O governo tem pela frente um duro desafio para dissolver as resistências do agronegócio e do setor de serviços à reforma tributária. O agro, muitas vezes classificado como subtributado, nega pagar menos impostos e refuta mudanças. Já o setor de serviços condiciona seu apoio à desoneração da folha de pagamento (redução dos encargos cobrados sobre os salários), que o governo não pretende abordar nessa primeira fase - focada nos impostos sobre o consumo.
Há anos, o setor de serviços lidera uma frente contrária à reforma no Congresso, defendendo a desoneração da folha e a criação de uma nova CPMF. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, descartou, porém, a recriação da CPMF e disse que a discussão dos tributos que incidem sobre a folha ficará para uma segunda etapa.
"Se você não fizer a desoneração do trabalho, a reforma tributária não se sustenta sozinha. Nos serviços, 80% do custo é mão de obra", afirma Luigi Nese, presidente da Confederação Nacional dos Serviços (CNS). Ele defende a desoneração total da folha para todos os setores.
Atualmente, 17 setores são beneficiados pela desoneração, prevista para acabar no fim do ano. Ontem, o presidente da Frente Parlamentar do Comércio e dos Serviços, senador Efraim Filho (União-PB), defendeu a prorrogação do benefício por quatro anos via projeto de lei - ou ainda pela inclusão do tema na reforma tributária.
Para destravar a reforma no Congresso, a Confederação Nacional da Indústria diz que o governo pode conceder regimes favorecidos a áreas como saúde, educação, transporte público e agronegócio. "Em prol da aprovação, flexibilizamos nossa posição", diz Márcio Sérgio Telles, gerente executivo de Economia da CNI.
O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado Pedro Lupion (PP-PR), disse ontem que o setor não aceitará uma alíquota única na reforma tributária. Ele chama de "guerra de narrativas" o discurso de que a agricultura é subtributada no Brasil.
"É preciso ver qual é a realidade em toda a cadeia produtiva: setor por setor, item por item, produto por produto", afirmou ele, em encontro com o secretário extraordinário da reforma tributária, Bernard Appy, mencionando os aspectos diferentes entre produtores de trigo, feijão, café e produtos industrializados. "Precisamos fazer entender que a nossa contribuição ao PIB seja positiva, e não punitiva, na hora de respeitar um setor importante como o nosso."
No fim de fevereiro, na primeira reunião da FPA com o relator do grupo de trabalho da reforma na Câmara, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), Lupion apresentou oito pontos que o setor não aceita na proposta que vem sendo discutida pelo governo, como o fim da isenção dos impostos sobre os produtos da cesta básica, com a devolução do imposto para a população de baixa renda, e o fim do chamado crédito presumido - um benefício tributário que permite, na prática, a redução do valor a ser pago.
Para atrair o apoio do agro, o gerente executivo de Economia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Márcio Sérgio Telles, defende que, além de oferecer uma alíquota diferenciada para o setor, seja criado uma espécie de "Simples rural" para pequenos produtores. O Simples é um regime tributário especial para micro e pequenas empresas.
"O Simples urbano é (limitado a) R$ 4,8 milhões (de faturamento por ano). Então, para o campo, faz R$ 20 milhões, R$ 30 milhões. Ou, em vez do Simples, isenta. O produtor rural que fatura até R$ 30 milhões por ano, por exemplo, está isento. Passou disso, aí vai ter de pagar, porque aí já tem um porte", diz Telles.
Ele afirma que, nas discussões da PEC 110, já foi oferecido para o setor um dispositivo prevendo um regime favorecido para agropecuária, agroindústria, pesqueiro e florestal. "Eles querem alíquota diferenciada para que o alimento seja menos tributado. Por que eles dizem isso? Porque querem manter o status do que é hoje. A própria defesa da alíquota diferenciada é porque, hoje, o setor tem tratamento diferenciado, é menos tributado."
A CNI, que tem participado das articulações em prol do avanço da reforma, defende como proposta o último relatório da PEC 110, apresentado em março do ano passado. "É uma defesa técnica e política. A PEC 110 fez concessões sem perder em termos técnicos muita qualidade", afirmou.
"O IVA único, da PEC 45, é o melhor, mais simples para as empresas. Mas, politicamente, se mostrou inviável. E como o IVA que está desenhado na PEC 110, dual, são dois IVAs bons, a gente não vê um problema nisso", diz Telles.
A PEC 110 cria a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), unindo PIS e Cofins, e o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), unindo ICMS e ISS.