Recentemente fomos impactados por uma decisão, isolada de um ministro do Tribunal Superior Eleitoral, em que determinou a proibição de manifestações políticas de artistas e grupos musicais que participavam de um festival privado de música. Completo absurdo!
A Constituição Federal é clara ao estabelecer que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Sendo, portanto, vedado “toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.
Ora, o Estado de Democrático de Direito tem como um dos seus pressupostos básicos, plenamente garantido pela Constituição, a liberdade de expressão, que se destina a ampliar e estimular o debate público de ideias. Permitindo, assim, que a população tome conhecimento da opinião e posicionamento de todos, inclusive os artistas que escolheram expressar suas ideias através das respectivas atividades privadas.
O Supremo Tribunal Federal já declarou que, dentro dos limites legais, é “assegurado a todo cidadão manifestar seu apreço ou sua antipatia por qualquer candidato, garantia que, por óbvio, contempla os artistas que escolherem expressar, por meio de seu trabalho, um posicionamento político antes, durante ou depois do período eleitoral.” Obviamente, desde que não contenham ofensas à honra, promoção da violência ou ação que venha a interferir na livre atuação e funcionamento dos poderes estabelecidos.
Ainda que o Supremo Tribunal Federal já tenha manifestado que a liberdade de expressão se sobrepõe a diversos interesses protegidos juridicamente, existem alguns limites para o seu exercício. Sabidamente quando confrontam outros valores constitucionalmente assegurados.
É o que ocorre com os discursos de ódio, ou “hate speech”, que buscam legitimar quaisquer tipo de manifestação que discrimine grupos minoritários historicamente estigmatizados, o que viola os valores assegurados pela Constituição. Temas como homofobia, racismo ou intolerância religiosa.
Também não se caracteriza como liberdade de expressão as manifestações que ponham em risco a democracia. Que afrontem as instituições democráticas e interfiram na independência entre os poderes prevista como um princípio fundamental da nossa organização sócio-política.
Em outras palavras, não é possível confundir liberdade de expressão com discursos de promoção de ideários autoritários, de intimidação a agentes públicos ou ataques a instituições republicanas. Esse tipo de ação está atrelado à defesa de regimes totalitários, o que está claramente estipulado na carta magna como crime.
Por todos esses motivos e pela escalada recente e cada vez mais regular de episódios de ataques à soberania das instituições democrática, inclusive em manifestações que contaram com a participação de agentes públicos, a decisão que visou calar os artistas participantes do festival se torna ainda mais descabida. Não à toa, o próprio ministro responsável pela decisão não apenas voltou atrás em sua decisão, como praticamente se desculpou pelo posicionamento inconstitucional.
O desafio das nossas cortes, hoje, é preservar a liberdade de expressão ao mesmo tempo em que estabelece uma diferenciação explícita e pedagógica do que é tão somente a prática de um discurso de ódio travestida de liberdade individual.
FERNANDO J. RIBEIRO LINS, Advogado e presidente da OAB-PE