretor da Ceplan Consultoria, Jorge Jatobá.

Pagar o Auxílio Brasil descumprindo o teto de gastos pode significar descontrole da inflação (já alta), aumento do desemprego (hoje em níveis históricos), pressionar uma alta dos juros altos, derrubar o PIB e - com todos esses fatores juntos -, descambar em uma recessão. Ex-senador pelo Cidadania, o professor Cristóvão Buarque comentou o tema nesta quinta-feira (21), durante o Passando a Limpo, na Rádio Jornal, com Geraldo Freire. 

"O Brasil se acostumou ao longo da sua história a não ter limites nem para destruir florestas nem para torrar dinheiro do Tesouro (Nacional). A gente está descobrindo que a Amazônia tem limite e o gasto público também. Esse tema trouxe duas questões importantes para a educação do brasileiro: a percepção da pobreza que nós temos, que precisa ser ajudada, e que é preciso ter limite de gastos", observa. 

 

ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM - Taciana Odete, 38, dona de casa. Moradores de palafitas na favela do Bode, no Pina em Recife, esperam por habitacional que esta sendo construído no bairro.

POBREZA VAI PERSISTIR

Ao invés de descumprir o teto de gastos, os economistas defendem que os recursos para provar o Auxílio Brasil venham de outras fontes, mas seria necessário que o governo Federal batesse de frente com setores poderosos da atividade econômica. 

"O pagamento poderia vir dos subsídios tributários, por exemplo, mas mexeria com os interesses corporativos dos empresários. A reforma administrativa, que não foi feita como deveria, também seria uma alternativa para cortar gastos e permitir uma folga no orçamento. No caso do remanejamento de recursos dos benefícios tributárias, precisaria da decisão do Congresso para realocar. As emendas parlamentares serão outra alternativa e a reforma tributária, que fizeram apenas um remendo e não avançou, também seria outra saída", defende Jatobá.

Já Buarque diz que também poderia buscar recursos do fundo partidário e das emendas parlamentares.    
transitória até o final de 2022. "O governo está buscando a saída mais fácil furando o teto de gastos, mas isso terá consequências para toda a população, inclusive quem vai receber o Auxílio Brasil. Com o aumento da inflação e dos juros, a pessoa vai receber R$ 400 e na mesma hora o auxílio só vai valer R$ 390. No final do ano vai valer R$ 300, com os recursos sendo corroídos pela inflação", observa.

MICHEL JESUS/AGÊNCIA CÂMARA - Plenário da Câmara Federal, Congresso Nacional

SERÁ TEMPORÁRIO OU RECORRENTE?  

O professor do Departamento de Economia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e consultor de empresas, Ecio Costa, pontua que a medida poderá desacreditar o governo. Tanto que, na quinta-feira (21), vários integrantes do alto escalão do Tesouro Nacional pediram exoneração. "Esse furo no teto será temporário ou vai virar bagunça, acontecendo a cada momento que o governo considerar conveniente?", questiona. 

O economista acredita que as duas alternativas oferecidas pelo governo vai gerar de desconfiança de toda forma. Paulo Guedes fala em uma permissão temporária para deixar de fora do teto o gasto de R$ 30 bilhões com o Auxílio Brasil de R$ 400, que começaria a vigorar em novembro deste ano e se estenderia até dezembro de 2022. Outra alternativa seria antecipar a revisão do teto de gastos, que só estava prevista para 2026. 

"Aumentar o valor do Auxílio para R$ 400 e passar a beneficiar de 15 milhões para 17 milhões de pessoas é até pouco. Mas o Congresso ainda pode aumentar esse valor. Sabemos que a população precisa do Auxílio, mas sabemos que ele vai retroalimentar a inflação, os juros e a queda do PIB no longo prazo, gerando mais desemprego e mais pobreza, que é o que o Auxílio deveria evitar", diz. 

REUTERS/Rick Wilking - dólar

MERCADO EM POLVOROSA 

O mercado também reagiu muito mal à proposta do governo de respeitar o teto de gastos para pagar o Auxílio Brasil. "A relação dívida-PIB já vinha numa crescente faz tempo e se agravou com a pandemia. O mercado vê tudo isso com péssimos olhos, comparando a relação dívida-PIB do Brasil com outros países dos BRICs. Além disso, o mercado precifica um calote com relação aos títulos públicos e os juros começam a aumentar", destaca o presidente da Multinvest Capital, Osvaldo Moraes.

Na avaliação dele, a inflação é preocupante caso se confirme o desrespeito ao teto de gastos. Se ela hoje está em escalada, poderá subir ainda mais. "O mercado reage, o dólar sobe e muitos produtos atrelados à moeda norte-americana sobe junto com ele, como margarina, trigo, açúcar, carnes", enumera. 

A impressão se confirma em levantamento do Ibre/FGV, com base em relatório do FMI, apontando que a disparada dos preços foi mais intensa aqui do que no restante do mundo. A explicação, segundo economistas, está na desvalorização do real frente ao dólar devido à crise institucional e às incertezas fiscais. A expectativa é que a inflação brasileira fique maior do que a de 83% dos países do mundo. 

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