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Afeganistão hoje: Com registro de mortos e feridos em aeroporto de Cabul, país enfrenta difícil operação de evacuação

Um repórter da rede Sky News disse que as pessoas na primeira fila estão sendo "esmagadas" e que os médicos estão correndo de vítima em vítima

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AFP

Publicado em 21/08/2021 às 17:43 | Atualizado em 21/08/2021 às 17:58
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Os corpos de pelo menos três pessoas foram vistos na multidão do lado de fora do aeroporto de Cabul, segundo imagens de televisão mostradas neste sábado (21), enquanto milhares de afegãos tentavam desesperadamente fugir do regime talibã em uma evacuação caótica. Imagens da rede britânica Sky News mostram os soldados cobrindo três corpos com um pano branco. As causas de morte não estão claras até o momento.

O repórter da Sky, Stuart Ramsay, que estava no aeroporto, disse que as pessoas na primeira fila estão sendo "esmagadas" e que os médicos estão correndo de vítima em vítima. O canal também mostrou vários feridos. Ramsay explicou que as pessoas estão "desidratadas e apavoradas". Outras imagens mostram soldados apontando uma mangueira para a multidão, alegando que estavam usando "qualquer coisa para refrescá-los".

Há seis dias, uma gigantesca operação de evacuação está sendo feita em Cabul, ação classificada pelo presidente americano Joe Biden como “uma das mais difíceis da história”.  cerca de 6.000 militares americanos fortemente armados controlam o aeroporto da cidade, enquanto os talibãs patrulham as ruas em volta, impedindo que muitos afegãos cheguem ao congestionado terminal.

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Os Estados Unidos, que previam evacuar mais de 30.000 pessoas entre cidadãos americanos e civis afegãos através de suas bases no Kuwait e Catar, já retiraram mais de 13.000 pessoas desde 14 de agosto. Mas o presidente americano afirmou que não pode garantir “o resultado final” desta operação de evacuação, uma das “maiores e mais difíceis da história”.

Embora milhares de pessoas já tenham conseguido sair, há acusações contra os talibãs por perseguirem afegãos que trabalharam para a Otan e por restringirem o acesso ao aeroporto. O exército dos EUA enviou três helicópteros para retirar 169 cidadãos de um hotel próximo ao aeroporto, informou o Pentágono neste sábado (21). É a primeira vez que o exército americano sai do local seguro do aeroporto para ajudar as pessoas que querem fugir do país. A Alemanha, que já conseguiu retirar 1.600 pessoas, prevê também enviar helicópteros para proteger as tarefas de evacuação ou para socorrer pessoas em “situações perigosas” ou lugares remotos.

Um vídeo publicado no Twitter na quinta-feira em que um homem aparece entre a multidão e entrega um bebê a um militar americano e este o leva sobre um muro coberto com arame farpado, viralizou nas redes sociais. O porta-voz do Pentágono explicou que “um pai pediu aos militares que cuidassem do bebê porque ele estava doente”. Então, o soldado “o levou para um hospital noruguês no aeroporto. Cuidaram do menino e o devolveram ao seu pai”, afirmou.

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Os talibãs estão na parte civil do aeroporto, perto das pistas e, embora ainda não tenham demonstrado nenhuma hostilidade, “têm certo número de armas que poderiam representar ameaças para nossos aviões”, explica o coronel da Força Aérea e do espaço francês, Yannick Desbois, que controla a base aérea 104 nos Emirados, onde transitam as pessoas evacuadas pela França.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, pediu neste sábado a todos os países, principalmente os europeus, para receberem refugiados e afirmou que os Estados-membros da União Europeia terão o apoio financeiro da Europa. Mil afegãos foram evacuados para a Itália em cinco dias, ou estão prestes a ser, disse neste sábado o ministro da Defesa. Desde junho, a Itália retirou cerca de 1.500 afegãos, segundo o ministério da Defesa.

O governo britânico informou ter conseguido retirar 1.615 pessoas, entre elas 402 afegãos. Um quarto avião de repatriamento pousou na sexta-feira em Paris, com cem pessoas, em sua grande maioria afegãos. A França retirou cerca de 400 afegãos. Além disso, uma nave militar pousou na sexta-feira perto de Madri com 110 afegãos. No total, a Espanha evacuou 158 afegãos do aeroporto de Cabul.

“Potenciais ameaças”

Neste sábado, os Estados Unidos pediram aos seus cidadãos no Afeganistão que evitem por enquanto se dirigir ao aeroporto de Cabul, citando “potenciais ameaças à segurança” perto dos portões de entrada. A advertência, publicada no site da embaixada dos EUA no Afeganistão e no Twitter do Departamento de Estado em Washington, não oferece detalhes sobre a natureza da ameaça. No entanto, as condições do lado de fora do aeroporto internacional Hamid Karzai são caóticas e há relatos de que os combatentes talibãs agrediram pessoas que tentam sair do país pelo terminal.

“Devido a potenciais ameaças à segurança fora dos portões do aeroporto de Cabul, estamos aconselhando aos cidadãos americanos que evitem viajar para o aeroporto e que evitem as portas do aeroporto neste momento, a menos que recebam instruções individuais de um representante do governo americano para isso”, diz o alerta. Funcionários do Pentágono, em comentários fornecidos pouco depois da advertência, se limitaram a dizer que continuam processando as pessoas que chegam nos portões do aeroporto.

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Os Estados Unidos retiraram 2,5 mil norte-americanos de Cabul na última semana, afirmou uma autoridade sênior do país neste sábado, acrescentando que Washington está lutando contra “o tempo e o espaço” para que as pessoas possam deixar em segurança o Afeganistão. A informação foi repassada a repórteres no Pentágono pelo major-general William Taylor.

A organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) pediu, neste sábado, em um comunicado ao presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, “um plano especial para a evacuação de jornalistas afegãos”. O secretário-geral de RSF, Christophe Deloire, afirmou receber “dezenas e dezenas de pedidos de evacuação urgente” que não podem se concretizar devido à dificuldade de chegar ao aeroporto de Cabul, a capital do Afeganistão. “Nosso problema não é obter vistos ou assentos nos aviões, é conseguir que essas pessoas cheguem aos aviões”, afirmou.

Republicanos divididos quanto a refugiados

Algumas vozes do Partido Republicano dos Estados Unidos se levantaram a favor do resgate dos aliados afegãos que tentam fugir de seu país após a tomada do poder pelos talibãs, mas a ala mais conservadora do partido, abertamente anti-imigrante e liderada pelo ex-presidente Donald Trump, opõe-se à chegada de refugiados. O repentino colapso do governo afegão, em meio à saída turbulenta das forças dos EUA e a aparente falta de preparo por parte de Washington, renderam duras críticas ao presidente democrata Joe Biden, mas também expõe uma divergência entre os republicanos sobre quem entra nos Estados Unidos e se uma onda de refugiados seria bem-vinda.

Enquanto as forças americanas asseguravam o aeroporto de Cabul para supervisionar uma operação de retirada em massa, muitos republicanos, como o líder da minoria no Senado, Mitch McConnell, expressaram a obrigação moral de resgatar os afegãos que colaboram com os militares e diplomatas dos Estados Unidos. Milhares de tradutores, intérpretes e outros afegãos solicitaram vistos especiais de imigrante para os Estados Unidos.

“Devemos isso a essas pessoas, que são nossos amigos e trabalharam conosco, para colocá-los em segurança, se pudermos”, disse McConnell na televisão de Kentucky na terça-feira.

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Alguns governadores republicanos expressaram seu desejo de hospedar refugiados afegãos. O próprio Trump, que como presidente chegou a um acordo com os talibãs sobre a retirada das forças armadas dos EUA, fez um comentário compassivo na segunda-feira, quando disse que os afegãos que trabalharam com as forças americanas “deveriam ter permissão para buscar abrigo”.

Mas, depois da divulgação de uma foto mostrando cerca de 600 afegãos amontoados em um avião militar saindo de Cabul, Trump explodiu em críticas. “Este avião deveria estar cheio de americanos”, disse ele na quarta-feira.

“América primeiro!”. Vários comentaristas conservadores da mídia repetiram versões da mesma mensagem.Tucker Carlson, o popular apresentador da Fox News e um feroz opositor da imigração, alertou que o número de afegãos se estabelecendo nos Estados Unidos pode chegar a “milhões” na próxima década. “Então, primeiro nós invadimos, e depois eles nos invadem”, disse Carlson a seus telespectadores na segunda-feira.

O congressista republicano Tom Tiffany, um aliado de Trump, alertou sobre uma “catástrofe” se milhares de refugiados do “notório viveiro de terroristas” do Afeganistão receberem permissão para entrar nos Estados Unidos sem uma investigação rigorosa. Essas vozes são, por enquanto, uma minoria. Mas a Casa Branca parece preocupada que esta corrente esteja se tornando mais difundida e transformando a obrigação moral de ajudar os aliados dos Estados Unidos em um debate sobre a imigração.

Em uma carta, 16 senadores republicanos exigiram que o presidente fizesse o possível para remover com segurança todos os americanos e aliados afegãos. “Seria inconcebível deixar alguém para trás”, escreveram. À medida que aumenta a brecha republicana entre aqueles que querem hospedar afegãos e aqueles na extrema direita que alimentam temores sobre o influxo de evacuados, alguns democratas denunciaram a dicotomia.

Por que os soldados americanos deixaram o Afeganistão?

A vitória esmagadora dos talibãs no Afeganistão levou os críticos do presidente Joe Biden a se perguntarem por que ele não deixou uma força residual de 2.500 soldados americanos para apoiar o governo local. Esse era o número de soldados americanos que restavam no Afeganistão quando Biden chegou à Casa Branca em janeiro. Seu antecessor, Donald Trump, reduziu muito a presença de militares dos Estados Unidos no país, depois de aumentá-la para 15 mil no início de seu mandato.

Os 2.500 soldados e 16.000 civis auxiliares do exército americano ainda presentes pareciam ser suficientes para manter o governo afegão no poder, após a assinatura de um acordo, em 29 de fevereiro de 2020, entre os Estados Unidos e os talibãs que previa uma retirada antes de 1º de maio. Por mais de um ano, os talibãs multiplicaram seus ataques contra as forças afegãs, mas suas vitórias se limitaram a áreas rurais, não estratégicas.

Conforme acordado com Washington, os ataques contra as forças da Otan foram reduzidos. Nenhum soldado americano morreu no Afeganistão desde fevereiro de 2020. Segundo os críticos de Biden, esta é a prova de que, com o apoio de uma força residual, o governo afegão poderia ter resistido ao avanço dos talibãs.

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“Tínhamos apenas 2.500 homens lá, uma presença leve, sem caos, nem um único soldado morto em um ano de luta”, lembrou Mitch McConnell, chefe da oposição republicana no Senado, esta semana. O impacto da decisão de retirada é gigantesco. Os talibãs aceleraram sua campanha militar, enquanto os soldados afegãos pararam de lutar e as cidades cederam sem resistência, até a queda de Cabul em 15 de agosto.

Em uma coluna publicada no The Washington Post, o historiador militar Max Boot culpou Biden pela desintegração do exército afegão. “Muitos dizem que 2.500 homens não teriam feito diferença”, mas “os eventos dos últimos meses refutam esse argumento: a ofensiva final dos talibãs começou quando a retirada das forças americanas estava praticamente concluída”, escreveu ele.

Biden e seus detratores concordam que o governo e os militares afegãos eram profundamente dependentes dos Estados Unidos. E quando o apoio técnico, militar e financeiro foi retirado, os afegãos desmoronaram. Os críticos apontam que os Estados Unidos têm 2.500 soldados destacados no Iraque, sem contar as dezenas de milhares na Alemanha, Coréia do Sul e Japão desde a Guerra Fria.Tal presença poderia ter impedido o acesso ao poder de um regime amigo da Al Qaeda, dizem eles.

Mas, para Biden e seus aliados, o custo humano e material de apoiar um governo afegão corrupto e ineficaz não era justificado. O resultado teria sido o mesmo em cinco anos, estimou Biden. Seu conselheiro de segurança nacional, Jake Sullivan, enfatizou ainda que o exército afegão já estava perdendo terreno sob o comando de Trump.

“O que aconteceu nas últimas semanas mostra claramente que uma presença militar significativa, muito maior do que quando o presidente Biden assumiu o cargo, teria sido necessária para impedir o avanço dos talibãs”, acrescentou. “E teríamos morrido.”

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