Mulher, brasileira, nordestina e agora, chefe global do quarto maior grupo automotivo do mundo. Como Juliana Coelho chegou lá

Em menos de 10 anos, a olindense Juliana Coelho foi de trainee a um cargo global no Grupo Stellantis. Uma carreira que começou no Polo Automotivo de Goiana, na fábrica da Jeep/Fiat, e foi construída com dedicação e protagonismo
Edilson Vieira
Publicado em 04/02/2022 às 16:44
Unificar e padronizar as linhas de produção do Grupo Stellantis no mundo é a missão de Juliana e sua equipe Foto: Divulgação


A pernambucana Juliana Coelho agora vive com a cabeça no mundo. A engenheira de 32 anos, formada pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), e que há dois anos havia assumido o cargo de plant manager, uma espécie de gerente geral da fábrica da Jeep/Fiat em Goiana (PE), iniciou 2022 como a primeira mulher a assumir um cargo de chefia global do Grupo Stellantis (o grupo é o resultado da fusão das empresas Jeep, Fiat, Citroen e Peugeot). Isso significa que, muito em breve, ela vai mudar de endereço. Deixará de residir em Olinda, cidade onde nasceu e se criou e onde está sua base familiar formada pela mãe, tias e avó, para ganhar o mundo. Só não sabe ainda onde vai morar. Se nos Estados Unidos, Itália, Marrocos...

Juliana Coelho terá como missão, ajudar a unificar e padronizar o sistema de gestão que combine as melhores práticas do Grupo. Ou seja, fazer com que cada uma das 92 fábricas da Stellantis, espalhadas por quatro continentes, operem na maior sintonia possível. A trajetória profissional desta olindense já era um desses cases corporativos de sucesso. Quando ela chegou em Goiana, em 2013, recém formada e como trainee, o poderoso Polo Automotivo pernambucano ainda era mato. Um canteiro de obras estava aos poucos substituindo o canavial. A fábrica foi inaugurada em 2015 e Juliana ajudou a implantar o terceiro turno de produção, quando operários e robôs produziam 600 veículos por dia. Hoje, são quase mil carros a cada 24 horas

Em julho de 2020, Juliana assumiu a tarefa de liderar uma equipe que iria implantar em Goiana novos paradigmas de produção. Para isso, ela passou por fábricas na Itália e na Sérvia, e em 2018 chefiou a área de desenvolvimento da manufatura para a América Latina da Fiat, em Betim (MG). Uma trajetória ascendente e bastante focada.

ANO NOVO

Juliana passou o primeiro mês de 2022, na Europa. Aprendendo francês e visitando unidades do Grupo Stellantis. Uma rotina que será cada vez mais comum para a nova chefe global. Através de uma teleconferência, conversou com a reportagem do JC da fábrica de Goiana. Usava o uniforme cinza, comum aos operários da linha de produção, e falou sempre se referindo a sua trajetória como uma conquista coletiva, embora admita as qualidades que a levaram, merecidamente, de trainee a Global Head Stellantis Production Way, em menos de 10 anos: foco, vontade de aprender e protagonismo.

Edilson Vieira (JC): Como é este seu novo cargo?

Juliana Coelho (Stellantis): É um cargo responsável pelo sistema de produção da Stellantis. Além de uniformizar a produção, vamos envolver as pessoas e expandir isso rápido pelas várias fábricas do mundo para garantir que o sistema de gestão, que vai nos levar a excelência, seja aplicado em todas as fábricas.

Isso quer dizer que você vai atuar não só nas unidades da Fiat ou Jeep, mas também da Peugeot, Citroen...

Exatamente. Junto com outros colegas globais. Mas, no meu caso especificamente, vou levar a experiência da linha de produção de Goiana para, por exemplo, Estados Unidos, Canadá, Marrocos...para que todas as boas práticas sejam implantadas, desenvolvendo as pessoas e garantindo todos os requisitos necessários para produzir um carro, ou um motor, já que existem plantas nossas que produzem apenas motores.

Essa sua nova função será desempenhada em equipe. Como vai funcionar?

Junto com a minha função eu assumi também um time, desdobrado em todas as regiões. Eu tenho pessoas na Itália, França, Alemanha, Espanha, México, América do Norte, Ásia... são entre 150 e 200 pessoas. É um time estratégico, com o objetivo de desdobrar a liderança e fazer acontecer em todas as plantas.

Você vai ficar baseada em algum país específico?

Isso ainda não está decidido. Eu preciso ter uma agenda que permita dar suporte a todas as plantas, em todas as regiões. Será algo definido junto com o meu líder, que é o responsável geral de manufatura global, mas deverá ser um local onde eu possa conectar rapidamente com as regiões onde a Stellantis atua.

"Eu tinha certeza de que ter muita vontade de aprender, ter muito protagonismo, poderia me levar longe" " - Juliana Coelho - Global Head Stellantis Production Way

Há quanto tempo vocês estão trabalhando nesse novo sistema global de gestão da produção?

É algo muito novo. Foi desenvolvido nos últimos anos, mas no ano passado boa parte do time se dedicou ao desenvolvimento desse novo modelo. Pegamos as melhores práticas de várias plantas e Goiana foi uma delas. Goiana se destacou em pontos importantes, como o desenvolvimento de pessoas, que é uma característica dessa planta. O nível das pessoas que trabalham aqui hoje, desde um team leader ou um operador de máquina, chamou a atenção. Temos várias plantas excelentes da Stellantis que agregaram muito a esse novo sistema, mas Goiana se destacou no quesito desenvolvimento de pessoal.

Quando em 2013 você entrou para o programa de trainee da antiga FCA [antes da Stellantis, o Grupo era Fiat Chrysler Automobiles], você pensava em chegar tão longe? e em tão pouco tempo?

Para ser sincera, foi incrível vir para Goiana, uma fábrica fantástica que evoluiu com maturidade e excelência em tempo recorde. Claro, eu não tinha ideia de que...ah, daqui a oito, nove anos eu vou estar em um cargo global. Mas eu tinha certeza de que ter muita vontade de aprender, ter muito protagonismo e muita dedicação poderia me levar longe. Eu acredito muito nessas três vertentes, além das habilidades que a gente tem de ter. Você dar o seu melhor todos os dias mesmo que, eventualmente, naquele momento o resultado não apareça, trabalhar sem desistir, isso faz toda a diferença.

Mulher, jovem, brasileira e nordestina. Um perfil que mostra muito o espírito corporativo aberto da empresa, não?

Absolutamente! É uma empresa que entende que a diversidade, a abertura para novas pessoas, não só na idade, mas pessoas que não tem décadas de experiência mas que podem fazer um blend com os mais experientes, ter essa diversidade traz muito resultado. Tanto para a empresa como para a vida das pessoas que estão trabalhando. Falo como quem fez parte da primeira turma de funcionários de Goiana. Tivemos mentores dispostos a utilizar seu tempo para ensinar essas novas pessoas e acreditar que elas poderiam ir mais longe. Essa política de desenvolvimento de pessoal é uma construção diária, de ouvir as pessoas, estar aberto ao feedback.

A falta de componentes eletrônicos vem afetando a indústria automotiva no mundo todo. Apesar disso, o Grupo Stellantis conseguiu, em apenas um ano de existência, liderar o mercado no Brasil, na Argentina e na América do Sul. Como conseguir excelência na produção com essa crise global que, ao que parece, não vai terminar tão cedo?

Ter ainda no meio disso tudo a pandemia de covid-19 já foi muito difícil. Tudo o que a gente queria em 2020 é que chegasse 2021. E 2021 foi ainda mais desafiador. As previsões dos especialistas fazem a gente entender que a crise não acaba amanhã. Mas eu acho que nos momentos de grande dificuldade é que se consegue encontrar o melhor das pessoas. Ter um bom relacionamento com parceiros e fornecedores, comunicação ágil e clara, antecipar demandas, ter um ambiente de integração colaborativa, foram alguns dos ingredientes que nos fizeram ter os bons resultados que tivemos.

Como a sua família está encarando esse novo momento da sua vida?

Sempre tive muito apoio da família, desde para entrar aqui até para seguir na carreira. Tanto da minha mãe, avó, e tias quanto do meu marido. Quando precisei morar em Belo Horizonte eu falava muito com minha mãe e minha avó... fazia chamadas de vídeo. Claro, faz falta não estar presente em certas datas, como o Dia das Mães, mas eu encaro com naturalidade. Vamos estar sempre em contato, diminuindo as distâncias.

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