O secretário-geral da ONU, António Guterres, denunciou, nesta terça-feira (24), no Conselho de Segurança, as "violações claras do direito humanitário" em Gaza, provocando a ira do chanceler israelense, Eli Cohen.
"Nenhuma das partes em um conflito está acima do direito humanitário internacional", disse Guterres, ao lembrar que até mesmo as guerras "têm regras".
O dirigente da ONU condenou o grupo islamista Hamas pelo ataque de 7 de outubro em território israelense que deixou 1.400 mortos, a maioria civis, mas ao mesmo tempo disse que "é importante reconhecer" que esses ataques "não vieram do nada".
Objeto de "56 anos de ocupação sufocante", a população palestina viu como "sua terra era devorada sem cessar pelos assentamentos e assolada pela violência; sua economia, asfixiada; sua população, deslocada e seus lares, demolidos. Suas esperanças de uma solução política para sua difícil situação foi desvanecendo", ressaltou Guterres para um concorrido e dividido Conselho de Segurança de alto nível.
"Senhor secretário-geral, em que mundo você vive?", questionou o chanceler israelense, Eli Cohen, após lembrar que Israel "não apenas tem o direito de se defender, mas também o dever".
"Sem dúvida nenhuma, não é o nosso" mundo, respondeu a si mesmo, exibindo fotos dos ataques do Hamas contra civis. Em uma declaração aos jornalistas, acompanhado por familiares de alguns dos 200 reféns sequestrados pelo Hamas, garantiu que havia cancelado a reunião prevista com Guterres.
AÇÃO DO CONSELHO DE SEGURANÇA
Para o chanceler palestino, Riyad al Maliki, a falta de ação do Conselho de Segurança, que não conseguiu aprovar nenhuma resolução desde 2016 sobre o conflito entre Israel e Hamas, é "imperdoável".
"Os massacres em curso perpetrados de forma deliberada, sistemática e selvagem por Israel - a potência ocupante contra a população civil palestina sob ocupação ilegal - devem ser interrompidos", disse al Maliki.
O Conselho deveria adotar "uma posição clara para tranquilizar os dois bilhões de árabes e muçulmanos de que o direito internacional vai prevalecer" e trabalhar em prol de um "verdadeiro processo de paz" baseado na solução de "dois estados", destacou, por sua vez, o chanceler da Jordânia Ayman Safadi.
Na semana passada, o Conselho de Segurança não conseguiu chegar a um acordo sobre nenhum dos textos de resolução que estavam sobre a mesa, propostos por Rússia e Brasil. O primeiro não mencionava o Hamas, enquanto o segundo não reconhecia o direito de Israel a se defender e foi vetado pelos Estados Unidos.
Um terceiro texto, redigido pelos americanos, circula entre os Estados-membros e cita "o direito de todos os Estados à autodefesa individual ou coletiva".
Mas o embaixador da Rússia, Vassily Nebenzia, lembrou que a proposta americana não contém nenhum "pedido de cessar-fogo rápido e incondicional" do conflito, por isso o seu país, que tem direito de veto, "não vai apoiá-la".
Na qualidade de presidente do Conselho de Segurança, o Brasil, representado pelo chanceler Mauro Vieira, lembrou que os "civis devem ser respeitados e protegidos, sempre e onde quer que estejam", e enfatizou que todas as operações militares devem respeitar "os princípios fundamentais da distinção, proporcionalidade, humanidade, necessidade e precaução".
Por sua vez, o ministro das Relações Exteriores do Egito, Sameh Shoukry, questionou: "Que direito [à autodefesa] justifica não diferenciar entre um inimigo a ser abatido e civis desarmados?"
CESSAR-FOGO
O secretário-geral da ONU também exigiu um "cessar-fogo humanitário imediato" para aliviar o "sofrimento épico" da população de Gaza, "sem restrições".
O combustível fornecido pela ONU em Gaza "se esgotará em questão de dias", o que seria "outro desastre", pois, sem combustível, a ajuda não pode ser entregue, os hospitais não têm eletricidade e a água potável não pode ser purificada nem bombeada, frisou.
Desde os ataques do Hamas, o Ministério da Defesa israelense decretou o bloqueio de toda a entrada de bens, incluído o corte de eletricidade, água, alimentos e combustível, e bombardeia o território, causando, segundo as autoridades de Gaza, a morte de mais de 5.000 pessoas, entre elas, mais de 2.000 crianças e a destruição de 42% das residências, assim como diversas infraestruturas.
Cerca de 1,4 milhão de pessoas estão deslocadas no pequeno território, ressaltou Lynn Hastings, coordenadora humanitária da ONU para o território palestino ocupado.
"O risco de uma piora significativa da situação nos Territórios Ocupados ou a propagação do conflito na região continua sendo importante", advertiu Tor Wennesland, coordenador especial para o processo de paz do Oriente Médio, após lembrar que a violência na Cisjordânia, incluída Jerusalém Oriental, "aumentou desde a explosão da guerra".
Para quinta-feira está marcada uma reunião da Assembleia Geral da ONU para debater sobre o conflito palestino-israelense. Contudo, uma eventual resolução que venha a ser votada nesta instância não teria caráter vinculante, como acontece no Conselho de Segurança.