Provas mostram que tropas australianas mataram 39 afegãos ilegalmente

Relatório também inclui evidências de que as tropas estiveram envolvidas em "competições de contagem de cadáveres" e acobertaram assassinatos ilegais
AFP
Publicado em 19/11/2020 às 11:48
O chefe da Força de Defesa Australiana (ADF), General Angus Campbell, apresenta as conclusões do Inspetor-Geral da Força de Defesa Australiana no Inquérito sobre o Afeganistão, em Canberra, em 19 de novembro de 2020. Foto: MICK TASIKAS/POOL/AFP


As forças especiais de elite da Austrália "mataram ilegalmente" 39 civis e prisioneiros afegãos, incluindo execuções sumárias como parte de rituais de iniciação - conforme as evidências de uma investigação militar que agora será enviada para um promotor especial de crimes de guerra.

Na quarta-feira (18), a principal autoridade militar da Austrália, o general Angus Campbell, admitiu a existência de provas críveis dos crimes cometidos. 

"Ao povo afegão, em nome da Força de Defesa Australiana, eu sinceramente e sem reservas peço desculpas por quaisquer atos repreensíveis por parte dos soldados australianos", declarou o general Campbell. "Algumas patrulhas ignoraram a lei, regras foram quebradas, histórias foram inventadas, mentiras foram contadas, e prisioneiros foram mortos", acrescentou a principal autoridade do Exército australiano.

"Este vergonhoso balanço inclui supostos casos em que novos membros da patrulha foram forçados a atirar em um prisioneiro para cometer seu primeiro assassinato, em uma prática horrível conhecida como 'sangramento'", revelou Campbell.

O relatório também inclui evidências de que as tropas estiveram envolvidas em "competições de contagem de cadáveres" e acobertaram assassinatos ilegais.

O inspetor-geral do Exército produziu esta investigação oficial de 465 páginas sobre eventos ocorridos entre 2005 e 2016, que detalhou dezenas de assassinatos "fora do calor da batalha".

O relatório recomenda que 19 pessoas sejam entregues à Polícia Federal da Austrália, que uma indenização seja paga às famílias das vítimas e que o Exército realize uma série de reformas.

Campbell deu um passo além, dizendo que os envolvidos haviam deixado uma "mancha" em seu regimento, nas Forças Armadas e na Austrália, e que seriam encaminhados ao escritório do investigador especial para crimes de guerra.

O general pediu a revogação de algumas medalhas concedidas às forças de operações especiais que serviram no Afeganistão entre 2007 e 2013.

O primeiro-ministro Scott Morrison tentou amortecer o golpe do relatório, garantindo aos australianos na semana passada que se preparem para "verdades cruéis e honestas" contidas no documento, que censura muitos detalhes.

O gabinete do presidente afegão, Ashraf Ghani, disse que Morrison "expressou sua mais profunda tristeza com a má conduta".

O Ministério das Relações Exteriores do Afeganistão classificou as ações do relatório como "imperdoáveis", mas reconheceu sua divulgação como um "passo importante em direção à justiça".

Após os ataques de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos, mais de 26.000 soldados australianos foram enviados para o Afeganistão para lutarem ao lado dos Estados Unidos e das forças aliadas contra os talibãs, a rede Al-Qaeda e outros grupos islâmicos.

As tropas de combate australianas deixaram o país em 2013. Desde então, inúmeros relatos vieram à tona, às vezes brutais, sobre a conduta de unidades de forças especiais de elite.

A imprensa australiana fez eco a várias acusações muito graves contra os militares australianos, como o caso de um homem que foi morto para abrir espaço em um helicóptero, ou o de um menino de seis anos assassinado durante uma busca em uma residência.

O caso foi a público em 2017, quando a emissora ABC divulgou os "Arquivos Afegãos" - uma série de investigações, nas quais as forças australianas foram acusadas de terem matado homens e crianças desarmados no Afeganistão.

Em resposta, a Polícia abriu uma investigação contra dois jornalistas desse canal, Daniel Oakes e Sam Clark, suspeitos de estarem na posse de arquivos confidenciais. A sede da rede em Sydney foi invadida no ano passado, mas o caso acabou sendo arquivado.

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