A associação de consumidores Proteste, membro do Grupo Euroconsumers (com representações localizadas na Bélgica, Portugal, Itália, Espanha e Brasil), divulgou uma pesquisa sobre os hábitos do brasileiro diante do atual cenário inflacionário.
Os resultados apontam que a maioria dos entrevistados já mudou significativamente seu comportamento, principalmente nas áreas de energia, alimentação e mobilidade. E, segundo a Proteste, um número preocupante de entrevistados indica que não tem margens ou economias para lidar com futuros aumentos de preços.
A pesquisa brasileira, que contou com 1038 participantes e considerou todas as regiões do País, revelou que a qualidade de vida dos consumidores está sendo afetada, pois a maioria cortou custos essenciais.
Devido ao aumento dos preços de bens e serviços, desde o início do ano, os brasileiros adaptaram seu comportamento nas principais áreas de consumo, especialmente energia elétrica, alimentação e mobilidade, incluindo também atividades sociais e até saúde.
Mais de 90% dos entrevistados alteraram os hábitos de consumo e destes, 70% afirmaram ter desligado aparelhos domésticos ou evitado usá-los com mais frequência para poupar eletricidade. Três quartos dos respondentes mudou o comportamento de consumo de mobilidade: 45% dos entrevistados declararam ter evitado usar o carro em função do aumento do preço do combustível, enquanto 28% passaram a dirigir de forma mais econômica.
A grande maioria mudou os hábitos alimentares: 65% dos consumidores começaram a comprar mais marcas de preço baixo no supermercado (por exemplo, marcas próprias), enquanto um em cada três cortou alimentos não essenciais. Um a cada dois entrevistados brasileiros afirmou, ainda, comprar menos peixe ou carne.
Os consumidores da amostra brasileira declararam ter renunciado ou adiado a compra de roupas (53%), cortado atividades sociais como a ida a restaurantes e bares (47%) e mudado os planos de férias (30%). Também cancelaram atendimento odontológico (29%), adiaram consultas médicas (26%) e a compra de óculos ou aparelhos auditivos (20%).
CONCENTRAÇÃO DE RENDA
Embora as famílias de baixa renda tenham sido as mais atingidas, mesmo entre os consumidores financeiramente confortáveis, a maioria geral dos entrevistados apontou estar mudando o comportamento de consumo. A pesquisa destaca ainda que, apesar da piora em geral, o Brasil foi o país que apresentou o maior percentual de consumidores cujo padrão financeiro melhorou.
Quando solicitados a comparar a situação financeira atual com a de um ano atrás, 16% dos brasileiros afirmaram ter havido progresso. Já em Portugal e Espanha esse dado foi 9%, na Bélgica 8% e na Itália 7%.
Segundo Henrique Lian, diretor de Relações Institucionais da Proteste, “sendo um país de renda média, o Brasil é fortemente impactado pela crise inflacionária. Mas, ao mesmo tempo, em função de sua concentração de renda e oportunidades, possui o maior percentual de pessoas entre os países pesquisados cujo nível de vida permaneceu igual ou está melhor do que um ano atrás”.
Apesar de os brasileiros pesquisados registrarem, em percentuais, uma situação melhor do que os consumidores dos outros países pesquisados, a percepção interna não é das melhores. Quase um quarto de todos os entrevistados descreveu a situação financeira de sua família como difícil. 39% declaram que sua situação financeira neste momento é pior em relação a um ano atrás.
Mais da metade dos entrevistados (58%) indicou não ter margens ou economias para lidar com futuros aumentos de preços.
Em relatório divulgado ontem, o Banco Central admitiu oficialmente que a meta de inflação será descumprida pelo segundo ano seguido em 2022. A probabilidade de o IPCA superar o teto da meta no ano passou de 88%, em estimativa feita em março, para 100%. Para 2023, ainda segundo o BC, o risco de superar novamente o teto pulou de 12% para 29%.
A projeção oficial para o IPCA no ano chega agora a 8,8%, bem acima do centro (3,5%) e do teto da meta (5%). Para 2023, a estimativa é de 4% de inflação, para uma meta que pode chegar a 4,75%.
Quando o teto da meta é superado, o BC tem de escrever uma carta pública explicando as razões. Em janeiro passado, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, justificou que o estouro da meta em 2021 aconteceu por causa do aumento dos preços de commodities (produtos básicos com cotação internacional, como alimentos e minério) e de energia e em função da falta de insumos. Em 2021, o IPCA somou 10,06%, o maior desde 2015. Com isso, ficou bem acima do teto, que era de 5,25%.
O relatório não considera o efeito das medidas tributárias propostas pelo governo para baixar os preços de itens essenciais, como combustíveis e energia - em votação no Congresso. No mercado, a limitação da cobrança do ICMS para esses produtos (com alíquota máxima entre 17% e 18%) tem provocado revisão de baixa forte para a inflação em 2022, mas de alta para o próximo ano.
Para tentar cumprir a meta do próximo ano, o BC elevou neste mês a Selic (a taxa básica de juros) para 13,25% ao ano, o maior patamar desde 2016. A instituição também indicou que a Selic deverá ter nova correção "de igual ou menor magnitude" na reunião do Copom marcada para agosto, e que ficará em patamar elevado por um período maior do que o previsto inicialmente.