Em mais de 15 anos trabalhando na Feira de Cavaleiro, em Jaboatão dos Guararapes, Laert Lancast nunca tinha visto uma cheia daquelas. As chuvas do dia 28 de maio derrubaram barracas, alagaram negócios e deixaram um rastro de destruição. No quiosque onde ele vende calçados, a água alcançou 1,20 metro de altura, danificando parte dos produtos e a estrutura de expositores como painel e prateleiras.
"Foi de cortar o coração quando abri o quiosque e vi aquela situação. Tentamos salvar parte dos calçados, mas muita coisa ficou perdida e também precisei contratar um marceneiro para refazer a estrutura de madeira", conta. A história de Laert Lancast é semelhante a de tantos outros microempreendedores que contabilizaram prejuízos com as chuvas.
Na tentativa de minimizar o estrago causado, o governo de Pernambuco anunciou uma linha de crédito para os microempreendedores individuais que tiveram seus negócios afetados pelas fortes chuvas nos 37 municípios que decretaram situação de emergência. Intitulado de Crédito Emergencial MEI, a linha oferece empréstimo de até R$ 6 mil, com taxa zero de juros e parcelamento em até 24 vezes, com três meses de carência para começar a pagar.
Quando lançou a iniciativa, em maio, o governador Paulo Câmara explicou que o Crédito Emergencial MEI seria operacionalizado pela Agência de Empreendedorismo de Pernambuco (AGE), com uma expectativa de desembolsar aproximadamente R$ 3 milhões. O empréstimo é operado pela AGE, mas os valores são financiados pelo Fundo para Fomento a Programas Especiais de Pernambuco (Fupespe).
Laert Lancast vende sandálias Havaianas e outros tipos de calçados de plástico trazidos por fornecedores e das suas visitas a Caruaru. Com as chuvas, perdeu entre 40% e 50% do que estava no quiosque e no estoque. Como a água destruiu parte dos produtos e os expositores, o quiosque passou 13 dias sem abrir ao público.
"Além de ter um prejuízo de R$ 3 mil a R$ 4 mil só em produtos, o fechamento do quiosque significou uma perda diária de R$ 250 a R$ 300 no faturamento e de R$ 80 a R$ 100 no lucro. Isso sem falar que, além dos prejuízos, os gastos contunuaram mesmo com a loja fechada", observa o microempreendedor.
Cliente antigo da AGE, Lancaster integra a lista dos poucos donos de negócios que conseguiram acessar o Crédito Emergencial MEI. Formalizado desde 2012, com boa relação na AGE, adimplente e após captar cinco empréstimos, o microempreendedor não enfrentou dificuldade.
"Esse empréstimo foi uma mão amiga. Não é toda hora que aparece uma oportunidade dessa, com juro zero. Eu consegui pegar o teto de R$ 6 mil, mas resolvi parcelar em sete vezes para acabar logo. Vou usar o dinheiro para fazer novas compras e melhorar o sortimento. Esse alento nas contas vai ajudar a vida voltar ao normal o mais breve possível", afirma.
Ele conta que a chuva obrigou os empresários da Feira de Cavaleiro a montar uma operação de guerra para colocar tudo de volta no lugar, depois da enchente. "Eu, por exemplo, contei com a ajuda da minha esposa (Cláudia Cunha), do meu irmão (Leon), da minha cunhada (Nai), da minha sogra (Marina) e até do marceneiro (Zezinho). Foi na casa dela que tentamos lavar e recuperar algumas sandálias, que estavam cobertas de lama", reconhece Lancast, que trabalha com sandálias populares, a preços entre R$ 7 e R$ 40.
O Crédito Emergencial MEI iniciou o atendimento aos microempreendedores no final de junho. Em parceria com o Sebrae-PE e com as prefeituras dos municípios atingidos pelas chuvas foram montados balcões de atendimento presenciais nas cidades. A linha de crédito tinha previsão de ficar aberta até o final de julho, mas o governo estendeu para agosto.
Apesar da modalidade de crédito ser bastante atrativa, um número pequeno de microempreendedores conseguiram acessar o empréstimo até agora. Segundo o diretor de Operações da AGE, Edilberto Xavier, 177 proprietários de negócios demonstraram interesse pelo crédito, mas apenas 37 evoluíram para análise de crédito e visita in loco para avaliar os danos sofridos pelo negócio.
Com previsão de liberação de recursos para 15 empresários nesta sexta-feira (29), além de outros três que já pegaram os recursos, o programa totaliza apenas 18 empréstimos. Se todos conseguiram captar o teto de R$ 6 mil, a linha de crédito liberou R$ 108 mil; muito distante dos R$ 3 milhões anunciados pelo governador.
"O número de R$ 3 milhões foi uma previsão macro, mas nossa ideia é chegar à casa de R$ 1 milhão", diz Xavier. Mesmo com uma captação referente a apenas 10% do projetado, o diretor diz que o valor está dentro do projetado.
Ele diz que a maior procura pelo recursos foi de pequenos mercadinhos, mas que a linha está aberta para qualquer tipo de atividade, desde que o empresário seja MEI. "O crédito ajuda a dar uma injeção de capital a quem perdeu o estoque por conta da chuva, a quem tinha uma cozinha dentro de casa e perdeu equipamentos e outros casos", exemplifica.
Prorrogação da linha de crédito
Como ainda está longe de alcançar a meta de concessão de crédito, a AGE vai estender o atendimento às pessoas interessadas em contratar o Crédito Emergencial MEI até o final de agosto. Os plantões serão realizados em 20 municípios que tiveram situação de emergência decretada por conta das chuvas entre maio e juulho.
Os municípios com balcão de atendimento serão: Aliança (12/08); Bom Jardim (11/08); Camaragibe (7/08); Escada (17/08); Glória do Goitá (04/08); Goiana (3/08); Jaboatão dos Guararapes (8 e 15/08); Lagoa do Carro (5/08); Limoeiro (2/08); Macaparana (4/08); Moreno (1/08); Nazaré da Mata (3/08); Olinda (16 e 17/08); Paudalho (10 e 12/08); Paulista (10/08); Pombos (11 e 25/08); Recife (4 e 5/08); São José da Coroa Grande (3/08); Sirinhaém (8/08); e Tracunhaém (9/08).
Para se candidatar ao empréstimo é preciso ser MEI e ter negócio em um dos municípios atingidos. Além disso, é preciso comprovar que as atividades foram afetadas pelas chuvas e apresentar RG e CPF ou CNH, comprovante de endereço atualizado, com emissão máxima de 90 dias (contas de água, luz, telefone etc.) e o extrato do Simples Nacional dos últimos três anos.
Na avaliação de Lancast, a baixa adesão ao crédito poder ter acontecido pela alta informalidade e pela exigência de documentos que mesmo os microempreendores têm dificuldade de retirar. "Eu sempre discuto com os colegas a inportância da formalização, mas entre os meus vizinhos só exitem três MEIs e o restante é informal. Além disso, era preciso estar adimplente com as parcelas de outros empréstimos e retirar alguns extratos. Acho que isso atrapalhou", acredita.
A proposta da linha de crédito foi relevante, mas esbarrou no fato de Pernambuco ter uma das maiores taxas de informalidade do Brasil, chegando a 52,6% pelos dados do 1º trimestre apresentados pelo IBGE.
Prorrogação de parcela de crédito
O diretor de Operações da AGE, Edilberto Xavier, explica que além do crédito para os MEI, a AGE também prorrogou parcelas de empréstimos de clientes como outra medida mitigadora do impacto das chuvas. "As parcelas de abril, maio, junho e julho foram jogadas automaticamente para o final dos contratos, sem acréscimos de juros e multas. Com isso foram renegociados 578 contratos, que equivale a um número de 1.366 beneficiados", destaca.