A virtude é uma disposição adquirida de fazer o bem porque ela é o próprio bem, em espírito e em verdade. Sem desviar da sabedoria aristotélica, toda virtude é um ápice entre dois vícios, uma cumeada entre dois abismos: assim, no caminho do meio entre a covardia e a temeridade, se move a coragem; o espaço da doçura se situa entre a cólera e a apatia.
Seria a tolerância uma exceção à regra? Ser tolerante significa aceitar o condenável sem combater? Levada ao extremo, a tolerância negaria a si própria e deixaria livres as mãos dos que querem suprimi-la. Inerte, a tolerância desconheceria o valor da luta, do combate: seria cúmplice, colaborador, da violência e da monstruosidade dos regimes políticos assassinos e genocidas.
Neste ponto, chegamos ao que Karl Popper chama de “o paradoxo da tolerância: se formos de uma tolerância absoluta, mesmo para com os intolerantes, e se não defendermos a sociedade tolerante contra os seus assaltos, os tolerantes seriam aniquilados, e com eles, a tolerância”.
Tolerância não é passividade. Democracia não é fraqueza. São fatores de coesão da vida social e convalidam a força que se opõe ao fanatismo, ao sectarismo, ao autoritarismo e ao totalitarismo. Ambas protegem a sociedade pluralista do risco de se despedaçar em decorrência das diferentes visões de mundo.
A propósito, o Brasil nunca foi o paraíso da tolerância, porém, vem sendo intoxicado por uma atmosfera política marcada pelo confronto, pela raiva, pelo ódio, pelas manifestações de intolerância que ultrapassam agrupamentos sociais e penetram nas instituições políticas.
E o exemplo vem de cima. Não se ouve do Palácio do Planalto uma voz que possa apaziguar para, unindo, governar. A cada dia, sob a tragédia da pandemia, os passos que deveriam ser os mais prosaicos e corriqueiros da ordem democrática, transformam-se em confrontos.
A eleição congressual deixou um rastro de vindita no ar; o livro de um respeitável General recoloca as Forças Armada no centro do debate político; o Presidente da República assina um decreto cuja ementa bem que poderia ser “Às armas, cidadãos!”.
Para completar, o desqualificado parlamentar, Daniel Silveira (PSL-RJ) em linguagem chula, agride violentamente o Supremo Tribunal Federal, o locus, gostem ou não, é o foro regulador e adequado para resguardar e defender as liberdades democráticas.
Entram no jogo as instituições – o STF e a Câmara – para, de acordo com a lei, usar a força institucional da tolerância para punir o delinquente político. A nação exige.
Gustavo Krause, ex-governador de Pernambuco
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