Economia circular é saída ambiciosa para reduzir produção de plástico no mundo

Derivado do petróleo, o plástico está por toda parte no cotidiano das sociedades modernas. A produção anual mais do que dobrou em 20 anos, atingindo 460 milhões de toneladas, podendo triplicar até 2060. Preocupados com as consequências da produção para a economia e o meio ambiente países discutem o Tratado Global do Plástico
Publicado em 31/05/2023 às 19:12
Luisa Santiago, diretora executiva para a América Latina na Fundação Ellen MacArthur, discute a relevância do Tratado do Plástico, o que se espera dele, como o Brasil e a América Latina chegam para essas discussões Foto: Divulgação


Mais de mil líderes de governos, ONGs, indústria e sociedade civil estão reunidos, desde 29 de maio até esta sexta-feira (2), na Unesco, em Paris, na segunda rodada de negociações sobre o Tratado Global do Plástico. O evento antecede o Dia Mundial do Meio Ambiente, comemorado no próximo dia 5, e o Dia Mundial dos Oceanos, celebrado em 8 de junho. 

O primeiro encontro aconteceu em novembro de 2022, no Uruguai, e estão programadas outras três rodadas no Quênia, Canadá e Coreia do Sul até o fim de 2024. As rodadas de negociações têm o objetivo de desenhar um tratado internacional que defina conceitos, prazos e acordos para a redução e a eliminação progressiva do uso de plástico no mundo.

Com uma produção global de 460 milhões de toneladas e índice de reciclagem de apenas 10%, o plástico contribui para a crise climática, aumenta a poluição dos oceanos e prejudica a saúde humana. No Brasil, das 11,3 milhões de toneladas de lixo plástico produzidas por ano, somente 1,28% é reciclado, segundo estudo do Fundo Mundial para a Natureza (WWF)

Comprometida com a promoção de uma economia circular (que propõe a eliminação de resíduos e poluição, a circulação de produtos e materiais e a regeneração da natureza), a Fundação Ellen MacArthur tem acompanhado a movimentação dos governos com relação ao Tratado Global do Plástico. 

Atenta ao que acontece na rodada de negociações de Paris, a diretora executiva para a América Latina na Fundação Ellen MacArthur, Luisa Santiago, concedeu entrevista ao JC. Na conversa, ela comenta a relevância do Tratado, como o Brasil e América Latina podem contribuir e a importância de se apresentar proposições estruturadas, que envolvam toda a cadeia produtiva do plástico. 

JORNAL DO COMMERCIO - Qual a expectativa para esta 2ª rodada de negociações do Tratado Global do Plástico? Os Países demonstram empenho em efetivar o acordo?  

LUISA SANTIAGO - Começamos esta jornada lá atrás, em março do ano passado, na Assembleia Geral da ONU. Na ocasião, falava-se sobre se vamos fazer ou não. Existe um consenso de que é preciso ter um tratado para fazer frente à poluição plástica. Até chegar ali já teve um processo de definir as resoluções dos países. Então, desta vez, a expectativa é muito grande em relação ao que os países vão trazer. 

JC - Que resoluções trouxeram proposições mais ambiciosas para enfrentar o problema?

LUISA - As resoluções que acabaram sendo as bases para o início do processo foram as do Peru e de Ruanda. Nós da Fundação Ellen MacArthur, que temos uma visão de que a única forma de combater a poluição plástica é através da economia circular, as resoluções desses países são muito interessantes. São as resoluções mais ambiciosas, desse ponto de vista.

JC - E como seria esse conceito de economia circular para o plástico?

LUISA - Quer dizer olhar para uma economia circular, em que o plástico se mantenha na economia e não se converta em resíduo. A ideia é e não ficar mitigando o problema de uma economia linear. Eu me explico: mitigar o problema de uma economia linear é não mudar nada na forma como o processo funciona, como a gente faz plástico, como a gente coloca plástico no mercado. E ficar dizendo: 'eu vou reciclar ou fazer limpezas ou criar supertecnologias para reciclar e tentar reduzir essa poluição plástica aqui no fim'. Nossa visão como Fundação sempre foi olhar para a origem do problema, olhar para todo o ciclo, desde o design dos produtos, desde o pensar as soluções até esse plástico estar no mercado. 

JC - Quais são as tendências de posicionamento entre os países?

LUISA - Não existe um posicionamento único, mas há tendências. Existe um mix de países desenvolvidos e não produtores de resina plástica, que querem uma visão ambiciosa, em geral. E têm os países que são produtores e que vão ter um pouco mais de receio em torno dessa visão de redução de volumes de plástico. Esses vão tentar forçar mais as pautas de reciclagem e mitigação. Agora é a hora, de fato, dos posicionamentos começarem a acontecer, porque em novembro, no Uruguai, a discussão foi mais técnica. 

JC -  E como o Brasil se posiciona nesse cenário? O País é um grande produtor de resinas e de plásticos, além de ter um baixo índice de reciclagem. 

LUISA - O Brasil foi uma decepção esperada na primeira rodada de negociação do Tratado Global do Plástico, no Uruguai, em 2022. Era um governo de transição e o País tinha um posicionamento em cima do muro. O Brasil passou por um apagão nos últimos 4 anos. Agora, a notícia que temos do encontro em Paris é que o País voltou com um posicionamento. 

JC - E qual é a resolução do Brasil para o problema do plástico agora?

LUISA - O Brasil traz o DNA de olhar para a questão do plástico de forma tradicional. Sobretudo no  governo Lula que, ao olhar para a reciclagem a partir dos catadores e do papel dos catadores na reciclagem. O que se percebe é a construção de um olhar muito social, para um problema que é - sim - social, mas é sobretudo econômico e ambiental. Num primeiro momento, percebemos que existia um desconhecimento sobre esse essa ideia de uma economia circular do plástico. Eu já tive notícias do posicionamento do Brasil lá em Paris, em que eles incorporaram completamente o entendimento da economia circular do plástico. 

JC - Como as empresas participam deste processo, porque apesar de as políticas serem públicas, são elas que colocam o plástico no mercado?

LUISA - Esatamos envolvidos na chamada coalizão de empresas, porque no fim das contas os governos vão tomar as decisões, mas quem terá que se adaptar são as empresas. E a gente quis trazer as empresas pioneiras, com as quais já trabalhamos há anos na nossa iniciativa de plástico. A gente não surgiu agora nesse tema do plástico. Nós, inclusive, somos um dos motivos pelos quais o Tratado do Plástico porque já vimos o pioneirismo de empresas que querem ser reguladas no sentido dessa economia circular do plástico. Elas querem que as barreiras que existem hoje para os modelos que estão voluntariamente adotando, mas que não conseguem colocar no mercado, porque existem Barreiras como legislações que priorizam uma economia de linear do plástico. Elas querem que os governos transformem os mecanismos, as regras do jogo alinhadas a essa ideia de uma economia circular do plástico.

JC - E as pessoas, como podem participar dessa discussão? Porque o plástico está na vida de todos nós. 

LUISA - Essa discussão tem a ver com todos nós, mas vou fazer uma colocação muito verdadeira e doída de escutar. A gente não tem poder de mudaro sistema só com as escolhas que a gente faz e com a forma como a gente destina os nossos resíduos. Porque se eu tenho hoje um sistema em que todas as opções do mercado vêm de multimateriais, cheias de substâncias químicas tóxicas, de resina virgem vindo da petroquímica, o que eu vou fazer com as minhas escolhas? O que podemos fazer é pressionar os governos pelo redesenho desse sistema para que se busque por posicionamentos ambiciosos dos países.

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