LITERATURA

Literatura na multidão: para formar leitores

Bienal do Livro de São Paulo significou uma expectativa de quase duas horas na fila de entrada

Cadastrado por

Fábio Lucas

Publicado em 04/07/2022 às 9:51
Os livros (e a prática da leitura) são as nossas verdadeiras armas possíveis. Celebremos o 23 de abril - Revista Bula

Para muita gente que foi ao primeiro dia do evento, a Bienal do Livro de São Paulo significou uma expectativa de quase duas horas na fila de entrada, no último domingo (3).

O fluxo de gente do lado de fora era impressionante, dando a dimensão do acontecimento cultural, econômico e social que reúne representantes do mercado editorial, autores e leitores de todo o Brasil até o próximo dia 10, no Expocenter Norte, na capital paulista.

Do lado de dentro, não era diferente: corredores lotados, estandes repletos, filas para andar, pagar, comer e ir ao banheiro.

Mas a avidez pelo encontro após o hiato forçado pela pandemia parecia estar acima do cansaço: o importante era curtir de novo, enfim, a alegria de circular pelo cenário dos livros.

No meio da extensa programação, a Amazon promoveu um debate sobre os prêmios literários para a carreira dos autores, com a participação de Maílson Furtado, Morgana Kretzmann e Jeférson Tenório, todos agraciados com premiações por livros que alcançaram repercussão nacional.

A mediação foi de Rodrigo Casarin, colunista de literatura do UOL.

“A gente não está se escondendo. A gente está tentando fazer a nossa arte”, disse Morgana Kretzmann, autora de “Ao pó”, publicado pela Patuá e obra vencedora do Prêmio São Paulo de Literatura, que conta a história de uma mulher vítima de abuso sexual na infância, abordando o machismo e a misoginia.

Em sua fala inicial, Morgana improvisou um desabafo que aborda fatos recentes no país, do qual transcrevemos alguns trechos:

“As mulheres sempre lutaram pelos seus direitos. Hoje em pleno século 21 ainda lutam, lutam por equiparação salarial, pelo direito de andarem na rua em paz, irem a festas, trabalharem na diretoria de bancos e estatais e não serem assediadas, muito menos estupradas.

E se forem estupradas e engravidarem, lutam para poderem fazer um aborto, procedimento que é direito da mulher, está no código penal brasileiro desde 1940. Desde 1940!

E esses discursos reacionários, que só pregam o ÓDIO no dia a dia, vêm sendo encorajados por certos governos, governantes, políticos machistas, misóginos, que saíram dos esgotos deste país.

Cada direito que nos é tirado, nos tornará mais e mais fortes para ocuparmos cada vez mais espaços e para mostrarmos que não nos calaremos. Queremos ser livres e queremos continuar vivas, sem sentir medo. Que o AMOR vença o ódio em outubro deste ano. Que o futuro seja feminino e feminista. Obrigada!”

LITERATURA: IMPLICAR POR UM MUNDO NOVO

A defesa de direitos elementares foi uma das questões dominantes no debate, a partir da fala contundente e emocionada de Morgana Kretzmann.

Para Maílson Furtado, que ganhou o Jabuti em 2018 com um livro-poema em homenagem à sua cidade, Varjota, no sertão do Ceará, o papel do artista é implicar com o mundo.

“Se estamos aqui, insistindo, apesar dos pesares, e dos retrocessos que vivemos nas últimas décadas, é um sinal de que vamos continuar encrencando, para deixar um mundo novo”.

Jéferson Tenório, professor e autor de “O avesso da pele”, que levou o Jabuti de melhor romance no ano passado, destacou que o papel da literatura é recordar às pessoas a subjetividade que o fascismo busca negar.

“A literatura não é só crítica, também propõe. Já me fizeram acreditar que a literatura não tinha função. Hoje discordo da arte pela arte. A literatura tem várias funções, e uma delas é formar leitores. É para isso que estamos aqui.

Outra função é trazer de volta a subjetividade. É o que faço no meu livro, retirando os negros da estatística de mortes por policiais e mostrando que ali são vidas apagadas, como ocorre todos os dias no Brasil”.

LITERATURA EM PAPEL

Para um escritor, o prêmio pode ser ver o livro publicado fisicamente, em papel. É o caso de Vanessa Passos – já entrevistada pelo Livronews para o JC – que teve no dia de ontem o primeiro contato com a sua obra, “A filha primitiva”, vencedora do Prêmio Kindle, em formato impresso pela José Olympio Editora, do Grupo Record.

Vanessa Passos autografa livros na Bienal do Livro, evento de literatura em São Paulo - Foto: Divulgação

Feliz demais com o livro em mãos, passou o sábado dando autógrafos, conversando com leitores e admiradores de seu trabalho de formação de escritores na internet (@pinturadaspalavras no Instagram).

Escritores e escritoras podem se misturar, mas não se escondem na multidão, dedicados à missão de formar leitores, encrencar com o mundo e juntar palavras para mudar a realidade pela literatura.

Livros mencionados:

À Cidade – de Maílson Furtado (edição do autor)

Ao pó – de Morgana Kretzmann (Patuá)

O avesso da pele – de Jéferson Tenório (Companhia das Letras)

A filha primitiva – de Vanessa Passos (José Olympio)

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