Um momento de crise pede responsabilidade e liderança. Responsabilidade para enxergar o problema, compreender a sua extensão e buscar os meios de enfrenta-lo. E liderança para que esse enfrentamento não seja fruto de voluntarismos, omissões, dispersão de energias, desespero. Em momentos de crise o líder não foge do incêndio, não faz troça, não ignora a sua gravidade nem o poder destrutivo de suas chamas. A conduta do Presidente da República - diante da pandemia - viola todos os deveres da responsabilidade e exclui todos os atributos da liderança, ele que deveria agir para aplacar as chamas.
Minimizou os riscos da crise sanitária, provocou aglomerações, desqualificou orientações da OMS, estimulou o uso de medicamentos sem eficácia comprovada, boicotou o uso de máscaras, além de quedar-se inerte diante da falta de oxigênio em Manaus, omitindo-se da articulação indispensável com os demais gestores do País. Já amargamos mais de 200 mil mortos. O impeachment não é um sucedâneo do processo eleitoral, não é mecanismo de tirar governantes dos quais discordamos. Ele é um julgamento político-jurídico para punir a prática de crimes de responsabilidade. Não pode ser amesquinhado como tática de combater adversários no exercício legítimo do poder. Outrossim, esse zelo com a Democracia não pode ser confundido com negligência com o dever de fiscalizar o Poder, que ao parlamento foi cometido pela sociedade e pela Constituição. No caso do governo Bolsonaro, não é o número de pedidos de impeachment que impressiona, mas a gravidade das denúncias, a constituir abundantes razões jurídicas para o seu afastamento e as razões políticas dormem na consciência da sociedade e do Congresso Nacional. Não se pode contemporizar com um comportamento que atenta contra a Democracia, que ofende os poderes, que interfere nas instituições da República para proteger familiares e amigos, que persegue a imprensa livre, os artistas, a cultura, que desmonta os organismos de controle ambiental e que perpetra crimes em sequência contra a saúde pública.
Um afastamento de um Presidente da República é sempre traumático e tem um custo social elevado, mas a história não nos perdoará o grave defeito da omissão. A ponderação que devemos ter no uso desse instrumental cede ante os abusos e violações em série praticados por Jair Bolsonaro. Ele se alimenta de um senso de responsabilidade que ele próprio não tem, para continuar a sua cruzada obscurantista e para quem a vida nada vale - "eu não sou coveiro" -. É hora de impor limites a essa insanidade despótica e genocida de quem, custa crer, carrega a faixa presidencial.
* Tadeu Alencar, deputado Federal (PSB/PE)
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