Inflação força mudança de hábitos e leva 65% dos brasileiros a comprarem marcas mais baratas

Segundo a pesquisa da Associação Proteste (de defesa do consumidor), dificuldade para pagar contas essenciais também é uma das consequências da crise
Edilson Vieira
Publicado em 30/06/2022 às 15:09
ALIMENTAÇÃO Um a cada dois entrevistados brasileiros afirmou comprar menos peixe ou carne na feira Foto: FELIPE RIBEIRO/ACERVO JC IMAGEM


A associação de consumidores Proteste, membro do Grupo Euroconsumers (com representações localizadas na Bélgica, Portugal, Itália, Espanha e Brasil), divulgou uma pesquisa sobre os hábitos do brasileiro diante do atual cenário inflacionário

Os resultados apontam que a maioria dos entrevistados já mudou significativamente seu comportamento, principalmente nas áreas de energia, alimentação e mobilidade. E, segundo a Proteste, um número preocupante de entrevistados indica que não tem margens ou economias para lidar com futuros aumentos de preços.

A pesquisa brasileira, que contou com 1038 participantes e considerou todas as regiões do País, revelou que a qualidade de vida dos consumidores está sendo afetada, pois a maioria cortou custos essenciais. 

Devido ao aumento dos preços de bens e serviços, desde o início do ano, os brasileiros adaptaram seu comportamento nas principais áreas de consumo, especialmente energia elétrica, alimentação e mobilidade, incluindo também atividades sociais e até saúde.

Mais de 90% alteraram os hábitos de consumo por causa da inflação

Mais de 90% dos entrevistados alteraram os hábitos de consumo e destes, 70% afirmaram ter desligado aparelhos domésticos ou evitado usá-los com mais frequência para poupar eletricidade. Três quartos dos respondentes mudou o comportamento de consumo de mobilidade: 45% dos entrevistados declararam ter evitado usar o carro em função do aumento do preço do combustível, enquanto 28% passaram a dirigir de forma mais econômica.

A grande maioria mudou os hábitos alimentares: 65% dos consumidores começaram a comprar mais marcas de preço baixo no supermercado (por exemplo, marcas próprias), enquanto um em cada três cortou alimentos não essenciais. Um a cada dois entrevistados brasileiros afirmou, ainda, comprar menos peixe ou carne.

Os consumidores da amostra brasileira declararam ter renunciado ou adiado a compra de roupas (53%), cortado atividades sociais como a ida a restaurantes e bares (47%) e mudado os planos de férias (30%). Também cancelaram atendimento odontológico (29%), adiaram consultas médicas (26%) e a compra de óculos ou aparelhos auditivos (20%).

CONCENTRAÇÃO DE RENDA

Embora as famílias de baixa renda tenham sido as mais atingidas, mesmo entre os consumidores financeiramente confortáveis, a maioria geral dos entrevistados apontou estar mudando o comportamento de consumo. A pesquisa destaca ainda que, apesar da piora em geral, o Brasil foi o país que apresentou o maior percentual de consumidores cujo padrão financeiro melhorou.

Quando solicitados a comparar a situação financeira atual com a de um ano atrás, 16% dos brasileiros afirmaram ter havido progresso. Já em Portugal e Espanha esse dado foi 9%, na Bélgica 8% e na Itália 7%.

Segundo Henrique Lian, diretor de Relações Institucionais da Proteste, “sendo um país de renda média, o Brasil é fortemente impactado pela crise inflacionária. Mas, ao mesmo tempo, em função de sua concentração de renda e oportunidades, possui o maior percentual de pessoas entre os países pesquisados cujo nível de vida permaneceu igual ou está melhor do que um ano atrás”.

Alta dos preços expôs proporção preocupante de consumidores à situação precária

Apesar de os brasileiros pesquisados registrarem, em percentuais, uma situação melhor do que os consumidores dos outros países pesquisados, a percepção interna não é das melhores. Quase um quarto de todos os entrevistados descreveu a situação financeira de sua família como difícil. 39% declaram que sua situação financeira neste momento é pior em relação a um ano atrás.

Mais da metade dos entrevistados (58%) indicou não ter margens ou economias para lidar com futuros aumentos de preços.

BC vê inflação fora da meta pelo 2º ano

Em relatório divulgado ontem, o Banco Central admitiu oficialmente que a meta de inflação será descumprida pelo segundo ano seguido em 2022. A probabilidade de o IPCA superar o teto da meta no ano passou de 88%, em estimativa feita em março, para 100%. Para 2023, ainda segundo o BC, o risco de superar novamente o teto pulou de 12% para 29%.

A projeção oficial para o IPCA no ano chega agora a 8,8%, bem acima do centro (3,5%) e do teto da meta (5%). Para 2023, a estimativa é de 4% de inflação, para uma meta que pode chegar a 4,75%.

Quando o teto da meta é superado, o BC tem de escrever uma carta pública explicando as razões. Em janeiro passado, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, justificou que o estouro da meta em 2021 aconteceu por causa do aumento dos preços de commodities (produtos básicos com cotação internacional, como alimentos e minério) e de energia e em função da falta de insumos. Em 2021, o IPCA somou 10,06%, o maior desde 2015. Com isso, ficou bem acima do teto, que era de 5,25%.

O relatório não considera o efeito das medidas tributárias propostas pelo governo para baixar os preços de itens essenciais, como combustíveis e energia - em votação no Congresso. No mercado, a limitação da cobrança do ICMS para esses produtos (com alíquota máxima entre 17% e 18%) tem provocado revisão de baixa forte para a inflação em 2022, mas de alta para o próximo ano.

Para tentar cumprir a meta do próximo ano, o BC elevou neste mês a Selic (a taxa básica de juros) para 13,25% ao ano, o maior patamar desde 2016. A instituição também indicou que a Selic deverá ter nova correção "de igual ou menor magnitude" na reunião do Copom marcada para agosto, e que ficará em patamar elevado por um período maior do que o previsto inicialmente.

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